Dentro da Guilda de Exploradores, o ambiente pulsava com a energia de um festival. Os exploradores riam e brindavam alegremente, erguiam suas canecas de cerveja sem reservas, celebrando mais uma vitória.
No andar superior, em um espaço mais reservado, Aura, Renier e Anastasia estavam reunidos com Malo, Selena e Kirara. Todos observavam Makoto, que parecia emergir das sombras do passado, trazendo consigo uma aura de respeito e nostalgia.
Renier, sempre descontraído, estava sentado sobre a mesa de Kirara, com um olhar curioso, enquanto notava a tensão silenciosa no ar. Makoto e Kirara se encaravam, como se suas emoções estivessem presas na garganta, carregadas por memórias compartilhadas.
— Parece que você cresceu, minha pequena pupila, — comentou Makoto, com um sorriso caloroso que quebrava parte do peso da atmosfera.
Kirara tentou manter a postura firme, cruzando os braços musculosos enquanto exibia um sorriso confiante. Sua voz, porém, carregava uma leve hesitação.
— Heh, e você não mudou nada, Mestre.
Renier estava sentado despreocupadamente sobre uma das mesas, balançando os pés e observando os olhares trocados entre Makoto e Kirara, claramente alheio à gravidade do momento.
— Por que vocês duas não se abraçam de uma vez? — disse ele, quebrando a tensão com sua habitual irreverência.
— Você não deveria ser tão incômodo, Renier, — comentou Anastasia, com uma calma cortante, enquanto cruzava os braços. — Não está ansioso para falar com sua avó? Afinal, é a Makoto.
Renier ergueu uma sobrancelha e deu um sorriso leve, mas sem entusiasmo.
— Ansioso? — repetiu ele. — Nunca tive uma interação com ela diferente da que Kirara teve. Para mim, Makoto é só... uma desconhecida.
As palavras, ditas com tanta frieza, fizeram Makoto vacilar por um momento. Sua expressão calorosa deu lugar a uma leve tristeza, e ela abaixou o olhar.
— Me desculpe, Renier. Eu...
Antes que pudesse terminar, Renier a interrompeu com um gesto casual da mão.
— Não precisa se desculpar, — disse ele, com um tom sério. — Você não tem culpa. Como Guardião Negro, tenho meu dever a cumprir, e só isso importa.
Aura, encostada na parede próxima, soltou um suspiro leve e cruzou os braços.
— Toda essa alegria aqui é até contagiante, — disse ela, olhando de relance para a celebração abaixo. — Mas temos trabalho a fazer.
Makoto franziu a testa, assim como Kirara. As duas trocaram olhares confusos antes de Makoto perguntar:
— Trabalho? Alaster já foi derrotado. Você é o novo Guardião Negro. Seu dever não terminou?
Renier desceu da mesa com um movimento fluido, os olhos sérios pousando sobre Makoto e Kirara.
— Não, ainda não, — respondeu ele firmemente. — Aura e eu vamos sair da Cidade Fronteira. Só nós dois. Malo e você estarão por aqui, Makoto, então a segurança estará garantida.
Kirara, incapaz de esconder sua perplexidade, ergueu as mãos em um gesto de frustração.
— Espera, o quê? Vocês vão simplesmente... partir? Por quê?
Aura, sempre calma, deu um passo à frente, os olhos imperturbáveis encontrando os de Kirara.
— Temos nossos motivos, — respondeu ela com simplicidade. — E não pretendemos discuti-los.
Makoto permaneceu em silêncio por um instante, mas a mágoa era visível em seu olhar. Renier era tão diferente dos Guardiões anteriores — distante, frio, movido por objetivos que ela não podia compreender. Ainda assim, ela suspirou profundamente e caminhou até ele.
Parando ao seu lado, ela pousou a mão sobre o ombro de Renier com uma delicadeza surpreendente.
— Você deve ter seus próprios motivos, — disse ela, a voz suave mas cheia de resignação. — Então siga seu caminho, Renier. Como o novo Guardião Negro, essa decisão é sua.
Renier não disse nada, mas um brilho indecifrável passou por seus olhos enquanto ele assentia brevemente. Aura, com um leve sorriso enigmático, o chamou com um aceno de cabeça.
E assim, enquanto o festival continuava abaixo, Renier e Aura deixaram o salão, carregando consigo um propósito que apenas eles entendiam, e um peso que apenas Renier parecia estar disposto a suportar.
✦—✵☽✧☾✵—✦
Após toda a comoção de antes, a existência de Makoto, a antiga Guardiã das lendas, permaneceu um segredo restrito àqueles presentes na ocasião. Afinal, para Makoto e Kirara, a volta de uma mulher que deveria estar morta há trezentos anos seria um alvoroço. Era algo que ambas, por razões pessoais, preferiam evitar.
A chuva persistente cobria o céu com densas nuvens, e o som da água batendo nas calhas ecoava suavemente na noite. Renier observava Anastasia enquanto ela dormia, seus pensamentos vagando como a chuva lá fora. A luz tênue que escapava entre as nuvens fazia o brilho azul de seus olhos parecer ainda mais intenso no quarto escuro.
Então, os olhos sonolentos de Anastasia se abriram, encontrando o olhar etéreo de Renier. Acordando devagar, ela se sentou na beira da cama, esfregando os olhos e percebendo que ainda estava longe do amanhecer.
— Não consegue dormir? — perguntou ela, com um tom suave.
Renier respondeu em um murmúrio baixo.
— Só costumo dormir ao seu lado, um hábito humano, — disse ele, enquanto seus dedos acariciavam as mechas dos cabelos dela. — Mas, desde que acordei neste mundo, nunca senti sono de verdade.
Anastasia fechou os olhos, sentindo o toque dele. Era suave, mas algo parecia diferente — distante, quase frio, comparado ao calor que ela lembrava.
— Você está diferente... muito distante do Renier que conheci. — A preocupação estava clara em sua voz enquanto ela o encarava.
Renier suspirou profundamente, como se carregasse um peso invisível.
— Eu sei. Me desculpe. Afastei minha avó de mim... e sei que você percebeu. Mas foi por um bom motivo, — disse ele, recostando a cabeça no ombro dela. — Malo vai cuidar bem de você, da Anny e desse lugar. Há razões para o que estou fazendo, mas não posso revelá-las.
Anastasia franziu o cenho, claramente frustrada.
— Um motivo que só a Aura pode saber? — retrucou ela, emburrada. — Assim, vou acabar com ciúmes. Parece que você a trata de forma mais especial do que me trata.
Renier riu suavemente da reação dela, puxando-lhe as bochechas com um olhar mais leve do que antes.
— Aura e eu compartilhamos algo que não podemos contar a ninguém, — explicou ele, inclinando-se para dar-lhe um beijo caloroso. Anastasia sentiu o calor em seu corpo aquecer, embora o toque dele ainda carregasse um traço daquela distância que a preocupava. Quando os lábios de Renier se separaram dos dela, ele continuou: — Confie em mim. Não como o Guardião Negro, mas como Renier Kanemoto. Estou fazendo isso para proteger você e todos aqui.
Anastasia corou, desviando o rosto envergonhada, mas com um sorriso surgindo entre o rubor.
— Como consegue desconcertar uma mulher assim tão facilmente? — murmurou ela, ainda admirando os olhos etéreos de Renier. — Nunca duvidei de você, e nunca deixei de confiar. Só... prometa que vai voltar. Você e a Aura. Prometa. — Sua voz vacilou enquanto ela o abraçava, como se temesse perdê-lo para sempre.
O silêncio se instalou no quarto, apenas quebrado pelo som da chuva constante. A cidade estava mergulhada em uma quietude quase reconfortante, mas essa calmaria carregava uma tensão oculta, como o prelúdio de uma tempestade que ninguém, nem mesmo Renier e Aura, poderia conter.
Continua…