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Chapter 3 - Capítulo 2: O Espírito Guardião Rikyu.

Os lábios da garota pálida se entreabriram, emitindo um som que misturava uma doçura macabra com uma indiferença gelada. Sua voz, cortante como vidro, ecoou pelo ambiente, enquanto o leve toque de batom escuro acentuava ainda mais o contraste entre sua aparência cadavérica e a suavidade de suas palavras.

— Né... Você é... o novo dono... desta casa? — repetiu ela, a pergunta pairando no ar com um sorriso tentador que causou um arrepio instantâneo em Renier.

A voz dela não se limitava ao espaço físico. Ela parecia penetrar sua mente, envolvê-lo, como se fosse uma presença estranha dentro de sua própria cabeça. "Desconfortável... Será que ela é um espírito? Ou um yokai?" A dúvida se arrastava como uma sombra, inquietante, enquanto ele tentava racionalizar a situação.

Enquanto as perguntas se acumulavam em sua mente, Renier ponderava se a figura diante de si era um ser sobrenatural. Talvez uma criatura que havia habitado a casa por tanto tempo que ela mesma parecia ter se fundido com o ambiente, perdida no tempo e na memória daquelas paredes.

O silêncio que se seguiu parecia mais pesado agora, como se o próprio ar tivesse se tornado mais espesso, mais difícil de respirar. O som do gotejar incessante da torneira se misturava com a sensação opressiva que pairava no ambiente. O olhar da garota, vazio e penetrante, parecia perfurar sua alma, sondando cada canto de sua mente como se ela soubesse exatamente o que ele estava pensando.

— Né... Quem... é você? — perguntou ela, com a mesma voz gélida e arrastada, seus olhos opacos fixos nos de Renier. Aqueles olhos não eram meros olhos; eram poços profundos que pareciam sugar toda a luz ao seu redor, mergulhando-o em um desconforto crescente, uma sensação de que estava sendo desnudado diante dela.

E então, sem aviso, o ambiente ao redor de Renier começou a mudar. A atmosfera se distorceu, como se uma camada invisível de trevas tivesse se espalhado, engolindo o ar ao seu redor com uma frieza indescritível. O tempo parecia se arrastar, e a luz da lâmpada se fez ainda mais fraca, como se a casa estivesse sendo dominada por uma presença invisível, mas palpável.

De repente, atrás da garota, algo se materializou das sombras. Um redemoinho negro, vazio e sem fim, apareceu, como se a escuridão pura tivesse ganhado forma. Ele engolia o espaço à sua volta, uma força opaca e implacável.

Dos ombros da garota, dois braços longos e escuros começaram a se estender. Eles eram muito maiores do que os dela, serpenteando pelo ar com uma fluidez grotesca. Silenciosos e rápidos, os braços se enrolaram ao redor do pescoço de Renier, seus dedos gélidos e maleáveis como tentáculos, apertando suavemente sua pele. A sensação de toque foi repulsiva, como se algo morto e nojento estivesse se movendo sobre ele, fazendo seu corpo estremecer involuntariamente.

"O que é essa garota?" pensou Renier, tentando manter a calma diante do crescente mistério e da ameaça iminente. Mas a verdade era que ele sentia a pressão, o perigo se acumulando lentamente, como uma tempestade prestes a desabar.

Com um sorriso irônico nos lábios, ele levantou a mão até o par de braços escuros que o seguravam, tocando-os como quem ignora a gravidade da situação, e falou com um tom de provocação:

— Se me agarrar assim, vai ser problemático, heh. — Sua voz era desafiadora, mas o brilho em seus olhos traía a tensão que o envolvia. — Vai se responsabilizar caso eu goste… — Ele continuou, tentando arranjar um modo de desestabilizar a serenidade impassível da garota.

Os olhos de Renier brilharam intensamente, como se sua própria energia começasse a se infiltrar no ambiente, iluminando o espaço ao redor. Ele estava tentando entender a situação, desvendar a verdade oculta atrás daquele ser.

A garota não se moveu. Apenas observou com uma calma sobrenatural, seus olhos agora focados de forma hipnótica nos olhos azuis de Renier. A tensão entre eles era palpável, uma batalha silenciosa de vontades.

— Uh... Não está com medo? — A garota perguntou com um toque de curiosidade, sua voz mais suave agora, quase como se estivesse intrigada. Seu olhar se estreitou, e algo em seu rosto mudou, como se estivesse reconhecendo algo familiar. — Eu vejo... Olhos azuis... Um membro da família Kanemoto... — Ela disse, e, por um momento, sua expressão suavizou, uma fagulha de algo humano atravessando sua face. Os braços escuros ao redor do pescoço de Renier perderam a pressão, como se algo em sua presença a tivesse afetado.

A tensão, no entanto, não desapareceu. Ela apenas havia se tornado ainda mais complexa, mais profunda, como se a garota agora estivesse apenas começando a revelar as camadas de seu verdadeiro poder.

Para surpresa de Renier, as mãos da garota começaram a se desmaterializar, desvanecendo-se como poeira ao vento. "A presença dela se foi...," pensou, uma mistura de surpresa e animação tomando conta de si. "Então, eu realmente estava certo? Os Olhos das Revelações funcionam!"

Com uma calma surpreendente, ele se virou para encará-la de frente, apreciando sua aparência de uma maneira que não havia feito antes. "Ela é ainda mais interessante do que imaginei", refletiu, observando como as vestes antigas dela conferiam uma aura de mistério e charme atemporal.

Com a hostilidade parecendo ter se dissipado, Renier finalmente relaxou um pouco. Ele deu um passo à frente e falou com um tom mais suave:

— Eu sou Renier Kanemoto. E você, quem é?

— Oh, Renier Kanemoto... — A garota se inclinou com uma elegância sutil, em um gesto de saudação e respeito que deixou Renier um pouco desconfortável. — Sou Rikyu, um Espírito Guardião que habita esta casa.

— Espírito Guardião? Como uma cuidadora? — perguntou Renier, agora genuinamente curioso.

Rikyu assentiu, sua postura agora mais calma e reservada, como se a tensão finalmente tivesse se dissipado do ar.

— Exato… Meu dever ao longo dos séculos foi cuidar desta casa, um pacto que foi forjado há muito tempo com sua família. — A voz dela, suave e serena, carregava uma reverência implícita, uma história que parecia ecoar nas paredes da casa.

Renier refletiu sobre isso por um momento. "Então, foi isso que causou a mudança no comportamento dela." Ele compreendeu a formalidade de Rikyu e o porquê de ela agir daquela maneira.

— Já fazia tanto tempo... quase uma eternidade que nenhum membro da sua família apareceu por aqui… — disse Rikyu, e Renier percebeu a melancolia implícita nas palavras dela, como se o peso dos séculos tivesse deixado marcas profundas em seu espírito.

— Meu avô me manteve longe do Japão por muito tempo… e, infelizmente, sou o único descendente vivo da família Kanemoto. — Renier olhou diretamente nos olhos dela, com uma sinceridade que se refletia em cada palavra. — Peço desculpas… quero dizer… pela minha família ter te deixado esperando sozinha neste lugar por tanto tempo.

Surpreso com a profundidade de sua própria emoção, Renier se inclinou ligeiramente, um gesto de desculpas genuíno que parecia tocar algo profundo em Rikyu.

Ela pareceu hesitar por um momento, visivelmente desconcertada. — Não, por favor, não precisa se submeter a isso… — murmurou ela, a voz agora mais suave, com um toque de incomodidade. — Sua família passou por muitas perdas ao longo dos anos, e isso os manteve afastados do perigo que esta casa representava séculos atrás.

Renier sorriu de forma reconfortante, sua mão se movendo suavemente até o ombro dela. — Mas agora que posso viver aqui... você se importaria de me fazer companhia, Rikyu?

Os olhos de Rikyu, vazios e opacos, brilharam brevemente com o toque quente da mão dele contra seu corpo frio, como se o gesto tivesse despertado algo em sua essência imortal.

Um sorriso sutil, quase imperceptível, começou a se formar em seu rosto, o suficiente para dar um brilho tênue em sua expressão normalmente inexpressiva. Era a primeira vez em muito tempo que ela demonstrava algo além de seu dever.

— Claro, meu dever é cuidar da família Kanemoto. Não me importo de ficar ao seu lado, Renier... — A voz dela era suave, mas o tom de gratidão era palpável, uma emoção delicada que parecia preencher os vazios dos séculos passados, de solidão e espera.

Renier sentiu que algo importante estava se formando entre eles, não mais apenas a relação de guardião e protegido, mas uma conexão mais profunda. Algo que poderia redefinir ambos à medida que o tempo passasse, e talvez até mais além disso…

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Renier estava sentado à mesa, observando Rikyu se mover pela cozinha com uma graça quase sobrenatural. Cada gesto seu parecia em harmonia com o espaço, como se ela fosse parte da própria casa. Como guardiã e antiga serva da família Kanemoto, ela realizava suas tarefas com uma precisão impressionante. Desde a limpeza até a preparação das refeições, tudo era feito com uma destreza que parecia transcender o humano, como ela mesma havia explicado para ele.

O aroma do chá recém-preparado preenchia o ar, suave e reconfortante, enquanto Renier dava um gole da xícara branca, ornamentada com delicadas flores. Era um dos jogos de chá que pertenciam ao seu avô, e o sabor do chá, leve e floral, se espalhava pela sua boca, quase como uma lembrança de tempos passados. "O chá dela é muito bom… e o cheiro é tão agradável," pensava ele, deixando que o calor da bebida acalmasse sua mente, afugentando os pensamentos inquietos.

O cheiro de pão assando no forno começava a se espalhar pela casa, e o ambiente, em sua quietude, trazia uma sensação de conforto incomum. Era notável a habilidade de Rikyu, sua atenção meticulosa aos detalhes, sua dedicação em manter a casa exatamente como fora deixada. "Nada mudou, nada foi tocado pelo tempo," refletia Renier, sentindo-se quase como um espectador em um cenário que transcende o presente.

— O mundo mudou bastante desde que você ficou isolada aqui — comentou Renier, olhando para ela por cima da borda da xícara. — Uma grande evolução aconteceu enquanto você estava, digamos, desinformada sobre o que estava acontecendo lá fora.

Rikyu assentiu lentamente, seu olhar sereno e pensativo enquanto segurava sua própria xícara de chá com as mãos delicadas.

— Entendo... Os humanos, hoje em dia, desconhecem o sobrenatural. — A voz dela carregava um tom de aceitação, como se já estivesse acostumada com essa realidade. — Sua família ficaria satisfeita ao ver essa pequena mudança, essa trégua temporária... Mas, não deve ser algo duradouro.

Renier refletiu por um momento, observando-a atentamente, antes de fazer uma pergunta que o inquietava há algum tempo.

— A propósito... Por que minha família, o clã Kanemoto, era tão importante para o mundo sobrenatural? — indagou ele, lembrando-se dos documentos antigos que havia encontrado no quarto trancado há tanto tempo, um mistério que agora parecia ainda mais distante e importante.

Rikyu se endireitou um pouco, seu olhar se tornando mais sério e introspectivo. Quando ela respondeu, sua voz estava carregada de um conhecimento ancestral.

— O Guardião Negro... — Ela fez uma pausa, como se as palavras pesassem mais do que o normal. — Era um título reservado para aqueles que herdavam o sangue primordial do demônio. Esse sangue concedia os Olhos Demoníacos, que agora são conhecidos como os Olhos das Revelações. Aqueles que nascem com esses olhos têm um destino especial. O sangue demoníaco é um legado, e quem o carrega é destinado a manter o equilíbrio entre o mundo sobrenatural e o mundo dos humanos.

Renier sentiu um calafrio percorrer sua espinha. "Então é isso o que significa... Um legado." A ideia de carregar um destino tão grandioso, mas também tão pesado, começou a se formar em sua mente. O peso da responsabilidade parecia maior do que ele havia imaginado, mas ele manteve o olhar focado, não deixando transparecer nenhuma dúvida.

Rikyu fez uma pausa, seu olhar profundo e pensativo, como se estivesse escolhendo as palavras com extrema cautela.

— Em cada geração, ao menos um membro da sua família nascia com os Olhos das Revelações. Mas o destino deles nunca foi apenas o de ser um simples guardião. Muitos desapareceram ao longo do tempo… — A voz dela se suavizou, e um silêncio pensativo se instalou entre eles. — Não posso dizer o que aconteceu com eles, nem o que acontecerá com você, Renier. Você é o novo Guardião Negro, mas o que o espera é algo que nem mesmo eu posso prever.

Renier permaneceu em silêncio, processando as palavras dela. O peso do título, o fardo do legado que carregava, parecia se expandir a cada segundo. O destino incerto, os mistérios que ainda estavam por vir... Ele sabia que sua jornada seria difícil, mas algo em seu interior, talvez a mesma força que herdou de seu sangue demoníaco, lhe dizia que ele poderia enfrentá-los.

O que o aguardava era maior do que qualquer coisa que ele já tivesse imaginado, e ao mesmo tempo, tão imprevisível quanto o próprio universo.

Continua…