O segundo período da aula já havia terminado, e o tão aguardado recreio chegou. Era o momento em que os alunos podiam finalmente relaxar, comer algo na cantina e se socializar. Os corredores estavam cheios de grupos de amigos conversando animadamente, mas Renier não parecia ter pressa em se juntar a ninguém. Ele estava sentado próximo à Kyouka, ainda mantendo a mesma postura despreocupada, como se o resto do mundo ao seu redor fosse irrelevante.
Kyouka, porém, não deixou a situação passar em branco. Virou-se para ele, arqueando uma sobrancelha.
— Você não vai se juntar aos outros, Renier? Não deveria tentar fazer amigos agora que é um aluno novo? — ela perguntou, quase desafiando-o.
Renier olhou para ela com um sorriso tranquilo. — Fazer amigos por fazer, não é bem meu estilo. E perder a oportunidade de ficar perto de uma pessoa tão interessante como você? Isso sim seria um erro.
Kyouka revirou os olhos, soltando um suspiro. — Você é um idiota, sabia disso?
Renier riu suavemente, ignorando o comentário. A conexão entre os dois parecia natural, como se já se conhecessem de outras vidas, embora fosse claro que Kyouka não gostava de admitir isso.
— Olha, como seria divertido passar esse tempo livre com você, mas infelizmente preciso ir até a sala do diretor assinar um papel de má conduta. Aquelas lesões que causei nos idiotas ontem, — Kyouka continuou, com uma expressão indiferente, como se a situação fosse apenas mais uma rotina chata.
Renier levantou uma sobrancelha, provocando-a com um sorriso discreto. — Vai ser uma pena. Mas se você não quiser acabar na detenção, seria bom pegar mais leve dessa vez.
Kyouka riu da sugestão, mas quando se levantou, ela lhe deu um tapinha amigável, mas com um tom provocador. — Não posso prometer nada. Eu gosto de ver a dor na cara desses idiotas.
Por um momento, Renier sentiu um calafrio estranho. O toque dela, leve mas carregado de algo inesperado, o deixou pensativo, mas ele logo se recompôs, respondendo com um sorriso ligeiramente mais largo.
— Boa sorte com isso, — ele disse, se despedindo dela.
Ela não respondeu, apenas balançou a cabeça e caminhou em direção à porta. Antes de sair da sala, um garoto tentou se aproximar dela, talvez com a intenção de falar algo. Mas Kyouka não teve paciência para ele. Com um movimento rápido, empurrou o garoto para o lado, sem nem olhar para trás, e saiu da sala com a mesma atitude indiferente de sempre.
Renier, que havia observado a cena, soltou uma risada baixa para si mesmo. — Ela é realmente assustadora... Mas de um jeito divertido.
A classe ainda estava agitada com os murmúrios dos outros alunos, alguns observando a saída de Kyouka com uma mistura de medo e fascínio, mas para Renier, tudo aquilo era apenas mais um espetáculo interessante. Algo lhe dizia que a relação entre ele e Kyouka seria longe de ser simples. E talvez fosse isso que o tornava ainda mais curioso sobre ela.
Enquanto Kyouka desaparecia pela porta, uma garota loira e sorridente, que Renier notou desde o início, deu um passo adiante, reunindo coragem para se aproximar. Ela respirou fundo, claramente tentando criar uma pequena dose de autoconfiança, e se aproximou de Renier, chamando-o pelo nome de forma alegre e bem energética, como se tentasse afastar qualquer hesitação.
Renier levantou os olhos de seu caderno, onde rabiscava distraidamente. Ele sorriu levemente e a chamou pelo nome: — Lilly Homura, certo?
A garota arregalou os olhos, surpresa. — Como você sabe meu nome? — perguntou, tentando entender como ele poderia lembrar de um detalhe que ela imaginava ser insignificante.
Renier deu de ombros casualmente. — Lembrei da chamada da professora. Sua voz foi uma das que respondeu. — Seu tom era calmo, como se lembrar desse tipo de coisa fosse algo completamente normal para ele.
Lilly o olhou, um pouco impressionada, e riu. — Você é um tipo bem peculiar, Renier. Lembrar de um detalhe desses? Quase ninguém pegaria isso.
Renier deu um sorriso discreto. — Memória fotográfica. Não é nada demais.
Mas Lilly sacudiu a cabeça, seu entusiasmo irradiando enquanto dizia. — Não é nada demais? Memória fotográfica é incrível! Tipo... como um superpoder! — A energia contagiante dela trouxe uma leve risada dos lábios de Renier, que parecia genuinamente entretido com o entusiasmo dela.
Ele então a olhou com curiosidade. — Então, o que te trouxe até aqui? Foi só para se apresentar, ou você precisa de alguma coisa?
Lilly ficou em silêncio por um momento, depois pareceu se lembrar do que queria dizer. — Eu vi que você conseguiu... de algum jeito... virar amigo da Kyouka. — Ela parecia admirada com o feito, como se Renier tivesse realizado uma façanha lendária. — Desde que a Kyouka foi transferida para cá no ano passado, ela nunca foi de falar muito, e cada vez que alguém tentava se aproximar...
Renier completou a frase para ela, com um sorriso enigmático. — A pessoa sempre sai bem machucada. Acertei?
Lilly riu, concordando. — Exatamente isso! Parece que ela encontrou alguém com quem se conectar, e isso é bom pra ela. — Seu olhar estava cheio de sinceridade, mas algo no tom dela parecia estranho a Renier, como se aquela animação toda fosse... forçada.
Renier a observou mais atentamente, ponderando a energia um tanto tensa que ele percebia por trás da alegria dela. Algo nela não estava bem. Sem perder tempo, ele mudou de assunto, talvez como uma forma de entender mais sobre ela.
— Você canta, não é? — perguntou.
Lilly novamente pareceu impressionada, como se Renier tivesse acertado em cheio. Ela assentiu, com um sorriso animado. — Sim, sim! Sou uma Idol mirim, — ela disse, quase como se estivesse contando um segredo divertido. — Comecei faz pouco tempo, mas ainda estou me acostumando.
Renier assentiu, observando as pequenas nuances em sua postura, e, guiado por um impulso, soltou uma pergunta simples, mas carregada de cuidado genuíno. — Você está bem?
A pergunta a pegou de surpresa. Lilly ficou imóvel por um instante, sua mão se movendo lentamente para as costas, em um gesto defensivo. Ela forçou um sorriso e respondeu, tentando soar casual. — Eu estou bem, por que a pergunta?
Renier suspirou, persistente, seu olhar perscrutador. — É só... você parece estar se forçando um pouco.
Lilly ficou imóvel por um momento, os olhos dela refletindo um misto de choque e vulnerabilidade. Ela respirou fundo, controlando-se. — Você é muito observador... bem mais do que eu esperava. — Dessa vez, seu sorriso pareceu frágil, como se fosse uma máscara prestes a se quebrar.
Renier a olhou, intrigado. — Mas por quê?
Ela desviou o olhar por um instante, claramente pensando em algo, e depois voltou a encará-lo, um pouco mais decidida. — Renier... você estaria disponível depois da aula?
Renier ficou em silêncio, considerando o que acabara de acontecer. Sentia que tinha tocado em algo mais profundo, e que talvez tivesse despertado algo que ela preferia manter guardado. Mesmo assim, ele assentiu calmamente. — Estarei, sim. E se precisar conversar... eu prometo que vou ouvir.
Lilly sorriu, seu brilho habitual retornando, mas dessa vez com uma leve hesitação. — Perfeito! Obrigada, Renier, — disse ela, alegremente, mas ele sabia que havia algo naquele sorriso, um leve tremor que deixava óbvio que não era tão natural quanto parecia.
Conforme ela se afastava, Renier perguntou o que estava acontecendo para ela se esforçar tanto para parecer bem. E mesmo que essa sensação de se preocupar fosse nova para ele, ele não conseguiu evitar a curiosidade. Algo nela o intrigava profundamente, como se aquele sorriso forçado fosse uma barreira que ele estava determinado a entender.
Continua…