No meio do ano letivo em sua nova escola, Renier estava sentado em sua carteira, com os olhos perdidos na paisagem urbana do lado de fora, observando as nuvens que deslizavam preguiçosamente pelo céu. O tédio o consumia, ignorando completamente o que acontecia dentro da sala de aula.
Seis meses haviam se passado desde que ele se mudara para o Japão, e, apesar da mudança de cenário, a rotina ainda parecia distante, como um eco. Em sua nova casa, ele havia conquistado uma namorada e feito uma amizade verdadeira. Lilly Homura, a estrela em ascensão, se tornara o centro das atenções na escola, enquanto sua melhor amiga se destacava como uma promessa da música. Ambos tornaram seus dias mais interessantes.
Uma voz estridente ecoou, tentando puxá-lo de volta para a realidade. Era a mesma garota loira de feições delicadas e olhos azuis cintilantes, sua aparência impecável como a de uma modelo. A frustração em seu rosto era clara, já que tentava, sem sucesso, capturar a atenção de Renier.
— Renier! — gritou Lilly, a voz dela ressoando pela sala vazia.
Renier virou lentamente o olhar para ela, antes de responder com um sorriso desafiador. — Eu sei que você é cantora, mas talvez pudesse diminuir um pouco o volume? — disse ele, a provocação evidente em suas palavras.
— Que rude! — Lilly cruzou os braços, indignada. — Humph! Para alguém que estava viajando no mundo da lua, você não tem moral para falar assim, Ren. Aposto que não prestou atenção na aula de jeito nenhum, né? — Ela disse, mostrando sua frustração de forma inconfundível.
Renier ergueu seu caderno, um emaranhado de rabiscos e desenhos, e o colocou diante de Lilly. Entre as várias páginas, havia um retrato de Lilly, com as características de uma maid, vestida com trajes de empregada e um par de orelhas de gato bem visíveis. O olhar satisfeito de Renier disse tudo.
— Estava apenas realçando sua verdadeira natureza, não é, Kissy? — disse ele, soltando um sorriso de quem sabia que havia mexido com ela.
Lilly arregalou os olhos, claramente nervosa e visivelmente irritada. Ela esticou o braço tentando pegar o caderno, mas Renier se esquivou, afastando-o com uma agilidade que só ele possuía.
— O quê!? — Ela gritou, um rubor intenso tomando conta de seu rosto. — Vou colocar fogo nesse caderno!
Renier riu, aumentando a provocação. Ele esticou o braço para longe dela, mais uma vez evitando que ela tocasse no caderno.
— Não seja má. Gatos são fofos, só aceite sua natureza adorável — disse ele, ainda rindo da reação dela enquanto folheava o caderno, exibindo outros desenhos e rabiscos.
— Hmph! — Lilly resmungou, cruzando os braços com um semblante indignado. — Você não sabe nada sobre gatos! Eles não são fofos como você pensa... Gatos são ferozes predadores que se alimentam de animais pequenos. Eu não sou fofa! — Ela disse com firmeza, tentando esconder a leve diversão em sua voz. Apesar de suas palavras, algo no fundo de sua mente gostou do elogio, mas ela nunca admitiria isso tão facilmente.
Renier, por sua vez, apenas a observou com um sorriso astuto. Sabia muito bem como mexer com ela e se divertia a cada segundo.
— Ora, você não gosta de gatos? Eles são fofos, mas eu sou mais fã de raposas — disse Renier, distraído por um momento, permitindo que Lilly, com um movimento ágil, puxasse sorrateiramente o caderno de suas mãos.
Lilly sorriu vitoriosamente enquanto folheava o caderno, revelando seu prêmio. — Peguei! Claro que gosto de gatos, só quis dizer que não deveriam ser vistos apenas como fofos. Eles são muito mais perigosos e espertos do que você imagina.
Renier suspirou, percebendo que tinha baixado a guarda e, ao voltar o olhar para ela, se deu conta do erro. — Acabei de perceber isso... — murmurou, antes de ser atingido por uma batida do caderno na cabeça.
Lilly estreitou os olhos, visivelmente incomodada pela suposição dele. — Heh, você anda passando tempo demais com a Kyouka para achar que eu faria algo assim — respondeu ela com uma expressão desafiadora, um sorriso irônico nos lábios.
Ela continuou folheando o caderno, as palavras escorregando de seus lábios com um tom de diversão. — Algo me diz que você gosta de levar bronca de mulheres. Sempre provocando a Kyouka, é incrível que ainda esteja vivo — comentou, soltando um suspiro involuntário enquanto olhava para um dos rabiscos que Renier havia feito, como se pensasse por um momento na situação.
Folheando o caderno, Lilly parou em uma página e soltou um sorriso divertido ao ver o desenho.
— Algo me diz que você tem uma queda por mulheres com tendências dominantes sobre você. Este desenho vai sair caro quando a Kyouka descobrir — ela alertou, apontando para o retrato de Kyouka.
No desenho, Kyouka estava representada com cabelos e olhos escuros, em uma pose sedutora e provocante, algo que Renier havia rabiscado distraidamente enquanto seus pensamentos vagavam durante a aula.
Renier soltou uma risada divertida, com um ar de desafio. — Heh, vou arriscar. Adoro ver aquele rosto sério dela se transformando em algo diferente — disse, com seu olhar vagando até a porta da sala. — Falando nisso, você viu a Kyouka?
Lilly estalou os dedos, lembrando-se do motivo pelo qual o havia chamado.
— Sua namorada está te esperando no terraço. Pelo jeito que ela falou, parece ser algo sério, já que te pediu para ir imediatamente assim que ouviu o chamado — disse ela, com um tom mais sério.
Renier olhou pela janela, percebendo que o dia estava se despedindo. O sol começava a se pôr, tingindo o céu com tons de vermelho vibrante, enquanto as nuvens escuras se espalharam, criando uma cena de fim de tarde encantadora.
— Por que ela me chamaria tão tarde? Mas, se a patroa chamar, não posso recusar. Vou lá. — Renier respondeu, brincalhão, acenando para Lilly enquanto se afastava da sala de aula.
Enquanto caminhava pelo corredor, com a mochila pendendo casualmente de um ombro, Satou Lilly virou-se para ele.
— Boa sorte. Conhecendo vocês dois, vai precisar. — Sua voz ecoou pelos corredores vazios, carregada de uma pitada de diversão e preocupação.
Subindo as escadas em direção ao terraço, Renier sentiu uma mistura de emoções e melancolia tomar conta de seus pensamentos. A vida, desde a morte de seu avô, havia sido um turbilhão. Ele havia se mudado para uma casa grande e estranha, sentindo que talvez viveria ali sozinho, algo que jamais imaginou para si.
A solidão era um peso difícil de carregar. Ele não estava acostumado a isso. Durante anos, viajou pelo mundo ao lado do avô, sempre em movimento, sem tempo para refletir sobre a própria solidão. Mas então, Rikyu e Kyouka apareceram, trazendo algo novo para sua vida. E Lilly, sua melhor amiga, a única pessoa que ele realmente considerava próxima, sempre esteve ao seu lado. A presença dela o ajudou a se reconectar com a realidade, preenchendo o vazio que persistia em sua vida.
— É raro eu ficar tão sentimental assim. — Renier murmurou, soltando uma risada curta, como se estivesse tentando afastar seus próprios pensamentos.
Ao chegar na porta de ferro do terraço, o clima ao redor estava marcado pela leve brisa do outono. Ele girou a maçaneta, ouvindo um pequeno rangido da porta, notando que as dobradiças estavam precisando de manutenção.
Quando o sol começou a se esconder por trás do horizonte, tingindo o céu de um tom avermelhado, Renier entrou no terraço e avistou Kyoka. Ela estava sentada sozinha em um banco de concreto, observando-o com uma expressão tranquila, mas distante.
Seus cabelos escuros flutuavam suavemente ao vento, e seus olhos violeta brilhavam com intensidade. O uniforme escolar, impecável como sempre, completava a imagem de alguém que parecia estar sempre sob controle.
— Seu querido namorado atendeu ao seu chamado, Rosa Negra. — Renier disse com o sorriso característico, tentando aliviar a tensão no ar.
Ela suspirou, um pequeno sorriso surgindo nos cantos de seus lábios.
— Você só me chama de "Rosa Negra" quando sabe que fez algo errado... — murmurou, visivelmente incomodada com o apelido. — Mas, pelo menos, você veio. Normalmente, quando as coisas ficam sérias, você tende a fugir. — Ela se levantou lentamente do banco.
Renier deu um passo à frente, com a expressão divertida de sempre.
— Eu só evito brigas desnecessárias. Não me julgue por isso. — Ele deu de ombros. — Mas, já que isso parecia realmente sério, decidi ser um pouco corajoso e encarar minha namorada. — Ele sorriu de forma provocativa.
Kyouka soltou um suspiro involuntário, desviando o olhar de forma quase imperceptível. Havia algo nela, uma leve frustração que ela tentava esconder, mas que Renier conseguia perceber.
— Ser corajoso às vezes pode custar a sua vida. — Ela murmurou, a voz baixa, carregada de um tom sério que Renier não soubera decifrar completamente.
— Como assim? — Ele franziu a testa, ainda sem entender o contexto da frase.
— Não é nada. — Ela respondeu rapidamente, olhando-o nos olhos, mas agora com um brilho frio no olhar. — Na verdade, tem algo importante que eu preciso discutir com você. — A voz dela se manteve calma, mas uma leve tensão pairava no ar, tornando o momento ainda mais carregado de significados não ditos.
O ambiente ao redor parecia ter mudado desde que Renier chegou ao terraço. Ele sentia a tensão no ar, algo que o deixava preocupado. O silêncio que se seguiu era pesado, e ele não pôde deixar de temer que algo estivesse para acontecer, algo que ele não queria enfrentar.
— Então, o que é isso de tão importante? — perguntou Renier, sua preocupação começando a transparecer.
Aquela possibilidade que o aterrorizava — que Kyouka quisesse terminar com ele — pairava na sua mente. A ideia de perder alguém tão importante o abalava mais do que ele estava disposto a admitir.
Depois de alguns segundos de silêncio, Kyouka finalmente falou, sua voz ainda suave, mas com um toque de seriedade.
— Quanto tempo faz que estamos namorando? — Ela o olhou com uma curiosidade quase calculada.
A pergunta pegou Renier de surpresa. Ele conhecia a resposta de cor, claro, com sua memória fotográfica. Mas, mesmo assim, a pergunta parecia mais do que simples curiosidade. Ele sentiu uma leve apreensão enquanto respondia.
— Seis meses. — Ele fez uma pausa, seu olhar focado em Kyouka. — Se você quer detalhes, nos conhecemos quando eu voltava do mercado numa noite chuvosa. Você estava sentada sob o balanço, a chuva caindo sobre você... Eu nunca vou esquecer aquele momento. — Ele falou com a certeza que só a memória fotográfica poderia proporcionar.
— Você se lembra... Já faz tanto tempo... — ela começou, sua voz suave, mas carregada de algo indefinido. — Sei que pode parecer um pedido estranho, mas... você se importaria de me abraçar? Eu só... gostaria de sentir seu calor… — disse Kyouka, com um sorriso que, embora doce, parecia esconder algo mais profundo.
Apesar do sorriso, Renier não pôde deixar de sentir que havia algo de errado. Talvez ela estivesse apenas precisando de consolo, algo que ele poderia oferecer. Com um suspiro silencioso, ele a envolveu em um abraço, buscando o conforto que ela parecia precisar naquele momento.
— Sempre que quiser, Kyouka... não precisa pedir. Você pode me abraçar a qualquer momento, — sussurrou ele, sentindo o calor do corpo dela contra o seu.
Mas, antes que ele pudesse se afastar, um murmúrio abafado escapou de seus lábios. — Desculpe... Vai ser a última vez... — A voz dela estava estranha, como se carregasse uma relutância sombria, uma hesitação que Renier não conseguiu entender.
Antes que ele pudesse perguntar o que ela queria dizer com isso, a dor veio como um golpe inesperado. Uma dor aguda, feroz, atravessando seu peito com uma intensidade que o fez engasgar. Ele mal teve tempo de reagir antes de perceber o sangue quente escorrendo de sua boca, uma sensação de rasgo e perfuração cruelmente real.
A expressão de Renier se transformou em confusão e pânico. Ele deu um passo para trás, tentando entender o que estava acontecendo, mas o que viu congelou seu coração em um grito silencioso: a mão esquerda de Kyouka estava cravada em seu peito, os dedos como lâminas afiadas, atravessando seu coração.
A dor pulsava em sua carne, e o sangue jorrava pelas suas costas, sua força desaparecendo como se o chão tivesse se aberto sob seus pés. Renier tentou falar, mas a única resposta que saiu de sua boca foi um gemido fraco, sufocado pelo sangue que ainda se acumulava em sua garganta. Seus olhos estavam arregalados, cheios de choque e incredulidade.
"Por que ela está fazendo isso? Por que está acontecendo isso?" Ele tentou processar, mas a confusão tomou conta de seus pensamentos. Ele não conseguia entender o porquê ela a pessoa que ele amava, a mulher que ele acreditava conhecer, estava fazendo isso.
Os olhos roxos de Kyouka estavam fixos nele, mas agora brilhavam com uma intensidade sobrenatural, desprovidos de qualquer compaixão. Ela parecia distante, sua expressão fria, mas com uma sombra de tristeza, como se o que fazia fosse um mal necessário.
— Você é o culpado por ter acabado assim… Desculpe... — disse ela, a voz distante, sem emoção. — Não se preocupe, a dor vai passar em breve... — Ela suspirou levemente, os lábios curvados em um sorriso que não chegava aos olhos.
Os passos de Kyouka ecoaram enquanto ela se afastava, a porta do terraço se fechando com um som seco, deixando Renier ali, sozinho, no silêncio absoluto da noite. O vazio que se formava dentro dele era insensível, a dor física era intensa, mas o que realmente o dilacerava era a traição, a quebra de confiança que o arrastava para uma realidade que ele não queria enfrentar.
O desespero tomou conta dele. As lágrimas começaram a cair, se misturando com o sangue que se espalhava pelo chão. Ele tentou entender, tentou lutar contra a escuridão que se aproximava, mas era inútil. "Será que isso é realmente o fim? Meu corpo está tão frio... é assim que a morte é?" Pensou, sentindo suas forças escorrerem pelas suas mãos, seus olhos se fechando lentamente.
A escuridão o envolveu como um abraço gelado. O sangue continuava a se espalhar pelo chão, cada respiração mais fraca do que a anterior. E então, finalmente, a morte o alcançou, arrastando-o para além da vida, para um lugar onde ele nunca imaginou chegar.
Continua…