Renier ficou um momento processando a situação em que se encontrava com essa mulher. Yggdrasil.
— Minha mãe… — murmurou ele confuso. — Rikyu, um Espírito Guardião da minha antiga casa, havia mencionado que uma mulher de cabelos brancos acidentados havia tido um bebê naquela casa…
Renier explicou isso como se quisesse alguma explicação, ou uma veracidade no que Yggdrasil estava contando.
— Oh… Rikyu, — disse Yggdrasil com um leve sorriso. — De fato a mulher que estava grávida naquela casa não era eu… pelo menos era eu fisicamente.
— Uh? — Renier havia ficado mais confuso ainda, com a complexidade dessa situação. — Como assim não era você fisicamente?
— Você, Renier é um híbrido… — disse Yggdrasil de forma calma. — Nunca foi de fato um humano, pelo menos não completamente.
Renier ficou parado por um momento, processando a situação. A mulher diante dele, Yggdrasil.
— Minha mãe… — murmurou, a confusão tomando conta de suas palavras. — Rikyu, um Espírito Guardião da minha antiga casa, mencionou que uma mulher de cabelos brancos desordenados havia tido um bebê naquela casa…
Ele falou como se aguardasse uma explicação, ou talvez uma confirmação daquilo que Yggdrasil estava prestes a revelar.
— Ah, Rikyu… — respondeu Yggdrasil com um leve sorriso, como se fosse uma lembrança distante. — De fato, a mulher grávida naquela casa não era eu… ou, pelo menos, não era eu como você conhece.
— O quê? — Renier estava ainda mais perdido, o mistério só se aprofundando. — Como assim não era você, fisicamente?
Yggdrasil o olhou com serenidade, a voz suave, como se estivesse compartilhando algo profundamente antigo e íntimo.
— Renier, você é um híbrido… — disse ela, sua voz calma e imponente. — Nunca foi totalmente humano. Pelo menos, não de forma completa.
— O quê? Então, você está dizendo que sou um híbrido de você com um humano? — Renier perguntou, tentando entender o raciocínio de Yggdrasil.
Yggdrasil soltou uma risada suave, divertida. — Na verdade… — Ela levantou os dedos de uma das mãos, como se fosse compartilhar uma revelação importante. — Você é um híbrido com três mães e dois pais biológicos — afirmou, com uma naturalidade desconcertante.
— O que!? — exclamou Renier, seus olhos azuis brilhando com a surpresa e as emoções à flor da pele. — Como é possível? Como isso aconteceu?
Yggdrasil levou a mão à bochecha, fazendo um gesto que indicava leve constrangimento, antes de sorrir com um toque de brincadeira. — Ora, meu filho… Quando duas pessoas se amam, isso simplesmente acontece…
— Não é isso que eu quero saber! — Renier a interrompeu, já visivelmente irritado com o ritmo em que Yggdrasil estava conduzindo a conversa.
— Eu sei… hehe, só quis brincar um pouco — disse ela, com um sorriso travesso. — Afinal, você está tão tenso desde que chegou aqui, que pensei em aliviar o clima.
— Oh… Certo… — murmurou Renier, suspirando enquanto respirava fundo. Ele percebeu que, de fato, estava mais estressado do que imaginava, desde que pisou naquele lugar.
— Bem, há um método que foi utilizado para o seu nascimento, — disse Yggdrasil, voltando ao assunto com um olhar atento. — Um Receptáculo. Você sabe o que isso significa?
Renier ergueu o rosto, como se uma peça final de um quebra-cabeça tivesse se encaixado em sua mente. — Sim… é como unir a essência de um ser, usando um corpo como um recipiente, — afirmou ele, tentando compreender o que ela insinuava.
Yggdrasil sorriu e estalou os dedos, orgulhosa da rapidez de Renier em entender. — Exatamente! E o interessante é que essa junção é extremamente rara… No entanto, eu sabia que precisava me preocupar com essa possibilidade. Então, — Yggdrasil deu uma pausa, deixando Renier absorver a informação. — Foi necessário usar o corpo de uma mulher do seu mundo como recipiente para mais de duas essências. Assim, você pôde nascer com o poder de três ou até quatro linhagens distintas, formando um híbrido sem igual.
A explicação o impressionou, mas também trouxe uma estranheza. Renier compreendeu o processo que resultou em seu nascimento, embora fosse surreal pensar no quanto de esforço e mistério envolvia sua origem.
— Eu sei que tenho sangue demoníaco misturado ao do clã da minha família, — afirmou Renier, sua expressão séria e um tanto preocupada ao lembrar da linhagem dos Kanemoto. — Mas, afinal… o que exatamente eu sou?
— É verdade, o sangue demoníaco corre em você… — assentiu Yggdrasil, com um sorriso suave. — Mas você é muito mais do que isso. Talvez em algum momento tenha sentido como se fosse uma aberração… mas, Renier, você é mais que qualquer definição simples. Você é perfeito. Um ser único em toda a existência, até mesmo maior que eu… E isso não é algo para temer, mas para se orgulhar, meu filho.
— Maior que a própria… criação? — Renier ponderou, sentindo o peso da imagem que sua mãe projetava dele. Era difícil discernir se isso era uma bênção ou um fardo.
Ele suspirou, deixando momentaneamente essas questões de lado, e voltou seu olhar para Yggdrasil. — Então… um híbrido, — ele murmurou, processando as informações. — Duas mães, o sangue demoníaco… e dois pais distintos. — Ele hesitou, intrigado. — Seis essências em uma só, e ainda por cima, você… a própria Mãe da Criação. O que… exatamente existe dentro de mim? — perguntou, encarando-a com um olhar que buscava, acima de tudo, entender seu propósito.
Ao redor deles, o próprio espaço cósmico parecia responder, como se o oceano estrelado fosse um reflexo das tensões e dos sentimentos que permeavam aquele momento. Ondulações se formavam na superfície ao redor de seus pés, e as galáxias acima oscilavam, suas cores mudando como se a própria existência se manifestasse naquela conversa. Ambos, Renier e Yggdrasil, percebiam a importância desse diálogo.
Yggdrasil fechou os olhos por um breve instante, abrindo-os com um sorriso suave e maternal. — Você é único, Renier. O Guardião Negro. Um ser com uma alma humana, mas que carrega a vontade de forças que vão além da compreensão. — Ela fez uma pausa, como se medisse o peso de cada palavra. — Dentro de você, há a essência da vida que sou eu, Yggdrasil, a raiz de toda a existência. Há um Dragão Cósmico adormecido, há muito esquecido, que foi seu pai. Uma Valquíria Divina e um Espírito Primordial como mães. E o sangue humano que pulsa em você também carrega a intensidade maliciosa e sedutora dos que caminham na perdição… um demônio. Esse é o ser que você é, Renier Kanemoto.
A revelação ecoou dentro dele, como se ela tivesse acabado de descrever algo maior que o próprio divino. Renier não era apenas um Guardião; ele era a manifestação de algo primordial e incomparável, uma entidade com raízes em tudo e em nada, mas feita para guardar o infinito.
"Um demônio, um dragão, uma deusa Valquíria, um Espírito Primordial… e literalmente filho do ser que representa a própria existência," Renier refletiu, enquanto uma incredulidade avassaladora se instalava em sua mente. Tudo soava tão surreal que tocava o limite da insanidade. Ele não conseguia encontrar palavras que definissem o que ele era.
— Mas… por quê? — Ele perguntou, fitando Yggdrasil. — Qual o propósito do Guardião Negro? Por que criar algo como eu? Qual é o meu propósito, Yggdrasil? — Seus olhos brilharam, intensos, com um sentimento indecifrável que tomava conta de seu ser.
Um vazio pareceu abrir-se dentro de Renier, um abismo profundo que ecoava naquele vasto espaço estrelado, com o próprio cosmos ao redor reagindo ao seu estado de espírito, como um espelho de seu turbilhão interno.
Yggdrasil desviou o olhar por um momento, como se sentisse uma rara vulnerabilidade. Era estranho para um ser como ela, mas sua expressão se entristeceu ao fitar a Árvore Cósmica ao longe.
— Você tem um propósito, sim… — murmurou, o tom tingido de uma melancolia pesada. — Mas eu… me arrependo de ter colocado isso sobre você. — Sua voz era suave, mas carregava um peso que parecia ecoar por toda a criação. — Sou a fonte de toda a vida, a própria existência sustentada por essa vastidão de raízes… a Yggdrasil. — O olhar dela se fixou nos pontos negros que manchavam a Árvore Cósmica, algo que Renier observava agora com mais clareza.
— Esses pontos… são? — indagou ele, franzindo o cenho.
Yggdrasil assentiu, os olhos tristes. — O Vazio. Ele vive na fronteira do que é e do que não é, devorando tudo que encontra em seu caminho com uma fome sem fim. Embora Yggdrasil se mantenha de pé, o Vazio tenta corroer suas extremidades… — Renier percebeu algo diferente na voz de sua mãe, uma leve hesitação.
— Você teme ser consumida? — perguntou ele, a preocupação crescendo. — Esses pontos escuros representam mundos que já foram devorados, não é? Se Yggdrasil sucumbir… isso significa que toda a existência também desaparecerá?
Yggdrasil riu suavemente, com um toque de orgulho materno. — Perspicaz, não é? Me pergunto se isso vem de você ou da sabedoria ancestral dos dragões e da Árvore da Vida. — Ela o encarou com ternura. — Não temo a morte, porque sequer sei o que é isso… Mas temo ver tudo o que criei, tudo que amo… simplesmente desaparecer.
Renier assimilava essas palavras, e uma centelha de compreensão cruzou seus olhos. Ela é uma mãe… pensou. Para Yggdrasil, toda a criação era como sua prole, e o vazio ameaçando esse legado era sua angústia maior.
— Eu entendo, — disse ele, suavemente. — Esse sentimento… sempre senti algo assim também. A solidão e o medo de ver tudo ruir.
Yggdrasil olhou para ele com tristeza. — Sinto muito por não ter estado ao seu lado… — sussurrou, recordando-se de sua vida solitária. — Sua morte foi… solitária, e isso é algo que eu não consigo perdoar em mim mesma.
— Não há culpa nisso, — Renier respondeu, sério. — Eu não me arrependo de como vivi… nem mesmo da minha morte.
Ele então voltou o olhar determinado para a Árvore Cósmica e, cerrando os punhos, encarou sua mãe com convicção.
— Sou o Guardião Negro, não sou? Mãe, eu quero ajudar. Se o Vazio ameaça a criação, quero lutar contra ele. Me diga o que preciso fazer.
Um sorriso surgiu no rosto de Yggdrasil, embora seus olhos ainda carregassem um traço de tristeza. — Você sempre foi especial, sabia que não recusaria… — murmurou, o tom quase aflito. — Mas, Renier, o propósito de seu nascimento foi para que você fosse… um receptáculo.
Renier absorveu as palavras. — Um receptáculo… para você?
Ela assentiu. — Exato. O Vazio não pode atravessar diretamente, mas envia criaturas conhecidas como Sombras, que corrompem tudo o que tocam. Destruindo os mundos, eles enfraquecem minhas raízes e, se isso acontecer, o Vazio encontrará um caminho para consumir tudo.
Ele ponderou por um momento, os dedos descansando sob o queixo. — Então, você precisaria de um receptáculo que pudesse suportar o impacto da sua existência… um ser resistente o suficiente para impedir que o Vazio o corrompa, alguém que possa reforçar as raízes da criação.
— Justamente, — disse Yggdrasil, seu olhar se intensificando. — Você é a chave… ou, mais precisamente, o cadeado. Criar um ser que reúna qualidades e forças de seres que transcendem o mortal e o divino foi o único meio de resistir ao Vazio. Com você, as raízes estarão ligadas a algo que o Vazio não pode destruir tão facilmente.
Renier respirou fundo, tomando sua decisão enquanto segurava a mão de Yggdrasil com firmeza. — Eu aceito. Se for para proteger você e tudo que existe, aceito ser seu receptáculo e lutar pela sobrevivência de toda a existência como Guardião Negro. Afinal, você é minha mãe.
— Você realmente é... único, — respondeu Yggdrasil, esboçando um sorriso orgulhoso. — Será uma jornada sem igual, Renier…
— Eu sei… — afirmou ele, com um brilho confiante nos olhos.
Ela o olhou com um olhar cheio de expectativa. — Assumir meu papel como Yggdrasil trará um peso imenso e responsabilidades ainda maiores. Está preparado para isso?
Renier sorriu, com aquele charme natural. — Não tenho certeza, mas a ideia de cruzar mundos e lutar me empolga. Estou disposto a carregar o seu fardo e ser o pilar para sustentar tudo. Afinal, sou seu filho!
Yggdrasil riu suavemente, sabendo o quão complexa seria essa tarefa. Ela o observou, calorosa e hesitante, como se fosse uma despedida. — Posso... posso te abraçar? — perguntou ela, estendendo os braços, receosa de ser rejeitada.
Por um instante, uma lembrança dolorosa percorreu a mente de Renier "Kyouka…", recordou, sentindo a sombra de um passado marcado por perda e sofrimento. Mas afastou esse pensamento, e então olhou para Yggdrasil com ternura. — Claro, por que não?
Ele a envolveu nos braços, encostando a cabeça no peito dela. Yggdrasil, surpresa, retribuiu o abraço com força, como se absorvesse todo o calor daquele momento, querendo eternizá-lo. O silêncio entre eles era tão profundo que ela não ousava quebrá-lo.
— Que sua jornada… seja repleta de descobertas. Faça laços, cultive amigos… ame os vivos e tenha compaixão pelos que se foram, — disse Yggdrasil com os olhos fechados, como uma mãe que prepara o filho para o mundo. — Lute com coragem, seja firme… e nunca ceda ao que tenta corromper a existência. Seja gentil quando necessário, mas cruel e implacável contra aqueles que trazem desequilíbrio. Acima de tudo, seja você, Renier Kanemoto.
Renier sorriu, fechando os olhos enquanto sentia o calor daquele abraço, algo que, em toda a sua existência, ele mal sabia que precisava tanto. Ele absorveu cada palavra de Yggdrasil, seu coração se aquecendo à medida que uma luz azul e etérea preenchia o espaço ao redor, banhando tudo em um brilho acolhedor que ele parecia absorver, integrando-o em sua própria essência.
Sabia que talvez esse fosse o último momento que partilhariam, mas estava em paz por poder vivê-lo. E, com isso, encarava o futuro com ansiedade e determinação, pronto para tudo que o aguardava em sua jornada como Guardião Negro.
Continua…