Renier parou diante da porta de casa, as sacolas de compras pendendo em suas mãos, mas com as roupas completamente encharcadas. A chuva parecia ter penetrado cada camada de tecido, e ele ainda sentia o eco daquela noite na praça, da conversa com Kyouka, do estranho calor que aquela garota misteriosa havia deixado em seu peito.
Antes que pudesse dar um passo, foi recebido por um olhar severo e penetrante. Rikyu estava ali, de braços cruzados, o encarando com uma expressão quase maternal — o que, de alguma forma, o deixava mais constrangido do que qualquer bronca.
— E então, por que a demora? — ela perguntou, com uma calma afiada, como quem já conhecia a resposta mas queria ouvir da boca dele. — Já passou da meia-noite, Renier.
Ele tentou disfarçar, com um sorriso travesso. — Meia-noite não é tão tarde assim, vai…
Mas ela apenas revirou os olhos, soltando um suspiro resignado, como quem já tivesse cuidado de imprudentes por eras. — Você vai acabar doente se continuar assim. Todo molhado e encharcado. — Rikyu se aproximou e tirou as sacolas das mãos dele com um gesto delicado e firme, que fez os dedos de Renier se relaxarem imediatamente. Para sua surpresa, as sacolas desapareceram como num truque de mágica.
Ele arqueou uma sobrancelha. — O que você acabou de fazer?
Rikyu sorriu, com uma expressão travessa que ele conhecia bem. — Tenho controle sobre tudo nesta casa. Posso mover qualquer coisa, reorganizar os cômodos, arrumar o que for preciso, tudo ao meu gosto. — Ela lhe deu um leve empurrão, apontando na direção do banheiro. — Agora, vá tirar essas roupas e tome um banho quente antes que esfrie ainda mais.
Renier hesitou por um momento, mas acabou cedendo ao cuidado de Rikyu. A sensação de ser esperado, de voltar para um lar onde alguém se importava, era algo raro para ele, e ele sentia uma gratidão silenciosa enquanto a água quente escorria e afastava o frio daquela noite…
O amanhecer chegou, e Renier estava à porta de casa, tentando abafar um bocejo enquanto ajustava a mochila no ombro. Vestia o uniforme escolar, paletó preto com gravata branca e, com o cabelo ainda um pouco bagunçado, parecia que o cansaço da noite anterior ainda se agarrava a ele, mas o conjunto lhe dava um certo charme despretensioso.
Rikyu esperava ao lado da porta, segurando o que parecia ser um pequeno lanche embrulhado. Com um sorriso orgulhoso, ela colocou o pacote na mochila dele, junto de um guarda-chuva.
— Fiz um lanche para você. E achei melhor separar o guarda-chuva, para o caso de a chuva resolver voltar.
Renier soltou um riso leve. — Pode ficar tranquila. Olhei a previsão do tempo na Internet, e vai estar com o céu limpo o dia todo.
Rikyu fez uma expressão cética, franzindo o nariz de forma adorável. — Ora, eu não confio nessa tal de "Internet". Toda vez que tento mexer nesse computador, ele me pergunta se eu sou um robô! E depois disso, não me deixa fazer nada! Não sou humana, mas sou menos que um robô agora?
Renier não pôde deixar de rir da indignação dela, imaginando-a enfrentando a frustração de um Espírito. — Depois que eu voltar da escola, prometo que te ensino como usar.
Rikyu assentiu com um sorriso satisfeito, ajeitando a mochila dele mais uma vez, como se ele fosse uma criança que precisava de cada detalhe no lugar. — Vou esperar. E trate de aproveitar o primeiro dia, fazer amigos… e ter um ótimo dia.
Renier acenou com a cabeça, sentindo um calor familiar que ele não sentia há muito tempo. Enquanto se afastava, olhou para trás e a viu parada na porta, o acompanhando com o olhar. Era uma sensação nova para ele, a de ter alguém esperando por ele, cuidando dos detalhes e se despedindo, como ele fazia antes com seu avô. Era algo que aquecia seu coração, mesmo que ainda fosse um sentimento ao qual ele ainda não estava totalmente acostumado.
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Renier chegou na escola e, como esperado, o dia parecia ser como qualquer outro. Ele estava na frente da classe, sentindo-se um pouco deslocado, enquanto a professora, uma mulher de cabelos loiros longos e bem cuidados, amarrados por um laço borboleta, ajustava seus óculos. Com um sorriso cordial, ela fez Renier se aproximar ainda mais da frente da sala, o que o fez sentir-se levemente desconfortável.
Enquanto ele observava os sussurros que surgiam ao seu redor, percebeu que sua presença tinha um efeito marcante sobre as pessoas. Sua aparência atraiu olhares curiosos e, de forma perceptível, a professora ficou com um leve rubor no rosto enquanto o observava.
Renier suspirou mentalmente. Ele sabia que isso sempre acontecia quando estava perto das pessoas. Havia algo em sua aparência que chamava atenção, mas ele não entendia exatamente o porquê.
A professora então o cumprimentou com um sorriso e, com um gesto gentil, o apresentou à turma. — Este é Renier Kanemoto, pessoal. Caso queira, pode se apresentar e dizer um pouco sobre si mesmo.
Renier olhou rapidamente para a turma e seus olhos pousaram em uma figura familiar: Kyouka. Ela estava sentada no fundo da sala, observando-o com um olhar sério, mas, para sua surpresa, um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, seguido de uma piscadela casual.
Isso fez Renier se sentir levemente corado, reconhecendo que ela ainda sabia mexer com ele. Contudo, ele retribuiu o gesto com um sorriso discreto.
Entre os outros alunos, a maioria parecia bastante padrão, com uniformes alinhados e olhares curiosos. No entanto, uma garota chamou mais atenção de Renier. Ela tinha longos cabelos loiros, amarrados de lado, lembrando o estilo de uma gyaru japonesa. Seus olhos azuis brilhavam, e Renier usou seus Olhos das Revelações, sentindo uma aura irradiando dela, muito diferente de Kyouka. Essa garota parecia ser cheia de energia, e, de fato, estava observando-o com atenção.
Por fim, Renier decidiu se apresentar. — Não estou muito acostumado com a escola... Passei a maior parte do tempo viajando pelo mundo com meu avô. Então, caso eu acabe sendo um pouco diferente do que vocês estão acostumados, peço paciência. Espero poder fazer amigos aqui.
Os sussurros das garotas foram inevitáveis, suas vozes e olhares denunciando a admiração pelo novo aluno. Já os garotos, embora percebessem sua presença, se dedicaram a lançar algumas ofensas, murmurando coisas como: "Ele se acha demais" ou "Vai se achar o quê?".
Renier, no entanto, não se deixou abalar. Em vez disso, um sorriso orgulhoso se formou em seus lábios. A confiança e o orgulho que ele sentia por sua aparência só aumentavam com esses comentários.
A professora, notando a dispersão entre os alunos, bateu as palmas com firmeza para chamar atenção. — Renier, há alguns lugares vazios. Você pode se sentir à vontade para escolher o que achar mais confortável.
Renier acenou em agradecimento, e ao olhar a sala mais uma vez, notou que o lugar ao lado de Kyouka estava vazio, o que chamou sua atenção. Curioso, ele percebeu que ela se sentava perto da janela, mas o assento ao lado dela parecia estar constantemente vazio. Talvez, pensou ele, Kyouka fosse uma garota com quem os outros evitavam se relacionar.
Sem se deixar influenciar, Renier seguiu para o lugar ao lado dela. Isso causou um pequeno alvoroço entre os alunos. Murmúrios rápidos e especulações surgiram: "Será que ele vai morrer?" e "Será que ela vai matar ele?", disseram alguns.
Renier riu baixo com os sussurros. Quando se sentou ao lado de Kyouka, ela já o observava de canto de olho. Com uma voz baixa, ele se virou para ela e disse, de forma provocativa:
— A Rosa Negra realmente tem espinhos bem afiados, não é?
Kyouka soltou uma risada sincera, algo raro, e respondeu com uma voz tranquila, mas com um toque de desafio.
— Se você quiser, posso te mostrar o quão afiada ela pode ser.
A risada dos dois não passou despercebida. A professora ficou surpresa, e os outros alunos murmuraram entre si. Kyouka, que raramente falava com alguém, muito menos sorria daquela forma, parecia ter mudado de atitude. Todos se perguntaram o que Renier tinha de especial para fazer Kyouka agir assim.
Continua…