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Chapter 2 - Capítulo 1: O Clã Kanemoto.

Capítulo 1: O Clã Kanemoto.

No dia 7 de outubro, um mês que para muitos passaria despercebido. Mas não para Renier Kanemoto, que se encontrava dentro de um crematório. Ele acabara de completar 16 anos no mês anterior, mas aquele não era um momento de celebração.

Seus cabelos escuros e os olhos azuis, incomuns e marcantes, contrastavam com a melancolia em sua expressão. Renier não era um jovem comum; possuía uma memória fotográfica que lhe permitia reviver cada detalhe de sua vida com clareza. Porém, agora, o que ocupava sua mente era a imagem do avô, cuja foto repousava em suas mãos. Um homem gentil que o havia criado desde o nascimento.

— Seu avô costumava viajar o mundo com você, não é? Renier, você vai ficar bem sozinho? — perguntou uma senhora, amiga de longa data de seu avô, vestida com um quimono tradicional cinza. Seus cabelos escuros, entremeados com fios brancos, estavam presos com elegância.

Desde criança, Renier aprendera com seu avô a amar as viagens e a exploração. Contudo, um mistério sempre o acompanhou: seu avô nunca mencionou nada sobre seus pais. Respeitador como sempre fora, Renier jamais questionou a decisão do avô de manter essa informação oculta.

Após alguns instantes de silêncio, ainda contemplando o porta-retratos, Renier olhou para a senhora, esboçando um sorriso sincero.

— Tudo bem. O vovô gostaria que eu fosse forte diante da sua morte, não triste. Vou honrar aquele velho, hehe...

— Você é muito maduro para sua idade. — Ela comentou, com um sorriso afetuoso, entregando-lhe um par de chaves. — Esta é a chave de uma antiga casa do seu avô, preservada desde a Era Edo, ou talvez até mais antiga. Seria um bom lugar para você ficar, já que é o único descendente vivo dele.

Desde pequeno, Renier sempre foi mais maduro que as outras crianças, algo que chamava a atenção de todos. Agora, com as chaves em mãos, ele sentiu o toque gentil da senhora em sua cabeça. Seu sorriso caloroso oferecia o consolo de que ele tanto precisava naquele momento difícil.

Ao sair da sala de cremação, o silêncio que se seguiu parecia estranho e pesado. Renier observou as chaves em suas mãos.

— Talvez voltar a um lugar familiar seja uma boa ideia — refletiu.

Agora que seu avô se fora, a casa herdada parecia um bom destino. Afinal, viajar sozinho não carregava mais o mesmo significado. Decidido, Renier aceitou que aquele seria seu próximo lar, um legado deixado por seu avô, que agora lhe pertencia.

✦—✵☽✧☾✵—✦

Após a primeira semana em sua nova casa, Renier se viu diante de uma construção imponente, típica das antigas residências japonesas. Cada passo que dava ao caminhar pelos amplos corredores de madeira polida o fazia sentir a grandiosidade do lugar, que parecia projetado para abrigar uma família inteira, em uma época que agora parecia distante.

Enquanto explorava os espaçosos cômodos, os detalhes tradicionais da decoração chamavam sua atenção. O tatame, macio sob seus pés, e as portas deslizantes criavam uma atmosfera acolhedora, mas ao mesmo tempo majestosa, com os elementos arquitetônicos meticulosamente preservados, como se fossem testemunhas silenciosas de décadas passadas.

— Parece que o vovô realmente tinha um gosto refinado para casas grandes — murmurou Renier, um sorriso leve nos lábios, enquanto percorria salas vazias e quartos enormes. Por um momento, uma sensação de solidão pairou no ar. A casa, apesar de deslumbrante, parecia um vasto labirinto de possibilidades, seus corredores sem fim e espaços amplos sugerindo tanto a herança de uma família grande quanto o vazio da ausência de sua presença.

— Morar sozinho em um lugar assim... talvez eu devesse convidar alguns fantasmas para me fazerem companhia — brincou, com a voz carregada de humor, imaginando se espíritos amigáveis poderiam fazer-lhe companhia nos amplos espaços.

Sua curiosidade o levou a explorar ainda mais, e, por fim, ele se dirigiu ao porão, um local que até então permanecera inexplorado. Ao encarar a porta que dava acesso às profundezas da residência, uma sensação de antecipação se apoderou dele.

— Nunca imaginei que essa casa teria um porão... Acho que é hora de enfrentar minha preguiça — disse, ao se aproximar da porta e tentar girar a maçaneta. Para sua surpresa, o cadeado que a trancava cedeu com uma facilidade quase desconcertante. Sem hesitar, ele aplicou um pouco mais de força, e o metal partiu como manteiga.

— Que cadeado frágil... ou talvez estivesse trancado há tanto tempo que ficou enfraquecido? — murmurou, intrigado, enquanto empurrava a porta, que rangeu ao se abrir.

O porão se revelou empoeirado, com algumas caixas antigas espalhadas pelo chão, mas o que chamou a atenção de Renier foi o canto sombrio onde descansavam duas armas imponentes: uma katana e uma foice com cabo longo e lâmina azul, que parecia brilhar com um tom sombrio e ameaçador. As armas estavam dispostas de forma meticulosa, como se aguardassem alguém para reivindicá-las.

— Uma katana eu até entendo... mas por que o vovô teria uma foice desse tipo aqui? — perguntou-se, com fascínio, enquanto se aproximava das armas, o olhar curioso fixo nelas.

Mas as caixas e baús no fundo do porão guardavam outros mistérios, e, como um explorador ávido, Renier não resistiu à tentação de descobrir o que estavam escondendo.

— Como um bom explorador, não posso resistir. Vamos ver o que temos aqui — disse para si mesmo, antes de se ajoelhar para abrir uma das caixas.

A poeira dançou no ar enquanto ele retirava um caderno antigo, assoprando a sujeira acumulada sobre ele. As páginas estavam manchadas pelo tempo, mas a caligrafia elegante e detalhada chamou sua atenção, revelando um conteúdo que parecia muito mais antigo do que ele imaginava.

— Clã Kanemoto... Então, venho de uma linhagem ancestral do Japão imperial — murmurou Renier, surpreso, enquanto suas mãos folheavam as páginas com crescente interesse.

Graças à sua memória fotográfica, ele reconheceu que a caligrafia não pertencia ao seu avô, mas a um antepassado distante. O que ele descobriu nas páginas era uma história fascinante, sobre os Kanemoto, que desempenhavam um papel importante como guias e protetores de seres sobrenaturais. A família sempre abrigou onis, demônios, yokais e outras criaturas sobrenaturais, oferecendo refúgio em sua casa ancestral, e enfrentando caçadores que viam esses seres como ameaças.

— Guardiões do mundo sobrenatural... parece que a responsabilidade da família vai muito além do que eu imaginava — pensou Renier, enquanto absorvia as revelações do caderno. O olhar de Renier se voltou para as armas diante dele, e ele puxou a katana, retirando-a da bainha. Um brilho suave cintilava na lâmina, e, ao examiná-la mais de perto, notou que o nome de sua família estava gravado na espada. A foice carregava o mesmo símbolo no cabo.

Desde sua infância, seu avô o levara a diversos lugares ao redor do mundo. Talvez já soubesse da verdade, mas nunca lhe dissera o motivo de tais viagens. Agora, o peso da herança de todo o clã estava sobre ele.

— Se ele não me contou, deve ter tido um bom motivo. Mas, se a família tem essa ligação com yokais, sei de alguém que pode me dar respostas... talvez ela ainda esteja naquele lugar — refletiu Renier, determinado.

Ele então pegou outro livro, cujas palavras no título chamaram sua atenção: Olhos das Revelações. Segundo o caderno, esses olhos haviam sido dados ao clã Kanemoto por uma criatura demoníaca primordial: Shuten Douji, a progenitora dos onis.

O relato dizia que, após um poderoso demônio atravessar o "Portão do Outro Lado" e cair na Terra como um cometa, caçadores tentaram subjugar a criatura. Enfraquecida, ela foi protegida pela família Kanemoto, em vez de ser destruída, e permaneceu na residência, tocada pela bondade que nunca conhecera. Em um ato de extrema dor, Shuten arrancou seus próprios olhos azuis e os deu a um membro da família, aquele por quem ela havia se afeiçoado.

Renier sorriu, desconcertado.

— Meio insano... e talvez um pouco bizarro ter presenciado isso. Espero que meu tataravô não tenha ficado traumatizado... — murmurou, divertindo-se com a ideia antes de voltar sua atenção ao livro.

Após essa troca brutal de olhos, esses mesmos olhos azuis passaram de geração em geração, escolhendo um representante a cada ciclo para herdar as Revelações. Renier, com seus próprios olhos azuis, agora questionava sua origem. Seu avô, que possuía olhos escuros, nunca havia falado sobre essa linhagem. Seriam esses olhos herdados da linhagem inglesa ou seriam, de fato, os olhos de um oni?

A cada página que virava, sua curiosidade aumentava. Segundo os registros, quando uma criança Kanemoto nascia, os olhos se ativavam na presença de seres não humanos, revelando verdades ocultas e a verdadeira natureza de tudo ao seu redor.

— Olhos das Revelações... Agora faz sentido, dado o que eles podem fazer — refletiu Renier, ponderando sobre o poder oculto que possuía.

O texto explicava que esses olhos se ativavam na presença de espíritos, e um brilho azul surgia nas íris do portador. Os humanos comuns não conseguiam ver esse brilho, o que permitia aos Kanemoto se tornarem mestres da espionagem, muitos deles tendo se tornado advogados ou juízes, capazes de distinguir a verdade da mentira.

— Bem, pelo menos, se a faculdade não der certo, acho que tenho uma carreira garantida — brincou consigo mesmo, satisfeito com a descoberta.

Ao terminar de ler, Renier se levantou com a katana nas mãos, absorvendo o peso da herança de sua família. Embora houvesse outros papéis que falavam sobre questões bancárias e diários familiares, o que realmente lhe importava agora era o mistério sobre o declínio de sua família. Seu avô, sem dúvida, havia escondido algo importante antes de falecer, e Renier sabia que não descansaria até descobrir a verdade.

— Não vou desistir até saber o que aconteceu com minha família... — prometeu a si mesmo, enquanto deixava o quarto escuro do porão. Sua memória fotográfica era impecável, e ele lembraria de tudo que havia lido. O legado financeiro deixado pelo avô garantiria sua segurança por algum tempo, mas, para Renier, essa era uma preocupação secundária. O que realmente importava eram os Olhos das Revelações.

Ele se dirigiu ao banheiro e, ao se encarar no espelho, seus olhos azuis refletiram de volta.

— Será que esses olhos têm mesmo origem demoníaca? — pensou, com uma leve dúvida, enquanto arqueava a sobrancelha.

De acordo com os registros, os olhos se ativariam na presença de entidades malignas, mas como ele saberia onde encontrá-las?

Com uma expressão séria, Renier focou nos próprios olhos, tentando ativá-los. À medida que o tempo passava, a decepção começava a se instalar, até que o som das gotas de água caindo na pia parecia se tornar mais agudo.

— Que tal criar uma cena clichê de filme de terror? — Renier murmurou, tentando se convencer de que nada além de uma piada estava em jogo, enquanto a água fria caía sobre seu rosto. Ele fechou os olhos, e quando os abriu novamente, o espelho estava embaçado, sua respiração quente distorcendo o ar ao seu redor, criando uma névoa espessa.

De repente, uma onda gelada atravessou o ambiente, como se o ar tivesse se tornado mais denso, mais pesado. Seu rosto parecia aquecer em contraste, e os contornos de sua visão ficaram momentaneamente mais nítidos, como se o mundo à sua volta tivesse se tornado mais... vívido. Ao passar a mão pelo espelho, sentiu algo diferente: seus olhos brilharam, uma luz intensa refletindo de dentro deles, como se um poder sombrio estivesse despertando.

— Isso é sério? Um espírito? — murmurou, a sensação de ser observado tomando conta de seu corpo. A tensão se acumulou, como se o próprio ar estivesse se comprimindo, tornando impossível respirar com facilidade.

E então, no reflexo distorcido da superfície embaçada, ele viu. Um par de mãos pálidas surgindo pela porta do banheiro, suas unhas longas e afiadas, como garras, cortando o ar silenciosamente. A porta se abriu lentamente, rangendo de maneira inquietante, revelando uma figura que parecia materializar-se das sombras.

Era uma garota. Seus longos cabelos negros caíam como uma cortina opaca sobre seu rosto, os olhos sem vida refletindo apenas a escuridão, sem nenhum vestígio de humanidade. Um sorriso vazio, gélido e cruel se formou em seus lábios, enquanto o frio ao seu redor parecia intensificar-se, congelando até mesmo a superfície do espelho, como se estivesse sendo consumido pela sua presença.

Renier podia sentir seu coração acelerando, o ar se tornando mais pesado à medida que ela se aproximava, mas ainda assim, ele não se virou. A voz dela, sussurrante e ao mesmo tempo penetrante, reverberou no banheiro e ecoou dentro de sua mente, como se fosse uma serpente venenosa sibilando nas profundezas de sua consciência.

— Você... é o novo dono desta casa...? — perguntou ela, sua voz marcada por uma indiferença implacável, como se estivesse brincando com ele. O sorriso nos lábios dela era carregado de um prazer maligno, como se desejasse torturá-lo com cada palavra, com cada respiração.

O ar gelado que emanava dela fazia com que os dentes de Renier batessem, mas o medo não o paralisava. Algo na presença daquela figura exalava uma necessidade incontrolável de afastar-se, de fugir. Mas ele estava preso, com os olhos fixos no reflexo, a visão turva pela névoa crescente que, agora, não parecia ser apenas espelho.

Continua…

No dia 7 de outubro, um mês que para muitos passaria despercebido. Mas não para Renier Kanemoto, que se encontrava dentro de um crematório. Ele acabara de completar 16 anos no mês anterior, mas aquele não era um momento de celebração.

Seus cabelos escuros e os olhos azuis, incomuns e marcantes, contrastavam com a melancolia em sua expressão. Renier não era um jovem comum; possuía uma memória fotográfica que lhe permitia reviver cada detalhe de sua vida com clareza. Porém, agora, o que ocupava sua mente era a imagem do avô, cuja foto repousava em suas mãos. Um homem gentil que o havia criado desde o nascimento.

— Seu avô costumava viajar o mundo com você, não é? Renier, você vai ficar bem sozinho? — perguntou uma senhora, amiga de longa data de seu avô, vestida com um quimono tradicional cinza. Seus cabelos escuros, entremeados com fios brancos, estavam presos com elegância.

Desde criança, Renier aprendera com seu avô a amar as viagens e a exploração. Contudo, um mistério sempre o acompanhou: seu avô nunca mencionou nada sobre seus pais. Respeitador como sempre fora, Renier jamais questionou a decisão do avô de manter essa informação oculta.

Após alguns instantes de silêncio, ainda contemplando o porta-retratos, Renier olhou para a senhora, esboçando um sorriso sincero.

— Tudo bem. O vovô gostaria que eu fosse forte diante da sua morte, não triste. Vou honrar aquele velho, hehe...

— Você é muito maduro para sua idade. — Ela comentou, com um sorriso afetuoso, entregando-lhe um par de chaves. — Esta é a chave de uma antiga casa do seu avô, preservada desde a Era Edo, ou talvez até mais antiga. Seria um bom lugar para você ficar, já que é o único descendente vivo dele.

Desde pequeno, Renier sempre foi mais maduro que as outras crianças, algo que chamava a atenção de todos. Agora, com as chaves em mãos, ele sentiu o toque gentil da senhora em sua cabeça. Seu sorriso caloroso oferecia o consolo de que ele tanto precisava naquele momento difícil.

Ao sair da sala de cremação, o silêncio que se seguiu parecia estranho e pesado. Renier observou as chaves em suas mãos.

— Talvez voltar a um lugar familiar seja uma boa ideia — refletiu.

Agora que seu avô se fora, a casa herdada parecia um bom destino. Afinal, viajar sozinho não carregava mais o mesmo significado. Decidido, Renier aceitou que aquele seria seu próximo lar, um legado deixado por seu avô, que agora lhe pertencia.

✦—✵☽✧☾✵—✦

Após a primeira semana em sua nova casa, Renier se viu diante de uma construção imponente, típica das antigas residências japonesas. Cada passo que dava ao caminhar pelos amplos corredores de madeira polida o fazia sentir a grandiosidade do lugar, que parecia projetado para abrigar uma família inteira, em uma época que agora parecia distante.

Enquanto explorava os espaçosos cômodos, os detalhes tradicionais da decoração chamavam sua atenção. O tatame, macio sob seus pés, e as portas deslizantes criavam uma atmosfera acolhedora, mas ao mesmo tempo majestosa, com os elementos arquitetônicos meticulosamente preservados, como se fossem testemunhas silenciosas de décadas passadas.

— Parece que o vovô realmente tinha um gosto refinado para casas grandes — murmurou Renier, um sorriso leve nos lábios, enquanto percorria salas vazias e quartos enormes. Por um momento, uma sensação de solidão pairou no ar. A casa, apesar de deslumbrante, parecia um vasto labirinto de possibilidades, seus corredores sem fim e espaços amplos sugerindo tanto a herança de uma família grande quanto o vazio da ausência de sua presença.

— Morar sozinho em um lugar assim... talvez eu devesse convidar alguns fantasmas para me fazerem companhia — brincou, com a voz carregada de humor, imaginando se espíritos amigáveis poderiam fazer-lhe companhia nos amplos espaços.

Sua curiosidade o levou a explorar ainda mais, e, por fim, ele se dirigiu ao porão, um local que até então permanecera inexplorado. Ao encarar a porta que dava acesso às profundezas da residência, uma sensação de antecipação se apoderou dele.

— Nunca imaginei que essa casa teria um porão... Acho que é hora de enfrentar minha preguiça — disse, ao se aproximar da porta e tentar girar a maçaneta. Para sua surpresa, o cadeado que a trancava cedeu com uma facilidade quase desconcertante. Sem hesitar, ele aplicou um pouco mais de força, e o metal partiu como manteiga.

— Que cadeado frágil... ou talvez estivesse trancado há tanto tempo que ficou enfraquecido? — murmurou, intrigado, enquanto empurrava a porta, que rangeu ao se abrir.

O porão se revelou empoeirado, com algumas caixas antigas espalhadas pelo chão, mas o que chamou a atenção de Renier foi o canto sombrio onde descansavam duas armas imponentes: uma katana e uma foice com cabo longo e lâmina azul, que parecia brilhar com um tom sombrio e ameaçador. As armas estavam dispostas de forma meticulosa, como se aguardassem alguém para reivindicá-las.

— Uma katana eu até entendo... mas por que o vovô teria uma foice desse tipo aqui? — perguntou-se, com fascínio, enquanto se aproximava das armas, o olhar curioso fixo nelas.

Mas as caixas e baús no fundo do porão guardavam outros mistérios, e, como um explorador ávido, Renier não resistiu à tentação de descobrir o que estavam escondendo.

— Como um bom explorador, não posso resistir. Vamos ver o que temos aqui — disse para si mesmo, antes de se ajoelhar para abrir uma das caixas.

A poeira dançou no ar enquanto ele retirava um caderno antigo, assoprando a sujeira acumulada sobre ele. As páginas estavam manchadas pelo tempo, mas a caligrafia elegante e detalhada chamou sua atenção, revelando um conteúdo que parecia muito mais antigo do que ele imaginava.

— Clã Kanemoto... Então, venho de uma linhagem ancestral do Japão imperial — murmurou Renier, surpreso, enquanto suas mãos folheavam as páginas com crescente interesse.

Graças à sua memória fotográfica, ele reconheceu que a caligrafia não pertencia ao seu avô, mas a um antepassado distante. O que ele descobriu nas páginas era uma história fascinante, sobre os Kanemoto, que desempenhavam um papel importante como guias e protetores de seres sobrenaturais. A família sempre abrigou onis, demônios, yokais e outras criaturas sobrenaturais, oferecendo refúgio em sua casa ancestral, e enfrentando caçadores que viam esses seres como ameaças.

— Guardiões do mundo sobrenatural... parece que a responsabilidade da família vai muito além do que eu imaginava — pensou Renier, enquanto absorvia as revelações do caderno. O olhar de Renier se voltou para as armas diante dele, e ele puxou a katana, retirando-a da bainha. Um brilho suave cintilava na lâmina, e, ao examiná-la mais de perto, notou que o nome de sua família estava gravado na espada. A foice carregava o mesmo símbolo no cabo.

Desde sua infância, seu avô o levara a diversos lugares ao redor do mundo. Talvez já soubesse da verdade, mas nunca lhe dissera o motivo de tais viagens. Agora, o peso da herança de todo o clã estava sobre ele.

— Se ele não me contou, deve ter tido um bom motivo. Mas, se a família tem essa ligação com yokais, sei de alguém que pode me dar respostas... talvez ela ainda esteja naquele lugar — refletiu Renier, determinado.

Ele então pegou outro livro, cujas palavras no título chamaram sua atenção: Olhos das Revelações. Segundo o caderno, esses olhos haviam sido dados ao clã Kanemoto por uma criatura demoníaca primordial: Shuten Douji, a progenitora dos onis.

O relato dizia que, após um poderoso demônio atravessar o "Portão do Outro Lado" e cair na Terra como um cometa, caçadores tentaram subjugar a criatura. Enfraquecida, ela foi protegida pela família Kanemoto, em vez de ser destruída, e permaneceu na residência, tocada pela bondade que nunca conhecera. Em um ato de extrema dor, Shuten arrancou seus próprios olhos azuis e os deu a um membro da família, aquele por quem ela havia se afeiçoado.

Renier sorriu, desconcertado.

— Meio insano... e talvez um pouco bizarro ter presenciado isso. Espero que meu tataravô não tenha ficado traumatizado... — murmurou, divertindo-se com a ideia antes de voltar sua atenção ao livro.

Após essa troca brutal de olhos, esses mesmos olhos azuis passaram de geração em geração, escolhendo um representante a cada ciclo para herdar as Revelações. Renier, com seus próprios olhos azuis, agora questionava sua origem. Seu avô, que possuía olhos escuros, nunca havia falado sobre essa linhagem. Seriam esses olhos herdados da linhagem inglesa ou seriam, de fato, os olhos de um oni?

A cada página que virava, sua curiosidade aumentava. Segundo os registros, quando uma criança Kanemoto nascia, os olhos se ativavam na presença de seres não humanos, revelando verdades ocultas e a verdadeira natureza de tudo ao seu redor.

— Olhos das Revelações... Agora faz sentido, dado o que eles podem fazer — refletiu Renier, ponderando sobre o poder oculto que possuía.

O texto explicava que esses olhos se ativavam na presença de espíritos, e um brilho azul surgia nas íris do portador. Os humanos comuns não conseguiam ver esse brilho, o que permitia aos Kanemoto se tornarem mestres da espionagem, muitos deles tendo se tornado advogados ou juízes, capazes de distinguir a verdade da mentira.

— Bem, pelo menos, se a faculdade não der certo, acho que tenho uma carreira garantida — brincou consigo mesmo, satisfeito com a descoberta.

Ao terminar de ler, Renier se levantou com a katana nas mãos, absorvendo o peso da herança de sua família. Embora houvesse outros papéis que falavam sobre questões bancárias e diários familiares, o que realmente lhe importava agora era o mistério sobre o declínio de sua família. Seu avô, sem dúvida, havia escondido algo importante antes de falecer, e Renier sabia que não descansaria até descobrir a verdade.

— Não vou desistir até saber o que aconteceu com minha família... — prometeu a si mesmo, enquanto deixava o quarto escuro do porão. Sua memória fotográfica era impecável, e ele lembraria de tudo que havia lido. O legado financeiro deixado pelo avô garantiria sua segurança por algum tempo, mas, para Renier, essa era uma preocupação secundária. O que realmente importava eram os Olhos das Revelações.

Ele se dirigiu ao banheiro e, ao se encarar no espelho, seus olhos azuis refletiram de volta.

— Será que esses olhos têm mesmo origem demoníaca? — pensou, com uma leve dúvida, enquanto arqueava a sobrancelha.

De acordo com os registros, os olhos se ativariam na presença de entidades malignas, mas como ele saberia onde encontrá-las?

Com uma expressão séria, Renier focou nos próprios olhos, tentando ativá-los. À medida que o tempo passava, a decepção começava a se instalar, até que o som das gotas de água caindo na pia parecia se tornar mais agudo.

— Que tal criar uma cena clichê de filme de terror? — Renier murmurou, tentando se convencer de que nada além de uma piada estava em jogo, enquanto a água fria caía sobre seu rosto. Ele fechou os olhos, e quando os abriu novamente, o espelho estava embaçado, sua respiração quente distorcendo o ar ao seu redor, criando uma névoa espessa.

De repente, uma onda gelada atravessou o ambiente, como se o ar tivesse se tornado mais denso, mais pesado. Seu rosto parecia aquecer em contraste, e os contornos de sua visão ficaram momentaneamente mais nítidos, como se o mundo à sua volta tivesse se tornado mais... vívido. Ao passar a mão pelo espelho, sentiu algo diferente: seus olhos brilharam, uma luz intensa refletindo de dentro deles, como se um poder sombrio estivesse despertando.

— Isso é sério? Um espírito? — murmurou, a sensação de ser observado tomando conta de seu corpo. A tensão se acumulou, como se o próprio ar estivesse se comprimindo, tornando impossível respirar com facilidade.

E então, no reflexo distorcido da superfície embaçada, ele viu. Um par de mãos pálidas surgindo pela porta do banheiro, suas unhas longas e afiadas, como garras, cortando o ar silenciosamente. A porta se abriu lentamente, rangendo de maneira inquietante, revelando uma figura que parecia materializar-se das sombras.

Era uma garota. Seus longos cabelos negros caíam como uma cortina opaca sobre seu rosto, os olhos sem vida refletindo apenas a escuridão, sem nenhum vestígio de humanidade. Um sorriso vazio, gélido e cruel se formou em seus lábios, enquanto o frio ao seu redor parecia intensificar-se, congelando até mesmo a superfície do espelho, como se estivesse sendo consumido pela sua presença.

Renier podia sentir seu coração acelerando, o ar se tornando mais pesado à medida que ela se aproximava, mas ainda assim, ele não se virou. A voz dela, sussurrante e ao mesmo tempo penetrante, reverberou no banheiro e ecoou dentro de sua mente, como se fosse uma serpente venenosa sibilando nas profundezas de sua consciência.

— Você... é o novo dono desta casa...? — perguntou ela, sua voz marcada por uma indiferença implacável, como se estivesse brincando com ele. O sorriso nos lábios dela era carregado de um prazer maligno, como se desejasse torturá-lo com cada palavra, com cada respiração.

O ar gelado que emanava dela fazia com que os dentes de Renier batessem, mas o medo não o paralisava. Algo na presença daquela figura exalava uma necessidade incontrolável de afastar-se, de fugir. Mas ele estava preso, com os olhos fixos no reflexo, a visão turva pela névoa crescente que, agora, não parecia ser apenas espelho.

Continua…