O ar congelante da noite entrava nos ossos de Vilkus enquanto ele era escoltado, ainda amarrado, para uma das celas do castelo. O local era escuro, iluminado apenas por uma única tocha que fazia surgir sombras e movimentos nas paredes. O cheiro de poeira e mofo pairava no ar, misturado a um odor metálico que Vilkus reconheceu como sangue, provavelmente de prisioneiros que estiveram ali há muitos dias.
Tauron, com um sorriso de felicidade disfarçado, não podia expressar seu verdadeiro sentimento por reencontrar seu filho.
— Bem-vindo, Vilkus! Faz tempo desde a última vez que nos vimos, não? — disse Tauron, com uma voz rouca e aveludada por estar transformado. — Posso lhe conceder um presente, um dom que lhe concederá poderes que talvez um elfo comum não conseguiria. O que me diz de se tornar um lobisomem? Além de um feiticeiro ao mesmo tempo?
Vilkus olhou para o rei com os olhos cheios de curiosidade em relação à proposta. — Mal consegui lhe reconhecer, senhor. Quando o transformaram assim? — Vilkus disse ao ver Tauron transformado em um lobisomem.
Tauron riu, uma risada seca, por saber que seu filho se tornaria igual a ele.
— Os elfos são uma raça horrorosa, mas eu lhe darei a chance de se tornar algo melhor. O que me diz? Consegui pedir ao imperador que o deixasse se tornar seu servo. O que acha da ideia?
— Eu já sou um mago! Um amigo meu me transformou alguns dias atrás, não tenho interesse em me tornar humano.
— Desculpe, mas a ordem do grande Hannibal é que você se torne mais poderoso. Ele não vai querer um servo inútil, então, se prepare para se tornar humano. — Tauron disse, avançando para cima de Vilkus e o mordendo no braço.
O ar no ambiente ficou tenso e carregado de uma energia sombria. As imagens nas paredes se contorciam e se agitam, enquanto o corpo de Vilkus tremia convulsivamente. Seus ossos rangeram, seus músculos se contraíram, e sua pele começou a mudar de cor, adquirindo uma tonalidade acinzentada.
A transformação de Vilkus foi rápida e brutal. Seus dentes se alongaram, suas unhas se tornaram garras afiadas, e seu corpo se cobriu de pelos grossos e escuros. Seus olhos, antes pretos, agora brilhavam com uma intensidade amarela, como um tom caramelado incandescente.
— Agora, venha comigo, preciso apresentá-lo ao Imperador Hannibal.
Vilkus estava se sentindo diferente, estava com medo de sua personalidade mudar, mas parecia que nada de ruim tinha acontecido no processo; só não fazia ideia de como se tornar normal novamente.
Enquanto isso acontecia, Kelvisk despertou com uma forte dor de cabeça, mas ainda estava esperto para a missão.
— Acordou? Pensamos que você poderia ter morrido. Foi muito forte o poder que liberou naquela prisão — Artana falou, olhando para ele.
— Qual é o seu nome, amigo? — Estêvão perguntou animado.
— Me chamo Kelvisk, sou o escolhido da profecia.
— Imaginei… mas me diz uma coisa que não entendi: por qual motivo matou o Edward? O que ele fez? — Estêvão perguntou, bastante sério.
— Humpf… vou dizer para você o mesmo que falei a ele: não é da sua conta!
— Ah! É da minha conta sim, amigo. Pois não quero ser apunhalado pelas costas a qualquer momento, como fez com o Drácula.
— Vocês dois não poderiam ter ficado calados? Vejam a perturbação que ele está gerando. Acho que vou matá-lo também… — Kelvisk disse, retirando a lâmina da bainha.
— Ah, é?! Tem coragem de me enfrentar? Tem?! — Estêvão falou, ficando em chamas.
— Grande líder? Como foi a vigilância? — Kelvisk perguntou, percebendo-o triste.
— Desculpe, meu senhor, mas alguns dos meus morreram na batalha. Quando vimos todos eles entrando, sabíamos que tinha acontecido algo, então avançamos com tudo. Pelo menos não sobrou um só orc sequer! — contou o líder dos minotauros.
— Kelvisk? Pode me explicar agora porque me libertou e me deu o anel? — Arkadius perguntou aflito e confuso.
— Venha comigo um instante… — chamou ele para um pouco longe. — Preciso da sua ajuda para destronar o Hannibal. Fiquei sabendo que lutou contra ele, mas perdeu. Estou tentando cumprir a profecia da minha maneira, por isso despertei o Edward, mas matei-o por causa de sua rebeldia. Ele jamais iria seguir as minhas ordens; eu vi isso nele quando pegou o anel.
— Hmm… e o que pretende fazer agora? O Hannibal saberá que o anel sumiu e serei caçado. Para onde vamos?
— Sobre o anel, bem… acho que ainda dá tempo de devolver. A Artana pode nos ajudar como aliada contra o Hannibal, nos contando todos os passos dele. Seria uma grande ajuda.
— Mas acha que daria tempo para devolver o anel sem que ele perceba? Daqui a algumas horas amanhece, e tudo pode acontecer. O que vai fazer?
— Me dê o anel, vou eu mesmo devolvê-lo agora. Artana?!
— Sim?
— Onde ficam os aposentos do Hannibal? Vou devolver o anel a ele. Onde estava quando você o pegou? Eu só lembro do lugar onde usei o teletransporte, então irei aparecer no salão real.
— Como vai aparecer lá? Tem lobisomens por todos os lados, e sempre ficam dois dos líderes de Hannibal na frente da porta. Fora o seu cheiro que eles vão sentir de longe, não pode entrar lá.
— Eu tenho um anel de invisibilidade, além de que posso atravessar paredes, e posso usar o anel do Edward, que tirará o meu fedor. Simples!
— Ah, tá. Quando você aparecer no salão, tem um corredor ao sul, do lado direito. Assim que entrar, tem uma escada à esquerda, que leva ao segundo andar. O quarto dele fica lá.
— Obrigado! Você precisa retornar ao castelo, Artana. Finja que ainda está do lado do Hannibal, adquira informações importantes para depois me avisar. Não se preocupe, irei aparecer depois. Lembre do meu nome: Kelvisk!
— Está bem, espero que ele ainda não tenha acordado, se não você não sairá vivo de lá.
— Arkadius e Estêvão?! Quero que vocês partam com os minotauros de volta às terras do oeste. Me esperem no templo do espírito na Floresta Lamentação. Vou me teletransportar até lá depois que devolver o anel, e Estêvão? Vou despertar a sua mãe! — Kelvisk disse, desaparecendo da visão de todos.
Quando chegou ao castelo, o portador da lâmina de Coldbreath olhou aos arredores, sem ver ninguém fazendo a guarda. Achou estranho, pois Artana lhe disse que haveria alguns, mas, mesmo assim, seguiu a direção lhe dada. Quando terminou de subir as escadas, estavam na frente da porta Hácan e Kanchom.
Kelvisk simplesmente passou pelo meio das paredes ao lado e entrou no quarto. Quando olhou, viu Hannibal dormindo. Provavelmente ele não havia acordado, quando de repente ouviu passos vindo em direção ao quarto, então se aproximou da porta para ouvir.
— Senhores? Me chamaram? Eu estava ocupado conhecendo todo o lugar. O que querem comigo? — Kelvisk reconheceu na hora: essa era a voz do Vilkus.
— Só vamos comer alguma coisa rápida. Não saia daqui e não deixe ninguém entrar. Sabemos que você é mortal agora, então mate qualquer um que tentar desobedecer! — Hácan disse, deixando a porta.
Kelvisk, por um momento, ficou parado, pensando, mas não tinha muito tempo. Então, depois de ter feito tudo que queria, ele se teletransportou para o templo, onde ficou esperando Arkadius e Estêvão chegarem.
Mas, para adiantar logo as coisas, ele chamou a Rusalka para conversar.
— Você aqui de novo? O que veio fazer? Finalmente vai libertar a realeza?!
— Não, preciso que me dê o corpo da bruxa Sanja. Preciso despertá-la!
— Humpf… o que tem em mente? O que pensa que está fazendo revivendo primeiro os discípulos de Coldbreath?! Acha que dessa maneira vai impedir a profecia de se cumprir? Você mesmo confessou que tentou várias vezes e não conseguiu!
— Ultimamente estou dizendo isso, não é da sua conta!
— Hummm… está bem, escolhido. Tome-a! — O corpo de Sanja começa a aparecer em cima da pedra grande, todo preservado e intacto, como se nada tivesse acontecido.
Kelvisk então se aproxima dela e, segurando a lâmina, levanta-a para cima e crava no coração de Sanja, dizendo as mesmas palavras que disse quando despertou Edward.
De repente, ela abriu os olhos, e a sua boca se abriu, como se sentisse uma forte pontada no corpo. Até que se levanta, sem acreditar que estava viva novamente.
Dando gargalhadas, ela diz:
— Boa noite, belo homem de cabelos brancos! A que devo a honra de voltar à vida ao seu lado? — Ela pergunta, se levantando da pedra e indo até ele, tocando o seu rosto e passando a mão na armadura de couro que ele estava usando. — Você é bem forte, quantos anos tem?
— Saiba que não estou interessado em me relacionar com alguma mulher. Seu filho em breve vai chegar aqui, preciso lhe pedir algo que faça por mim!
— E o que seria? Faço qualquer coisa por você, meu lindo!
— Quero que me ajude a destronar Hannibal. Ele que governa todos os impérios atualmente, e isso faz mais de mil e seiscentos anos…
— O que?! Como assim ele governa? E o Estêvão?!
— Hannibal, quando ganhou a espada e os anéis, ele aprisionou Estêvão nas terras dos orques. Até hoje, seis mil e vinte. Mas eu acabei o libertando há pouco tempo, horas atrás.
— Não pode ser… Coldbreath deixou ordens implícitas de que Estêvão deveria governar até o aparecimento do escolhido da profecia. Como ele se atreveu a fazer isso… — Sanja contou, toda embravecida.
— Hannibal ainda continua usando os dois anéis, e ele conseguiu as outras relíquias, entregou a alguns servos fiéis e leais a ele. Preciso da sua ajuda para tomar todas as relíquias de volta!
— Odeio o Hannibal com todas as minhas forças. Como ele pôde ser capaz de prender meu querido Estêvão? Eu mato ele!
— Precisamos fazer as coisas com cautela. Descobri que o seu colar está com um imperador chamado Goldon. Podemos pegá-lo primeiro… — Kelvisk disse, confiante.
— Humm… cautela, meu belo homem? Essa é minha especialidade. Você disse Goldon? Ele foi o meu servo mais leal na época em que governei. Eu mesma o criei; posso pegar o meu colar de volta sem problemas. Goldon não irá se recusar a me dar.
— Se for verdade, podemos depois partir para os elfos negros. O Rei Tauron recebeu o cajado de Sarah. Não seria difícil pegá-lo se nós quatro estivermos juntos!
— Quem mais, além do meu filho, está conosco?
— Um colega chamado Arkadius. Ele foi o antigo conselheiro de magia de Hannibal, mas o traiu e fez uma rebelião, lutando em um duelo contra Hannibal, no qual ele perdeu. Eu o soltei para nos ajudar; ele será de grande valor, conhece todos os lugares importantes e sabe como funciona o reinado de Hannibal. Além disso, ele tem conhecimento sobre pessoas de confiança em todo lugar.
— Não o conheço, mas se você confia nele, eu confio em você. Meu filho vai demorar? — diz ele, ajustando a sobrancelha.
— Creio que não. Daqui a algumas horas, eles chegarão. Vamos aguardar — diz Kelvisk, olhando para o céu estrelado e admirando a luz intensa da lua.