A vila sob o brilho do luar estava em completo silêncio. Os moradores permaneciam dentro de suas casas, e o único som era o do leve balançar das sombras sob a iluminação. Responsável por ele, estava Dalan, correndo com passos rápidos e silenciosos, evitando ser visto pela equipe de segurança que fazia a patrulha noturna da vila. Sentindo-se mais ágil, correr com uma espada na mão não lhe era mais dificultoso como na primeira vez, pois havia se acostumado ao peso da lâmina. Além disso, o tempo que passou alternando entre a floresta e a casa do ferreiro o ensinou sobre as rotas e pontos cegos da vigilância. No início, Ferneck o acompanhava de volta, mas no último ano, Dalan aprendeu a fazer o trajeto sozinho.
Cheguei... Agora preciso pensar em como entrar sem levantar suspeitas... — Dalan estava diante de uma das casas de dois andares da vila.
Como o chefe e seus ajudantes eram pilares para a fundação e o desenvolvimento contínuo da vila, suas casas estavam situadas nas quatro extremidades do lugar. Os três ajudantes ocupavam as pontas leste, oeste e sul, enquanto o chefe morava no norte. Observando a estrutura, Dalan buscou uma forma de entrar despercebido. Ao dar uma volta rápida, ainda nas sombras, notou que a janela do segundo andar estava aberta. Refletindo um pouco sobre como subir até lá, ele utilizou as brechas na madeira e no feno como apoio. Com algum esforço, conseguiu escalar, e antes de entrar pela janela, escutou atentamente, mas o silêncio perdurou. Levantando a cabeça cautelosamente para observar o interior da sala sem se expor muito, viu que não havia ninguém. Com mais um pouco de esforço, conseguiu entrar na casa.
Caramba... — Dalan sussurrou, sem conter a surpresa ao ver aquela sala. Era uma biblioteca, com livros espalhados por todos os cantos, uma escrivaninha em um dos lados e alguns volumes largados no chão. — Que bagunça... Como ele consegue viver aqui?
A curiosidade de Dalan foi despertada por aqueles livros e o que eles poderiam conter, mas ele balançou a cabeça levemente para retomar o foco.
Pelo visto, ele ainda estava usando a biblioteca, mas por que tem uma corda aqui...? — Dalan se perguntou ao ver uma corda sobre a escrivaninha, mas teve a ideia de usá-la para amarrar a bainha nas costas, o que lhe permitiria caminhar sem precisar segurar a bainha.
Pronto... Agora preciso descobrir onde está o Terceiro Ajudante... — Ele pensou enquanto colocava a ideia em prática, segurando apenas a espada.
Em seguida, aproximou-se da porta e tentou ouvir o que se passava do lado de fora. Conseguia escutar um som baixo, vindo do primeiro andar. Lentamente, girou a maçaneta, abrindo a porta e, antes de sair, verificou o corredor para confirmar se estava seguro. Caminhou cautelosamente pelo corredor, evitando fazer qualquer som que pudesse chamar a atenção de quem estivesse no andar inferior. No entanto, parou ao chegar perto da escada, ao identificar a origem do ruído.
Essa mordida ainda não cicatrizou... Aquela criança amaldiçoada... Se não fosse pelo maldito ferreiro estar em casa, eu teria ensinado a ela como se submeter à minha vontade, como as outras mulheres da vila... — O Terceiro Ajudante resmungava.
Era um homem de alta estatura, com constituição musculosa, mas pálida e seu cabelo era bem curto. Dalan se aproximou um pouco mais, conseguindo uma visão mais clara da situação. Observando o braço dele, viu que a ferida deixada por Sylvia ainda estava aberta, indicando ter sido uma mordida violenta. As palavras do ajudante e a cena que ele desejava criar despertaram um profundo desprezo em Dalan, reacendendo o ódio em seu peito. Seu olhar se aguçou enquanto planejava como se aproximar rapidamente e atacar com a espada. Quando o ajudante se levantou da cadeira de costas para a escada e começou a enfaixar o braço ferido, Dalan segurou a espada com firmeza. Ele hesitou por um momento, mas ao ver o ajudante se movendo em direção a outro cômodo no primeiro andar, tomou sua decisão.
É minha chance! — Dalan precisou agir rápido enquanto pensava, saltando sobre o terceiro ajudante.
Ao descer a espada, planejou dividir a cabeça dele pela lateral em duas partes e finalizar a luta quanto antes.
O quê? — O terceiro ajudante percebeu a presença de Dalan, ainda no ar, recuando de imediato antes de ser acertado fatalmente.
No entanto, ao fazer isso, seu braço que ainda estava sendo enfaixado foi decepado no mesmo instante, caindo no chão. O sangue jorrou, manchando todo o chão e tapete da sala.
Argh... Seu desgraçado... Como entrou aqui? E por que está com uma espada? — Os gritos de agonia do Terceiro Ajudante ecoaram pela sala.
O ataque no curto espaço de tempo o fez se contorcer com a mão no sangramento, tentando entender o motivo de Dalan estar ali.
Eu cortei uma pessoa... — O jovem, naquele momento, também havia parado, tentando processar o que acabou de fazer.
O sangue manchou seu rosto e mãos. Olhando para a lâmina da própria espada, via o líquido pingar sobre o chão. E a única coisa que rodeava seu corpo e pensamentos, era o choque de cortar alguém pela primeira vez. A hesitação o impediu de se mover mais uma vez e atacar, pois nunca tinha chegado a fazer algo assim antes. Nem mesmo os treinamentos severos de Ferneck chegaram perto do que Dalan acabou de experienciar: um combate real.
Você irá pagar pelo que está fazendo, criança amaldiçoada! — O Terceiro Ajudante berrou, avançando na direção de Dalan durante sua confusão interna, o socando em cheio no rosto.
Após receber o soco, Dalan deu alguns passos para trás, escorregando no sangue abaixo e caindo de costas no chão. Quando abaixou a guarda, o Terceiro Ajudante se aproveitou para pressionar seu pescoço, pisando sobre o pulso segurando a espada.
Ah... Sai de cima de mim... — Dalan, em agonia, tentou se debater para sair daquela posição, mas a força do terceiro ajudante era maior, o machucando cada vez mais. Aos poucos, o jovem sufocava.
Hah, já está ficando sem ar? Deveria ter pensado melhor antes de invadir minha casa, seu pirralho maldito. Acha que atacar o Terceiro Ajudante vai te permitir sair impune? Você ficou sabendo do que tentei fazer com a Sylvia, certo? É por isso que está sendo imprudente assim... Mas não se preocupe, quando eu fizer de novo, irei me certificar de que você veja. — O Terceiro Ajudante permaneceu falando, agora em sussurros.
Embora sua intenção fosse causar desesperança em Dalan, notou ele aproximar a mão do seu braço machucado, enfiando os dedos na carne após dois minutos sendo sufocado. Com um grito de dor, ele acabou abrindo brevemente a guarda, sendo suficiente para Dalan se encolher e criar um impulso para lhe chutar no peito, fazendo-o cair sentado no chão.
Arf... — Dalan respirava fundo, recuperando o vigor antes de pegar a espada e levantar.
Atacando com o cabo da espada na cabeça dele, o jovem derrubou o terceiro ajudante de costas. Em seguida, usou sua força para cravar a lâmina no chão, atravessando o pulso dele e impedindo-o de fugir.
Você quem é o amaldiçoado aqui... — Dalan, liberando sua raiva, socou o rosto dele.
Sua dor, ódio, tristeza e desespero se misturou, o cegando para outra coisa além de socar repetidamente o rosto do terceiro ajudante.
Merda... O que diabos esse garoto...? — O terceiro ajudante pensou enquanto seu rosto desfigurou, sem conseguir se defender ou revidar.
Sua última visão foi a do garoto que tanto desprezou, o encarando com um olhar vazio. Um arrepio se estagnou na espinha ao vê-lo focado em continuar atacando. Pensando sobre tê-lo executado junto aos pais quando nasceu, o medo lhe fez morrer com o rosto todo desfigurado.
Sniff... Sniff... — Dalan parou de socar o rosto do terceiro ajudante após alguns minutos, encarando o amontoado de carne abaixo.
Sentindo o peso de seus atos, lágrimas começaram a cair dos olhos. Agora, suas mãos tremiam em desespero e o peso de matar alguém lhe invadiu a mente. Ciente do que acabou de fazer, o jovem levantou do colo do Terceiro Ajudante, olhando para as mãos trêmulas e sentindo um aperto no coração. Ele pegou sua espada, sentando na parede ao lado do corpo e se encolhendo para abraçar a espada, continuando a chorar sem parar.