Chereads / A Queda dos Tronos / Chapter 2 - Despertar do Sentimento.

Chapter 2 - Despertar do Sentimento.

Alguns meses haviam se passado desde que Dalan começou seu treinamento com Ferneck, escondidos na floresta para evitar que o progresso do jovem fosse notado.

É assim que deseja proteger Sylvia? — Ferneck pressionou em meio a golpes pesados.

Tio, você acabará machucando ele! — Sylvia exclamou, preocupada com aquela sequência de ataques.

Quase como se ela estivesse prevendo o resultado, Dalan percebeu a espada avançando com tudo em direção ao seu rosto. Levantando a própria espada no reflexo, conseguiu evitar ser morto de imediato, mas com o redirecionamento, a lâmina de Ferneck cruzou sua orelha direita e abriu uma fenda na ponta.

Argh... — Dalan agonizou.

Afastando-se com alguns passos ágeis, subiu a mão até a orelha, largando a espada que segurava. Abaixando as mãos sob os olhos, viu a destra suja com seu sangue, enquanto ambas tremiam e os calos haviam ficado maiores.

Se você não dominar o manejo da espada, nunca será capaz de atacar. Muito menos suportar o peso da lâmina. Por isso forjei essa espada, sendo maior que uma espada longa e, consequentemente, mais pesada. Se isso fosse um combate real, você teria sido morto por não saber se movimentar com a espada e ter porte físico para segurá-la. Considere esses pontos a melhorar, além da cicatriz como um lembrete de que em combates reais, sua vida sempre estará em jogo e cicatrizes como essa são, em alguns casos, um milagre diante da morte iminente. Bem, esse será meu presente para o seu aniversário de dez anos. — Ferneck disse.

Balançando a lâmina de sua espada para despejar o sangue pelo solo, guardou de volta na bainha. Dando as costas, caminhou para entre as árvores e seguiu de volta para a vila.

Você está bem? — Sylvia perguntou, oferecendo apoio ao seu irmão, vendo-o cair de joelhos no chão. Suas mãos ainda estavam trêmulas e a fadiga começou a se expressar através do suor e afagos, agora com gotas de sangue deslizando pelo pescoço e caindo no chão. — O tio Ferneck está sendo bem rigoroso no seu treinamento... Farei um curativo para você.

Obrigado... — Dalan agradeceu, permitindo ela colocar uma faixa, do tamanho exato do ferimento, pressionada na orelha. Prendendo mais algumas pequenas faixas em cima e dos lados, o sangramento estancou.

Após a primeira cicatriz, mais alguns meses se passaram, fechando um ano de treinamento diariamente. Dessa vez, Dalan estava conseguindo bloquear os ataques de Ferneck com menos brechas, amortecendo maior parte dos impactos causados pelo atrito das lâminas.

Ele já está se acostumando ao peso da espada, conseguindo se mover com mais facilidade. Seus músculos estão se adaptando aos contínuos movimentos e pressão que estou causando. Isso é, de fato, impressionante para uma criança. — Ferneck analisava a evolução do jovem com cautela, percebendo que ele começou a avançar mais contra si.

Focado no treinamento, Dalan realizou passos para os lados, esquivando e bloqueando os ataques de Ferneck. Em um dos ataques, ele girou a lâmina levantada no ar, abaixando na direção do jovem em uma sequência rápida. Embora o mais velho estivesse pensativo durante o treinamento para analisar o desempenho de Dalan, sua guarda nunca abaixava, mas ele enxergou esse breve momento como uma oportunidade para realizar seu primeiro ataque.

Um contra-ataque? — Ferneck, surpreso por aquela atitude, cortou diagonalmente a testa dele, descendo até a lateral do olho esquerdo. Entretanto, precisou também esquivar, pois Dalan conseguiu adentrar sua guarda, enxergando uma mínima brecha para copiar o movimento realizado por Ferneck ao lhe causar a primeira cicatriz meses atrás. Por reflexo, minimizou o dano do corte direto para apenas um arranhão na bochecha. — Que garoto ágil...

Finalmente consegui te acertar! Viu isso, Sylvia? — Dalan gritou em um momento de adrenalina, abrindo um sorriso enquanto ela assistia ao treinamento.

Caramba, você foi impressionante! — Sylvia correu até seu irmão, o abraçando. Tomando cuidado para não machucá-la acidentalmente com a espada, Dalan deixou a arma branca atrás de si.

Que mudança de expressão rápida. Nem parece que quando realizou o contra-ataque, seus olhos estavam ansiando por aquele ataque, com um rosto disposto a me cortar a qualquer custo... Devo admitir que ele tem potencial. — Ferneck demonstrou um rosto preocupado, revelando sua visão durante o desfecho do treinamento.

Você se machucou de novo... Deixa eu colocar um curativo. — Sylvia disse, separando o abraço para abrir a bolsa de couro que carregava, tirando um curativo para colocar no machucado, alguns dias depois virando sua segunda cicatriz.

Contudo no segundo ano de treinamento, Dalan precisou começar a treinar sozinho quando o chefe da vila demandou mais equipamentos e armas. Quando os dois anos se passaram, em uma manhã, o jovem começou seu treino diário mais cedo. Por precisar treinar sozinho, ele usava os troncos das árvores como alvos. Seus movimentos se tornaram mais ágeis usando a espada, realizando ataques mais fortes e com vigor. Os músculos evoluíram conforme os dois anos seguiam, levando-o a eventualmente derrubar uma árvore, após a quantidade de golpes desferidos no tronco, além de se acostumar de vez com o peso da lâmina. Enquanto isso acontecia todo dia, Sylvia o visitava, trazendo comida.

Você começou cedo hoje, Dalan! — Sylvia exclamou, ao longe, se aproximando calmamente.

Sim, estou bem descansado. E você também veio cedo, Sylvia. Aconteceu algo? — Dalan perguntou, interrompendo o treino, curioso.

Impressionante como você tem energia para treinar todos os dias... De qualquer forma, trouxe comida de novo. Por favor, coma. — Sylvia parecia preocupada, mas antes colocou a refeição sobre uma pedra.

Nossa... A comida está cheirosa, como sempre! — Dalan exclamou, indo imediatamente até o prato, cheirando a sopa como se já estivesse comendo. Levantando o prato em agradecimento, começou a comer.

Cuidado para não engasgar, Dalan! Não precisa devorar a comida como se estivesse há dias sem comer. — Sylvia riu ao ver a forma afobada com que ele comia.

Ufa... A comida estava ótima, obrigado. — Dalan agradeceu, após terminar a refeição rapidamente, colocando o prato sobre a pedra. — Agora, me diga o que aconteceu para você estar preocupada.

Ah... Sobre isso, o tio Ferneck me contou que recentemente a equipe de segurança da vila avistou movimento nas proximidades. — Sylvia respondeu, pensativa.

Movimento? Eles ficam em pequenas torres nas extremidades territoriais da vila, então não eram apenas animais? Tenho certeza de que animais passam por lá o tempo todo. — Dalan parecia confuso com a preocupação dela.

A equipe disse que não eram animais. Pareciam ser outros humanos, como nós. Isso deixou o chefe e os ajudantes preocupados. — Sylvia sentou-se ao lado de Dalan, ainda refletindo sobre a situação. — Você acredita que possam existir outras pessoas além de nós, Dalan...?

Sinceramente, nunca pensei nisso antes. Por que está me perguntando isso? — Dalan perguntou, cruzando os braços e apoiando a espada ao lado.

Isso me fez pensar... Será que existem outros gêmeos como nós no mundo? Que cresceram felizes, sem precisar sacrificar seus pais... — Sylvia expressou seus pensamentos enquanto olhava para a floresta ao redor.

Estava bem iluminada pela luz do sol, com um vento suave e agradável. As árvores naquela região exibiam as diversas marcas deixadas pela espada de Dalan, que abaixou a cabeça.

Provavelmente existem... Mas não temos como saber. Apenas que sou a sua única família, e mais ninguém. Por isso, estou treinando para proteger você com a minha espada. Quando eu terminar meu treinamento, serei o melhor guerreiro entre os jovens da vila e não precisaremos nos preocupar com os outros. — Dalan respondeu, focando sua atenção em Sylvia. Ao fazer isso, seu coração apertou ao vê-la chorando subitamente.

Eu quero sair dessa vila, Dalan... Quero fugir daqui... — Sylvia falou entre soluços.

Ei, o que aconteceu, Sylvia? Por que está chorando? — Dalan levantou-se e segurou o rosto dela, limpando suas lágrimas.

Eu só quero ir embora... Por favor... — Sylvia implorou, apoiando suas mãos sobre as dele.

Vendo aquela situação, Dalan ficou em choque, sem entender por que sua irmã estava chorando assim. Embora não tivesse uma explicação clara, sentiu uma dor no coração, como se algo ruim tivesse acontecido. Tentou falar algo, mas as palavras lhe faltaram, sentindo Sylvia tremer involuntariamente enquanto a tocava. Observando melhor, notou marcas em seu pulso e pescoço, como se alguém tivesse tentado segurá-la à força.

Sylvia... Quem fez isso...? — Dalan sentiu uma mistura de emoções intensas, soltando-a. Seu coração batia forte, enquanto ele processava a informação.

Na tarde passada, o Terceiro Ajudante se ofereceu para realizar uma análise em meu corpo para ver se algo mudou desde que completamos onze anos... O tio Ferneck não pôde recusar, mas quando ele começou... Tentou algo a mais... Eu só consegui impedir e escapar mordendo o braço dele, até que o tio entrou no quarto para ver o que estava acontecendo... — Sylvia lembrava vividamente da cena, e quanto mais falava, mais se encolhia sobre a pedra, tentando cobrir as marcas.

Ouvir aquilo da boca de sua irmã gêmea, chorando e em desespero, logo após implorar para sair dali, acendeu uma chama no peito de Dalan. Uma chama que queimava e se espalhava, fazendo o garoto entender aquele sentimento... Era ódio.

Venha... Voltaremos para casa. — Ele tentou controlar aquele novo sentimento, puxando sua irmã para ir embora, mas Sylvia gritou instintivamente.

Não... Eu não voltarei para lá... — Ela continuou encolhida, escondendo o rosto nos braços.

Ao presenciar aquela reação, Dalan apenas a soltou e ficou em silêncio, sentando-se novamente ao seu lado. Não havia expressão em seu rosto, apenas o sentimento crescente dentro dele. O dia passou sem que os irmãos trocassem mais palavras. À noite, Dalan continuava a observar as árvores ao redor, sendo corroído pelos pensamentos. Viu Sylvia adormecer, ainda na mesma posição e para evitar que ela se resfriasse, Dalan tirou sua camisa e a cobriu.

Parece que não pude te proteger de novo esse ano... — Dalan sussurrou, pegando-a nos braços após cobri-la.

Decidiu voltar para a vila, procurando um lugar seguro para que ela descansasse, sem voltar para casa, deixando-a entre árvores com arbustos. Sentindo aquela queimação dominá-lo, apertou a mão com força. Fazendo isso, percebeu ter apertado o material da bainha da espada, que sempre esteve consigo.

Terceiro Ajudante... — Esse nome não saiu da sua cabeça desde que a ouviu. Olhando em direção à vila, ele voltou o olhar para sua irmã uma última vez antes de sair em silêncio.