Dois anos haviam se passado desde que Dalan começou seu treinamento com Ferneck, escondidos na floresta para evitar que o progresso do jovem fosse notado. No primeiro ano, o foco era dominar o uso da espada, praticar corrida, esquiva e contra-ataques. Ainda sem força para atacar, Dalan treinava com uma espada de lâmina maior que o comum, projetada para tornar o treinamento mais desafiador. Apesar da dificuldade, ele aprendeu rapidamente, ganhando força suficiente para iniciar ataques. Seus músculos se adaptaram para executar movimentos mais refinados e economizar energia. Ferneck atacava sem piedade, ocasionalmente ferindo o rapaz. Em uma dessas ocasiões, Dalan teve a orelha direita cortada, criando uma fenda na ponta, e, no mesmo dia, recebeu um corte diagonal que ia da testa até a lateral do olho esquerdo. No segundo ano, Dalan aprendeu a atacar com a espada, conseguindo pressionar Ferneck a se defender. Contudo, precisou treinar sozinho quando o chefe da vila demandou mais equipamentos e armas. Em uma manhã, Dalan continuava seu treino, utilizando troncos de árvores como alvos para seus golpes. Enquanto ele praticava diariamente, Sylvia o visitava sempre, trazendo comida.
"Você começou cedo hoje, Dalan!"
ela gritou ao se aproximar.
"Sim, estou bem descansado. E você também veio cedo, Sylvia. Aconteceu algo?"
Dalan perguntou, interrompendo o treino, curioso.
"Impressionante como você tem energia para treinar todos os dias... De qualquer forma, trouxe comida de novo. Por favor, coma."
Sylvia parecia preocupada, mas antes colocou a refeição sobre uma pedra.
"A comida está cheirosa, como sempre!"
Dalan exclamou, indo imediatamente até o prato, cheirando a sopa como se já estivesse comendo. Levantando o prato em agradecimento, começou a comer.
"Cuidado para não engasgar, Dalan! Não precisa devorar a comida como se estivesse há dias sem comer."
Sylvia riu ao ver a forma afobada com que ele comia.
"Ufa... A comida estava ótima, obrigado."
Dalan agradeceu, após terminar a refeição rapidamente.
"Agora, me diga o que aconteceu para você estar preocupada."
Ele colocou o prato sobre a pedra, esperando uma resposta.
"Ah... Sobre isso, o tio Ferneck me contou que recentemente a equipe de segurança da vila avistou movimento nas proximidades."
Sylvia respondeu, pensativa.
"Movimento? Não eram apenas animais? Tenho certeza de que animais passam por lá o tempo todo."
Dalan parecia confuso com a preocupação dela.
"A equipe disse que não eram animais. Pareciam ser outros humanos, como nós. Isso deixou o chefe e os ajudantes preocupados."
Sylvia sentou-se ao lado de Dalan, ainda pensativa.
"Você acredita que possam existir outras pessoas além de nós, Dalan...?"
Ela permaneceu refletindo sobre a situação.
"Sinceramente, nunca pensei nisso antes. Por que está me perguntando isso?"
Dalan perguntou, cruzando os braços e apoiando a espada ao lado.
"Isso me fez pensar... Será que existem outros gêmeos como nós no mundo? Que cresceram felizes, sem precisar sacrificar seus pais..."
Sylvia expressou seus pensamentos enquanto olhava para a floresta ao redor, iluminada pela luz do sol, com um vento suave e agradável. As árvores estavam todas marcadas pela espada de Dalan, que abaixou a cabeça.
"Provavelmente existem... Mas não temos como saber. No entanto, sua única família sou eu. Estou treinando para proteger você com a minha espada."
Ele respondeu, focando sua atenção em Sylvia. Ao fazer isso, seu coração apertou ao vê-la chorando.
"Quero sair dessa vila, Dalan... Quero fugir daqui..."
Sylvia falou entre soluços.
"Ei, o que aconteceu, Sylvia? Por que está chorando?"
Dalan levantou-se e segurou o rosto dela, limpando suas lágrimas.
"Eu só quero ir embora... Por favor..."
Sylvia implorou, apoiando suas mãos sobre as dele. Vendo aquela situação, Dalan ficou em choque, sem entender por que sua irmã estava chorando assim. Embora não tivesse uma explicação clara, sentiu uma dor no coração, como se algo ruim tivesse acontecido. Tentou falar algo, mas as palavras lhe faltaram, sentindo Sylvia tremer involuntariamente enquanto a tocava. Observando melhor, notou marcas em seu pulso e pescoço, como se alguém tivesse tentado segurá-la à força.
"Sylvia... Quem fez isso...?"
Dalan sentiu uma mistura de emoções intensas, soltando-a. Seu coração batia forte, enquanto ele processava a informação.
"Na tarde passada, o terceiro ajudante do chefe se ofereceu para realizar uma análise em meu corpo para ver se algo mudou desde que completamos onze anos... O tio Ferneck não pôde recusar, mas quando ele começou... Tentou algo a mais... Eu só consegui escapar mordendo o braço dele, até que o tio entrou no quarto para ver o que estava acontecendo..."
Sylvia lembrava vividamente da cena, e quanto mais falava, mais se encolhia sobre a pedra, tentando cobrir as marcas. Ouvir aquilo da boca de sua irmã gêmea, chorando e em desespero, logo após implorar para sair dali, acendeu uma chama no peito de Dalan. Uma chama que queimava e se espalhava, fazendo o garoto entender aquele sentimento... Era ódio.
"Venha... Voltaremos para casa."
Ele tentou controlar aquele novo sentimento, puxando sua irmã para ir embora, mas Sylvia gritou instintivamente.
"Não... Eu não voltarei para lá..."
Ela continuou encolhida, escondendo o rosto nos braços. Ao presenciar aquela reação, Dalan apenas a soltou e ficou em silêncio, sentando-se novamente ao seu lado. Não havia expressão em seu rosto, apenas o sentimento crescente dentro dele. O dia passou sem que os irmãos trocassem mais palavras. À noite, Dalan continuava a observar as árvores ao redor. Viu Sylvia adormecer, ainda na mesma posição. Para evitar que ela se resfriasse, Dalan tirou sua camisa e a cobriu.
"Parece que não pude te proteger de novo esse ano..."
Dalan sussurrou, pegando-a nos braços após cobri-la. Decidiu voltar para a vila, procurando um lugar seguro para que ela descansasse, sem voltar para casa. Sentindo aquela queimação dominá-lo, apertou a mão com força. Percebendo a espada na bainha, que ele sempre carregava, uma palavra ecoou em sua mente.
"Terceiro ajudante..."
Essa informação não saía da sua cabeça desde que a ouviu. Olhando em direção à vila, ele voltou o olhar para sua irmã uma última vez antes de sair em silêncio.