Eros
Localização; Zamoria - Palacio das aves.
Eros ainda estava sonolento e deitado enquanto ouvia a canção calma e penetrante que os seus servos tocavam lentamente em uma flauta para acordá-lo.
Bocejando e esticando seus braços preguiçosamente, notou as enormes janelas abertas, a luz inundando o quarto espaçoso de tal forma que fazia seus olhos piscarem com o contato.
Sobre o seu lado, um corpo leve e pequeno se remexia de forma constante e carente, agarrando-o cada vez mais, mesmo adormecida.
O sorriso lascivo surgiu nos lábios de Eros, ele estava habituado a dormir e acordar sorridente na presença de mulheres nuas. Dessa vez não seria diferente quando a tinha para aquecer sua cama. A mesma tinha longos cabelos negros, que desciam pela suas costas e curvas.
Seu peito musculoso servia de travesseiro para ela, cujo nome Eros não se lembrava. Ele nem sabia se perguntou, e mesmo que tenha feito, não se recordaria, pois tinha sérios problemas com memórias, e quando bebia, como fez ontem, obviamente isso se intensificava. Não que fizesse questão de saber também, principalmente quando para ele era apenas um meio para o fim.
No quarto, a meia dúzia de servos ainda tocavam como se não estivessem vendo um casal nu diante deles, muito concentrados em seus arranjos e notas, esperando ansiosos o príncipe ficar satisfeito com seus trabalhos.
O que parecia distante quando Eros apreciava a serenidade do som, e a mulher que subia e descia enquanto ele respirava, era tão erótico como os seios alheios estavam esmagados junto da pele cor de cobre dele. Logo Eros ficou animado, e seu sorriso se alargou para ela, que ainda tinha os olhos inchados e vermelhos.
No dia anterior, ele havia a conhecido deprimida e chorando como um bebê em um bar, quase parecendo um cachorro sem dono, e por não suportar vislumbrar mulheres chorosas e sozinhas, ele se sentou perto dela, lhe pagou uma bebida, teve uma conversa divertida sobre vinhos, e depois a arrastou logo em seguida para a sua cama.
A mulher em nenhum momento recusou, e Eros não podia estar mais feliz.
— Bom dia.
— Bom…
A moça sussurrava radiante em seu peito, enquanto ele a acariciava em resposta, deslizando seus dedos por toda a sua madeixa.
Eros não apreciava carinho ou gostava de oferecê-lo para qualquer uma, mas enquanto estivessem na cama, procurava agradar todas suas amantes, ele só não garantia fazer o mesmo depois que estivessem com roupas.
— A música é tão boa e relaxante… me faz esquecer os problemas.
— Hum… claro que é. — Eros a puxou para cima dele subitamente, analisando cada parte de sua convidada que ficou entusiasmada com a animação logo de manhã. — Eu tenho muito bom gosto.
— Não a vergonha em sua face? — sua bochecha esquentava ao apontar para os músicos que pareceu não notar antes. — Eles nos assistem…
Eros ignorou sua preocupação momentânea, esperando apenas o seu interesse crescer. O desejo presente cessava um pouco, pois era como uma coceira que tinha, não algo que ele realmente precisasse naquele momento.
Apesar disso, nos olhos da mulher estava claro que ela o queria mesmo com sua vergonha inicial, então o que restava para Eros era agradá-la.
— Sentir vergonha? — a voz masculina soou inocente. — Eles aprendem conosco, e na maioria das vezes se esquecem no outro dia. Não pense em nada disso.
Ele deslizou um dedo no lábio rosado da moça e sorriu gentilmente, suas covinhas aparecendo no processo, e foi o bastante para ela ceder ao homem atraente a sua frente e o abraçar juntando suas mãos sobre seu pescoço e os seios quase em sua cara.
— É tão devasso meu príncipe.
— Devasso? Que falta de criatividade.
— Poderia chamá-lo de perverso ou obsceno?
— Não. Gosto de mulheres que me ofendem de forma única.
— Mas…
Antes que terminasse de falar, Eros a virou para ficar embaixo dele, ela soltando uma risada alta ao mesmo tempo, e ele adorando a posição dominante em que estava. Quando foi para beijá-la como fizeram na noite anterior, a porta do quarto foi bruscamente aberta com um chute que quase derrubou os músicos.
— Maria! — o homem gritava. — Maria!
A música cessou, e Eros fez uma careta ao se virar para trás, jogando facilmente a moça na cama quando viu o homem com uma faca.
Ambos amantes olharam com olhos arregalados para ele, que parecia um touro soltando fumaça pelo nariz e sangue pelos olhos, quase desacreditado com a cena do casal na cama. Então a dor misturada com desprezo surgiu em seu rosto, e ela escondeu depressa suas vergonhas com o lençol da cama, se levantando com as pernas tremendo e a face empalidecida.
— E-eu posso explicar…
— Cala-se, Maria! O que irá explicar? Que dormiu com outro homem?
Eros se sentou na cama bruscamente, alternando o olhar questionador para a situação, quase como se não fosse com ele.
— N-não é nada… do que está pensando, querido!
Querido? Eros pensou levando a mão em seu rosto, quase ficando arrependido por ter se deitado com a mulher, mas agora nada podia ser feito. Então ele apenas abaixou a cabeça e fechou seus olhos com um alto suspiro.
— Já falei para se calar, Maria!
O homem traído apontava a arma para ambos, suas mãos trêmulas enquanto ela se encolhia em desespero, lágrimas brotando em seus olhos estreitos.
Logo os soldados invadiram o quarto, como se fosse uma festa que pudessem entrar e sair quando quisessem, e de repente o cômodo de Eros estava pequeno, ao ponto de incomodá-lo.
Seus homens pegaram o pobre traído a mão armada, e o imobilizaram rapidamente no chão.
— Me soltem! Me soltem seus imprestáveis!
O soldado paralisou as mãos do homem com as suas, e depois disse apreensivo. — Vossa Alteza, ele invadiu sem que o víssemos, nos perdoe.
Os músicos grudaram na parede como se fizessem parte dela, desejando correr e fugir do quarto há muito tempo, mas permaneceram até segunda ordem, e Eros apenas cruzava os braços, sua paciência cessando.
— Muito irresponsável da parte dos meus guarda-costas deixarem invasores entrarem em meu belíssimo aposento. Parece que a segurança do castelo está precária.
— Sentimos muito, Alteza!
Eros não disse nada, no entanto o homem traído berrava indignado.
— Penso que temos que resolver no salão! Quero Vossa Majestade a par dessa sem vergonhice!
Os dentes do príncipe cerraram uns nos outros ao olhá-lo minuciosamente, e todos na sala ficaram em silêncio com a menção do rei, provavelmente com medo de trazerem assuntos triviais para o mesmo em um debate.
Eros não se agradava nem um pouco de deixar que seu pai resolvesse seus problemas, mas como o outro havia dito na frente de muitos para irem até o rei discutir, seria fraco da parte dele tentar impedir que o problema se tornasse maior do que já era.
Por isso disse firmemente. — Levem-nos até o salão.
— Não, Alteza.
A mulher apenas com um lençol tapando seu corpo implorava enquanto era agarrada por outro soldado e empurrada para fora abruptamente com os outros.
Os músicos ainda estavam assustados, mas Eros abriu um sorriso que dizia que estava tudo bem e gesticulou para que eles saíssem também.
Os berros eram ouvidos nos corredores e os que transitavam murmuravam especulações incansavelmente, enquanto Eros se apressou em pegar uma túnica para se cobrir e os seguiu apressadamente todo desgrenhado com os cabelos na nuca parecendo um ninho de passarinho.
Sua aparência não era relevante no momento, e sim pensar em uma desculpa de última hora para sua situação.
No salão do trono, cerca de dez homens renomados, robustos e fortes discutiam, com o rei Uziel entre eles, que parecia carregar o peso do mundo em seus ombros cansados e de idade.
— Não pode ser!
Ele bateu na enorme mesa do centro, que tremeu com o baque junto com os cálices que estavam sob ela.
Sua expressão fria como gelo, junto com as rugas que marcavam as muitas vida pelas quais passou, faziam seu rosto velho parecer feio e ameaçador, ao ponto de alguns presentes se encolherem.
— Maeve Fermi Escarlate tem que estar morta! E se estiver viva tem que morrer! — o rei exclamava aos seus homens.
— C-calma meu senhor… são apenas especulações.
— Não, não! Vi com os meus dois olhos, os que um dia a terra irá comer, meu senhor. — o sentinela soltou uma pausa — e os magos já vieram nos avisar.
Uziel escorregava de sua cadeira quase como se fosse cair, desmaiar e morrer de desgosto ali mesmo.
— Eu. Quero. A. Cabeça. Dela. Em. Uma. Bandeja! — ele pronunciava cada palavra com a voz dura. — Em nome de todos os nossos que ela matou.
Uma veia saltava de sua testa, como se ele tivesse perdido uma vida em poucas palavras com seus homens. A situação piorou quando, de repente, um grupo desorientado e barulhento invadiu seu salão, com um casal sendo empurrado a pontapés pelos soldados, enquanto seu filho mais novo, Eros, liderava.
Uziel lançou um olhar perfurante para seu desgosto. — Que algazarra é essa em meio a uma reunião do nosso conselho, Eros?
Em segundos a atenção de todos que estavam sentados debatendo, foram para o príncipe e seus convidados, e Eros não poderia estar mais satisfeito em interrompê-los em um momento crucial.
Seu divertimento era difícil de se esconder quando se curvava, mas ele ainda assim forçou uma carranca séria em seu rosto.
Seu pai apenas o olhava com desaprovação, uma expressão que aumentava ainda mais suas olheiras, e que de certa forma sempre foi lançada para o príncipe.
— Majestades, senhores, sinto muito por vir sem avisar, mas esse senhor disse que queria ver o rei pessoalmente.
Eros mirou para o traído, que quando o encarou quis se soltar dos braços dos soldados como um louco, e ir até o príncipe e espancá-lo. Ele já não conseguia medir suas ações naquele momento, então gritou para todos ouvirem.
— Vossa Majestade, tenho uma reclamação de um crime!
Eros bufou simplesmente, quase revirando os olhos.
— Que crime? — Uziel elevou a voz. — O que está acontecendo, Eros?
— O Príncipe Herdeiro, — o homem falava o título com desdém. — dormiu com uma mulher casada, com a minha esposa! Essa… essa… descarada me traia ainda agora com ele por cima dela.
As mulheres fofoqueiras que vieram espiar o tumulto na frente da porta, abriam e fechavam as bocas surpresas, o salão se tornando cheio rapidamente enquanto Uziel fervilhava de raiva.
Eros então corrigiu depois de um breve silêncio. — Não me deitei com mulher casada nenhuma…
O homem traído parecia impressionado com a audácia do príncipe de negar tão encorajado seus crimes.
— Ah não? Então quem é o responsável por destruir metade dos casamentos alheios todos os dias?
Eros abriu e fechou a boca, sendo pego de surpresa com acusação feita, por mais que o homem fosse um tanto imprudente e corajoso, o príncipe desacreditava que ele iria o expor em um salão onde o rei, seu pai, estava presente com vários outros nobres.
Apesar de todos conhecerem sua reputação desonrosa, que Eros, o príncipe herdeiro de Zamoria carregava ao se envolver com mulheres casadas em seu reino, passando noites e noites dormindo com umas e outras, e tendo o poder de destruir matrimônios sem nenhum pingo de culpa, ainda era desrespeitoso um plebeu afrontá-lo dessa forma em público. Até considerado burro.
No entanto, para a sorte do traído, Eros tinha auto controle e experiência com esse tipo de situação, então apenas sorriu e disse tranquilamente.
— Digo e repito! Não me deitei com mulher casada alguma! A senhora é quem quis dormir comigo e se aquecer em meus abraços ontem à noite, e eu apenas aceitei. Deveria fazer o quê afinal? Negá-la? Rejeitá-la? Se uma mulher procura afeto na rua, é porque não tem em casa.
O homem queria avançar em Eros a todo custo, esperneando e empurrando os soldados que o seguravam, enquanto Eros estava ao ponto de tirar a sujeira de suas unhas de tão despreocupado com as tentativas falhas.
Não satisfeito, ele continuou com a voz impassível.
— E outra, nem saber que a dama era casada eu sabia. Apenas tomei conhecimento quando esse chifrudo invadiu meu quarto com uma faca.
O rosto do homem se transformou em vermelho.
— Seu…
— Basta! — o rei berrou, ficando incrédulo a cada palavra. — Então você é a culpada! Enganando tanto o marido quanto o príncipe.
A alma da mulher quase saiu de seu corpo naquele momento ao ser acusada pelo rei Uziel.
— N-não Senhor, e-eu confessei a Vossa Alteza ontem… no bar em que estávamos! — ela gaguejava em meio às lágrimas e lançava olhares para o príncipe com medo dele tentar pará-la, mas Eros estava ereto e aparentemente calmo ao prestar atenção em suas palavras, então continuou. — Mas o príncipe disse que n-não t-tinha problema… e que… e que e-ele, não, era, comprometido, e que não sentiria ciúmes quando me levasse para me divertir.
Seu rosto aquecia, tanto de nervosismo quanto de vergonha, e Eros fechou os olhos sabendo que essas palavras eram as mesmas que ele diria bêbedo.
A verdade é que de fato ele não estava consciente de suas ações no dia anterior. Ele se lembrava de ter saído para um bar, de ter bebido muito antes de encontrar uma moça bonita que levou em seguida para casa e de ambos conversarem por um tempo, porém, as raízes das conversas não estavam claras e sim bagunçadas em sua memória.
O príncipe deu um tapa fraco em seu rosto sabendo que só se recordava do que era conveniente a ele, e o homem ainda exclamava com urgência.
— Vou matá-los! Os dois!
— Me matar porque? — a esposa chorosa questionou indignada. — Você me traiu primeiro seu traste! Se chorei ontem e o traí, é somente por sua culpa! Todas as noites você saia para a cidade e ia se divertir, beber, se encontrar com prostitutas, enquanto eu? Apenas ficava sozinha em casa…
— Vou arrancar os cabelos de sua cabeça!
As vozes aumentaram o som do salão, e a gritaria começou a perturbar o rei que se levantou rapidamente e ordenou solene. — Calem-se!
Todos pararam, o silêncio reinando apenas para o rei continuar a esbravejar com fúria.
— Pensam que aqui é a casa de vocês, para começarem com um alvoroço em minha frente? Se esqueceram que aqui há um salão do conselho? — ele questionava sem esperar alguma resposta e depois se virou para o casal. — É punição que querem? Pois bem, levem o casal presos! Ambos por traição.
— O que?
A mulher perguntou assustada, e o homem apenas se preocupou com Eros.
— E o príncipe? Ele ficará impune só por conta da sua hierarquia?
O rei Uziel nunca foi tolerante com seu povo, muito menos com aqueles que o desrespeitavam. Eros era a prova viva da ira de seu pai e do seu autoritarismo ao ponto de ser quase tirânico, e ainda assim ele se impressionava com o homem que certamente estava movido pela raiva ao agir de forma tão imprudente.
O príncipe sentia pena dele. Principalmente quando o rei estava sem piedade.
— Pessoas com línguas grandes têm cabeças cortadas, caro senhor! O açoitem vinte vezes em praça pública por trair, interromper autoridades, ofender e ameaçar seus superiores.
Eros discordava de violência desmedida e desnecessária, a usando somente em últimos casos e de forma justa, por isso tentou impedi-lo. — Majestade…
— Cale-se Eros! Isso tudo é culpa sua e da sua burrice como homem. — Uziel era ouvido por todos que não ousavam respirar na sala para não causar barulho e atormentá-lo. — Ele perguntou qual seria sua punição. Você irá sumir do Reino de Zamoria e irá para o Reino mágico em uma missão. Onde seus pés, suas penas e suas asas não voltarão para casa até fazer o que eu quero.
Eros piscou, forçando um sorriso. — E o que o senhor quer?
— Maeve Fermi Escarlate morta!
— Como é?
— Traga o corpo dela, e somente quando você conseguir, será perdoado por me envergonhar. Agora sumam todos da minha frente.