Iniciei minha semana com meus dois estagiários, Matheus mais reservado e Vitor com aquele sorrisão. Minha locatária Marcia havia retornado das suas férias. Então seria hora de fazer algumas perguntas.
Bati na porta da sua sala, em casa.
- Bom dia, Marcia, como está?
- Olá Ana, pensei que estava na cooperativa já.
- Sim, eu fui cedo, organizei as coisas por lá e como agora tenho dois estagiários, já deixei eles com trabalho até o meio-dia. Aproveitei e voltei para cá. Preciso conversar contigo.
Marcia me olhou com certa desconfiança.
- Claro, Ana, você é sempre bem-vinda. Faz algum tempo que não nos falamos.
- Marcia, vou ser direta. Vocês são algum tipo de culto? Ou algo nesse sentindo? Atraem pessoas aqui e depois fazem com que fiquem aqui para sempre?
Seu sorriso amarelo me mostrou que estamos no caminho certo.
- Ana, por que diz isso, aconteceu algo?
- Marcia, vocês são de origem romena? Por que tem regras de convivências, para os jovens? Por que vocês os isolam dos 14 aos 18 anos, na vinícola? Eu nem sabia que tinha uma vinícola?
- Ana, são muitas perguntas, e acredito que Matheus ou o Vitor andaram contanto muitas coisas. Mas vamos por partes. Sim, somos de origem romena, apenas que a maioria de nós já nasceu aqui. Nossos antepassados vieram fugindo do domínio do Império Otomano. Eles pregavam a religião muçulmana e jamais nos aceitariam. Então quando foi declarada a guerra contra o império, nossas famílias, muitas, estavam devastadas e muitos dos nossos homens estavam sendo convocados e nós tínhamos que nos proteger. Se os homens das famílias fossem servir o exército, muitos não voltariam, então em uma determinada hora, fugimos com mais de 50 famílias.
Ela continuou relatando:
- Para resumir, chegamos ao Brasil e aqui nos reerguemos. Procuramos um local isolado no meio da mata que nos protegesse. Apreendemos a conviver com o povo local e hoje somos o que somos. Ana, a ideia de alocar os jovens nessa idade difícil é justamente mostrar a eles essa conexão do nosso ser com a natureza. Como tínhamos uns maiores números de jovens no acampamento, e tinha a vasta terra, utilizamos o espaço para fazer algo produtivo, além de completarem os estudos e decidir qual carreira vão seguir. Nossas crianças trabalham em algo produtivo. Não somos nenhuma seita, somente apreendemos a nos proteger e trabalhar para o bem de todos. Vamos combinar, após a abertura do festival de inverno, vamos ficar uma semana no acampamento para você conhecer tudo lá.
Senti-me mal depois que Marcia me explicou, mas ainda parecia guardar alguns segredos. Almoçamos juntas apesar da minha curiosidade, mas ainda faria uma visita a Giovana que estava chegando ao final da gravidez e hoje estaria sozinha. Precisava saber mais sobre todos eles, sinto que estão me escondendo algo.