Toda história de amor é uma história de fantasmas.
(Filme Ainda estou aqui).
Olhei pela última vez a minha casa, aquele lugar que eu e meu marido construímos com todo amor e carinho, desenhando cada detalhe. Nunca imaginei que não ficaríamos velhinhos juntos, sentados à beira do lago que ficava ao final do nosso si tio.
Já se passaram cinco anos desde que o meu Amor Rodrigo morreu levado pelo câncer. Que ironia, primeiro essa doença levou meus pais, minha mãe com apenas cinquenta anos e meu pai dez anos após, e agora Rodrigo... não dava para acreditar que ele não estivesse mais aqui comigo. Saudosa lembrei das suas últimas palavras:
"Ana, você tem que viver, não se isole. Viva, ame de novo, você é linda e o homem que tiver a sorte de tê-la, como eu a tive, será muito abençoado".
Como se aquilo fosse possível ou fácil, como eu poderia voltar a viver sem ele, meu parceiro de vida?
Dei um longo suspiro e fechei a tampa da traseira da caminhonete. O mais irônico é que toda a minha vida estava ali... meus trinta e oito anos de história em algumas caixas de papelão. Mas eu havia decidido que era necessário recomeçar a minha vida, sair do luto enterrar a dor que meu amor deixou no meu coração. Nós não tivemos filhos, e eu lembrava desgostosa. Sempre tinha algo que precisava ser feito antes de um bebê vir. Como desejava voltar no tempo.
De repente o barulho de um carro se aproximando me chama atenção. Era Raquel, minha melhor amiga, comadre e companheira de todas as horas, vindo despedir-se; sorrio para ela quase como se estivesse me desculpando e assumindo a culpa que sairia sem me despedir.
- Não acredito que iria sair na surdina! - Raquel sai do carro falando alto e sorrindo.
Lembrei-me do dia em que nos conhecemos há dezoito anos atrás, quando ela e seu marido foram padrinhos do meu casamento. Realmente Raquel tinha uma jovialidade incrível que conseguia iluminar até o mais sombrio dos dias.
- Capaz, não sairia assim?
Respondi com um sorriso disfarçando a minha real intenção, não gostava de despedidas e naquele momento sair da minha zona de conforto estava sendo muito dolorido.
- Se eu não lhe conhecesse, senhora Ana, acreditaria! Ela diz.
Minha amiga me conhecia muito bem e sabia que eu não gostava de despedidas, afinal estava indo embora, não eram apenas férias, era a mudança total da minha vida.
- Ana! Você tomou a decisão certa, o Rodrigo não iria querer que você continuasse vivendo da forma como estava. Ele sempre desejou a sua felicidade. Lembre-se amiga, ele era alguém que adorava a vida, e não tem cabimento você ficar todos esses anos, trancada. São cinco anos amiga!
Suspirei, sabia que ela estava mais uma vez coberta de razão. Nos últimos cincos anos, saía de casa apenas para o trabalho, nem meus amigos eu visitava.
Mas concentrei todo a minha coragem e força em um belo sorriso e respondi:
- Agora será diferente, Raquel. A casa já está alugada, os novos moradores chegam logo, e eu vou rumo ao litoral, vou morar próximo ao mar. Já entrei em contato com o corretor e o Vinicius está me ajudando também com algumas coisas. Chegando em São Francisco finalizo a transação e se tudo correr como o esperado, em dois a três dias estou de casa nova.
Dou um sorriso confiante que Raquel olha com certa desconfiança.
Olho mais além e vejo o carro do corretor com os novos inquilinos da minha casa, vindo buscar as chaves.
Um casal, aparentemente na faixa dos sessentas anos, desce do carro. A mulher sorri de forma tão amorosa que meu peito estremece de dor. Era assim que eu desejava sorrir para o Rodrigo, porém o destino teve outros planos para nós. Vou ao encontro do casal com o molho das chaves nas mãos, com um sorriso triste. Estava entregando as chaves dos meus sonhos a outras pessoas. O senhor me olha com um largo sorriso apanhando as chaves, tranquilizando-me.
- Não se preocupe! Iremos cuidar bem da sua casa, somos somente nos dois. - O senhor fala me olhando com afeto.
Devolvo o olhar afetuoso, e falo uma breve observação.
- Desejo toda a felicidade, só peço que cuidem bem das minhas orquídeas e da minha cachorra.
Nesse momento olhei para ela no canil, era um cão fêmea, da raça "Pastor Alemão", não poderia levá-la comigo, não saberia onde iria morar, se teria o espaço para ela e também porque foi o último presente que dei ao Rodrigo. Só levaria comigo a pequena shih tzy, uma cachorra de pequeno porte e uma longa pelagem, já acomodada no banco traseiro da caminhonete. Virei em direção ao carro, pois era hora de partir, quando ouço os latidos acompanhados de um pequeno grunhido, algo como um pedido para não ficar para trás.
Volto em direção do canil da minha bela pastora com meus olhos cheios de lágrimas... abro a porta e ela vem lambendo e pulando alegre, sabendo da minha decisão. Então percebo que não poderia deixá-la, ela era a última lembrança do meu Amor "Rodrigo".
Raquel, de imediato pergunta como estão as vacinas e me lembra que necessito de autorização para levá-la comigo na viagem.
- Raquel, amiga, não posso deixá-la... onde eu estava com a cabeça? Atraso-me um pouco e na saída da cidade passo pela clínica e já faço a autorização para a viagem, aproveito e mando dar um banho na bichinha.
Agora sim, decidida a ir, olho para minha grande amiga, nos abraçamos, me despeço de todos, segurando as lágrimas e com a certeza que tomei a decisão certa.