As aulas finalmente chegaram ao fim, mas minha mente estava longe do que o professor havia explicado. Enquanto os outros guardavam seus materiais apressadamente, eu fechei meu caderno em um ritmo lento, distraído.
Meus pensamentos voltavam insistentemente ao que havia acontecido na biblioteca no dia anterior.
Arata e Ryuuji… o pedido de desculpas inesperado, a tensão densa entre os dois e, por fim, aquele gesto sutil que parecia indicar um recomeço. Era quase surreal.
Ver dois irmãos, separados por tantos anos de mágoas, dando um pequeno passo em direção à reconciliação me deixou pensando em como as relações podem ser complexas, mas também surpreendentemente resilientes.
Não pude evitar comparar com minha própria relação com meu pai. Talvez, algum dia, tivéssemos uma chance de reconstruir algo também…
Enquanto caminhava pelos corredores, meus pensamentos começaram a tomar outro rumo. Havia algo mais imediato, algo que fazia meu coração acelerar toda vez que lembrava: a reunião com Shihei Hajime. Um editor de verdade, representando uma das maiores editoras do país, queria discutir minha história. A minha história.
Cada vez que pensava nisso, uma mistura de empolgação e nervosismo tomava conta de mim. Era um sonho acontecendo, mas também um peso. Eu precisava estar à altura dessa oportunidade.
Me despedi rapidamente de Kaori, Seiji e Rintarou enquanto nos separávamos no portão da escola.
— Vejo vocês amanhã! — falei, acelerando os passos em direção a casa.
— Vai com calma, Shin — gritou Seiji, rindo. — Não vai querer tropeçar na calçada!
Revirei os olhos, mas não pude deixar de rir baixinho enquanto me afastava.
— Não vou tropeçar, Seiji. Não hoje!
Cheguei em casa e fui direto para o quarto, minha mente ainda girando com a expectativa da reunião. Peguei uma pasta e comecei a reunir tudo o que poderia ser útil: rascunhos, anotações e uma cópia do texto que enviei para o concurso.
Revisei rapidamente cada papel antes de guardá-los na pasta com cuidado. Era melhor estar preparado do que ser pego de surpresa.
Depois de organizar tudo, olhei para o armário, hesitante. Optei por uma camisa um pouco mais arrumada — nada formal demais, mas o suficiente para parecer apresentável. Fechei o botão do colarinho, peguei minha mochila e saí do quarto.
Na sala, minha mãe estava concentrada dobrando roupas, enquanto Hana estava no sofá, com os olhos colados na tela do celular, os dedos deslizando rapidamente.
— Vai sair? — Hana perguntou, sem nem olhar na minha direção, o tom mais de curiosidade do que real interesse.
— Tenho uma reunião — respondi, ajustando a alça da mochila no ombro.
Isso pareceu chamar a atenção dela. Hana finalmente desviou os olhos da tela e ergueu uma sobrancelha, o sorriso curioso se formando lentamente no rosto.
— Reunião? Uau… — Ela inclinou a cabeça. — É sobre o seu concurso, né?
— Algo assim. — Fiz uma pausa breve antes de acrescentar, tentando soar mais casual do que me sentia. — É com o editor da Editora Kousei. Vamos discutir sobre publicar um trecho da minha história.
Os olhos dela se arregalaram por um instante, e então ela deu aquele típico sorriso travesso que eu conhecia tão bem.
— Olha só! O irmãozinho tá ficando famoso! — disse, sacudindo o celular como se estivesse prestes a tirar uma foto minha para registrar o momento.
Minha mãe parou o que estava fazendo, virando-se para mim com um sorriso orgulhoso.
— Boa sorte, Shin. — A suavidade na voz dela fez meu peito aquecer. — Estamos muito orgulhosos de você.
— Obrigado… — murmurei, um pouco sem jeito, mas com um sorriso sincero.
Hana ergueu o punho fechado em um gesto de "vai com tudo" antes de voltar ao celular, enquanto minha mãe me lançava um último olhar encorajador.
Saí de casa, fechando a porta atrás de mim, e a brisa fresca da tarde me cumprimentou, aliviando um pouco o calor que subia pelo meu rosto. Enquanto começava a caminhar em direção ao prédio da editora, percebi que, por mais nervoso que estivesse, também havia algo dentro de mim que se sentia pronto. Pronto para dar o próximo passo.
As ruas estavam vivas com o movimento do final de tarde. Alunos voltavam da escola em pequenos grupos, carregando mochilas e conversando animadamente; pessoas caminhavam apressadas, equilibrando sacolas de compras nas mãos; e o som constante de carros passando preenchia o ar. Para mim, no entanto, tudo isso era um borrão distante. Meu foco estava completamente na reunião que se aproximava.
Cada passo que eu dava parecia carregar um peso crescente. O que Shihei pensaria ao me ver? Será que ele esperava mais de mim do que eu podia entregar? Meu coração acelerava a cada nova pergunta que surgia na minha mente, mas a única certeza que eu tinha era que eu precisava fazer isso dar certo.
Quando finalmente cheguei ao prédio da Editora Kousei, parei na calçada e levantei os olhos. A fachada moderna, com janelas de vidro que refletiam o céu alaranjado, parecia ainda mais imponente do que na última vez que estive ali. O letreiro discreto, mas elegante, brilhava suavemente na luz do entardecer, como um símbolo silencioso do prestígio que aquele lugar carregava.
Respirei fundo, tentando controlar o nervosismo que subia como uma maré. Fechei os olhos por um instante e apertei a alça da minha mochila, empurrando as portas de vidro, entrando no saguão espaçoso e iluminado.
A sensação era quase a mesma da primeira vez que pisei ali, mas, de alguma forma, o lugar parecia ainda mais grandioso. O piso brilhava sob os feixes de luz suave que vinham dos pendentes modernos no teto. O balcão de recepção estava no centro, como um ponto de equilíbrio no ambiente vasto, e pôsteres de capas de livros famosos decoravam as paredes, suas cores vibrantes e títulos chamativos contrastando com o design minimalista do espaço.
Reconheci algumas das capas imediatamente. Eram os mesmos pôsteres que vi quando vim entregar minha história para o concurso, mas, desta vez, a sensação era diferente. Em vez de intimidação, senti algo como inspiração.
Caminhei até o balcão, onde uma recepcionista uniformizada me recebeu com um sorriso profissional, sua postura impecável.
— Boa tarde! Em que posso ajudar? — perguntou, com uma voz gentil, mas firme.
— Boa tarde. Tenho uma reunião marcada com o editor Hajime Shihei. — Minha voz saiu calma, mas eu sentia o nervosismo pulsando sob a superfície.
Ela assentiu, puxando o telefone com um movimento eficiente e discando rapidamente.
— Um momento, por favor. Vou informar que você chegou. — Ela levou o telefone ao ouvido, enquanto eu tentava manter a compostura.
Enquanto aguardava, deixei meus olhos vagarem pelo saguão. Agora que estava mais calmo, comecei a notar os pequenos detalhes: as plantas altas nos cantos, que traziam um toque de verde ao espaço moderno; os reflexos das luzes nas janelas de vidro, que mostravam o movimento lá fora; e, claro, os pôsteres. Aqueles mesmos pôsteres que pareciam inalcançáveis meses atrás agora pareciam um lembrete tangível do que era possível alcançar.
A recepcionista desligou o telefone, voltando-se para mim com o mesmo sorriso educado.
— O senhor Shihei já está a caminho. Ele vai encontrá-lo aqui no saguão em alguns minutos.
Assenti, agradecendo educadamente. Meu coração deu um pequeno salto. Era isso. Estava prestes a encontrar alguém que tinha o poder de transformar minha história em algo muito maior do que eu poderia imaginar.
Enquanto esperava, observei as pessoas ao redor. Um homem em terno passava apressado com uma pasta cheia de papéis, enquanto duas mulheres, aparentemente assistentes, discutiam algo olhando para um tablet. O ambiente tinha uma energia única, quase elétrica, como se cada pessoa ali carregasse uma história ou uma ideia prestes a ganhar vida.
E então, um movimento à minha esquerda chamou minha atenção. Um homem com uma postura confiante, vestindo um blazer casual e segurando uma prancheta, se aproximava com um sorriso caloroso e amigável. Era ele. Hajime Shihei.
— Shin Yamamoto! — exclamou Shihei, estendendo a mão com um sorriso caloroso.
— Boa tarde, senhor Shihei. — Apertei sua mão, sentindo a firmeza e a energia que ele transmitia.
Ele ergueu uma sobrancelha, o sorriso se ampliando.
— Senhor? Eu pareço tão velho assim?
— Ah, não! Não foi isso que eu quis dizer! É só que… — Minhas palavras saíram atropeladas, e o calor subiu rapidamente pelo meu rosto.
Ele soltou uma risada alta e descomplicada, balançando a cabeça.
— Relaxa, garoto. Eu só estava brincando. — Ele soltou minha mão e fez um gesto para que eu o acompanhasse. — Vamos para a sala de reuniões?
Ainda um pouco constrangido, assenti e comecei a segui-lo.
O corredor era amplo, com janelas altas que permitiam a entrada da luz dourada do final da tarde. Conforme caminhávamos, passávamos por salas de vidro onde editores trabalhavam em silêncio, revisando manuscritos ou digitando em laptops.
Outras salas abrigavam discussões mais animadas, com papéis espalhados sobre as mesas e vozes baixas preenchendo o ar. Havia uma energia única no lugar, algo que combinava profissionalismo com criatividade pura.
Eu não conseguia desviar os olhos, absorvendo cada detalhe. Era como se eu tivesse sido transportado para um universo que, até então, só existia nos meus sonhos.
— Impressionante, não é? — comentou Shihei, percebendo meu fascínio.
— Muito… — admiti, minha voz quase um sussurro.
Ele sorriu, como se entendesse exatamente o que eu estava sentindo.
— É aqui que a mágica acontece, Shin.
Poucos passos depois, ele abriu a porta que dava a entrada a uma sala maior, onde várias cabines abertas estavam dispostas lado a lado.
Alguns editores estavam concentrados, mergulhados em papéis e telas, enquanto outros conversavam com pessoas que pareciam ser autores, apontando para manuscritos ou rabiscando notas em pranchetas. O som era uma mistura suave de vozes, o leve bater de teclados e o ocasional virar de páginas.
Eu parei por um momento, deixando o ambiente me envolver. Era um espaço vivo, repleto de histórias sendo moldadas, sonhos sendo discutidos e ideias ganhando forma.
Shihei se virou para mim, os olhos brilhando com um entusiasmo contagiante.
— Bem-vindo ao coração da Editora Kousei! — Ele apontou para uma mesa ao fundo, onde duas cadeiras estavam posicionadas. — Vamos sentar ali.
Ainda tentando processar tudo, apenas assenti, seguindo-o enquanto meu coração batia mais rápido. Eu estava exatamente onde sempre sonhei estar, e a realidade era ainda mais grandiosa do que eu podia imaginar.