Nos acomodamos em uma mesa próxima à janela, onde a luz do fim de tarde criava um brilho quente sobre a superfície de vidro. Uma assistente apareceu silenciosamente e colocou duas xícaras de café à nossa frente, acompanhadas de pequenos pacotes de açúcar.
Coloquei minha pasta sobre a mesa, tentando parecer calmo, mas minhas mãos traíam meu nervosismo, ajustando a alça da mochila sem necessidade.
Shihei sorriu para mim, abrindo uma das pastas que trouxe consigo. Ele parecia confortável, como alguém acostumado a fazer isso diariamente, enquanto eu sentia meu coração acelerar.
— Vamos direto ao ponto. — Ele deslizou uma cópia impressa do meu manuscrito sobre a mesa, batendo levemente no papel com a ponta dos dedos. — Sua história é incrível.
O impacto da palavra me atingiu de forma quase física. Ele continuou, seus olhos brilhando com entusiasmo.
— Os jurados ficaram impressionados com sua habilidade de criar personagens. Não é qualquer um que consegue dar tanta profundidade emocional a eles. É algo raro de se ver em novos escritores, principalmente com a sua idade.
Meu rosto esquentou, e por um momento não soube como responder.
— Obrigado. — As palavras saíram um pouco hesitantes, mas carregadas de gratidão. — Mas… para ser honesto, eu não teria conseguido sem o apoio dos meus amigos.
Shihei inclinou a cabeça levemente, um sorriso mais descontraído surgindo.
— É sempre bom ter uma boa equipe de suporte, não é? — Ele segurou a xícara de café, mas logo sua expressão ficou um pouco mais séria. — Agora, vamos falar sobre como podemos dar o próximo passo com essa história.
Assenti, engolindo em seco enquanto ele folheava as páginas do manuscrito.
— Para a revista, queremos refinar e publicar um trecho seu como uma prévia para o público. Algo que capture o tom e a essência da sua história, mas que também seja direto o suficiente para fisgar o leitor imediatamente.
— Entendi. — Minha voz saiu mais firme desta vez, mas a curiosidade me consumia. — Você mencionou que precisa de alguns refinamentos?
— Sim, refinamentos. — Ele encontrou uma página específica no manuscrito e girou o papel na minha direção, apontando para uma parte do texto. — Aqui, por exemplo.
Me inclinei ligeiramente sobre a mesa para observar.
— Essa cena é forte, mas o impacto dela poderia ser ainda maior. A narrativa é boa, mas há algumas partes onde você se estende um pouco demais. Tornar isso mais conciso poderia amplificar o peso emocional do momento.
Eu olhei para o texto com atenção. A cena parecia exatamente como eu me lembrava, mas à medida que ele falava, começava a perceber os detalhes que poderiam ser ajustados.
— Aqui também — ele continuou, virando para outra página. — O diálogo é natural, mas um pequeno ajuste no ritmo faria os personagens soarem ainda mais reais.
Era... fascinante. Ele enxergava nuances que eu nunca tinha percebido. Era como se tivesse uma lente que lhe permitisse ver além do óbvio.
— Uau… — murmurei, mais para mim mesmo.
Ele sorriu, balançando a cabeça.
— Editores são assim. — Sua voz tinha um tom descontraído, quase brincalhão. — Nossa função é tirar o melhor de você. E, acredite, você já tem muito a oferecer. Pequenos ajustes como esses são apenas parte do processo.
Respirei fundo, deixando as palavras dele se assentarem. Era impossível não me sentir animado e desafiado ao mesmo tempo.
Depois de discutir os ajustes na minha história, Shihei mudou o tom da conversa. Seu olhar ficou mais curioso, quase provocador, enquanto apoiava os braços na mesa e inclinava-se levemente para frente.
— Já pensou em começar a planejar uma nova obra?
A pergunta me pegou de surpresa.
— Uma nova obra? — repeti, como se a ideia fosse algo distante demais para considerar.
— Sim. — Ele deu um sorriso de canto, ajustando os óculos antes de continuar. — Publicar na revista semanal pode ser apenas o começo. Muitos autores começaram assim e agora têm séries próprias, best-sellers, adaptações para séries, filmes, animes… Você entende o que quero dizer.
Houve uma pausa. A seriedade em sua expressão era inconfundível.
— Me diga, você já leu mangás?
— Já… alguns. — Respondi rapidamente, mas enquanto as palavras saíam, lembrei-me de minha pequena coleção que agora estava guardada em uma caixa empoeirada no meu quarto.
Eu costumava ler bastante quando era mais novo. Não livros, claro — nunca cheguei tão longe —, mas mangás. Eles eram meu refúgio quando eu ficava entediado com os meus jogos.
Shihei notou o brilho momentâneo em meus olhos e sorriu.
— Então você sabe como funciona as revistas semanais. Elas são como vitrines. É onde talentos emergentes encontram seu público pela primeira vez. — Ele gesticulou levemente, como se apontasse para algo além do espaço da sala. — Se o público gostar do que vê, as possibilidades se expandem. E quem sabe? Um dia, sua história pode se tornar algo muito maior.
Minhas mãos ficaram tensas ao redor da xícara de café. As palavras dele ressoavam de uma maneira que era impossível ignorar. Eu sentia meu coração acelerar, uma mistura de empolgação e medo do desconhecido.
— Algo maior… — murmurei, repetindo suas palavras como se precisasse processá-las.
— Exatamente. — Shihei inclinou-se para trás, relaxando a postura enquanto um sorriso confiante iluminava seu rosto. — Já vi isso acontecer várias vezes. Autores que começaram pequenos, publicando apenas um capítulo ou uma prévia. E agora? Alguns deles são nomes que dominam as livrarias e têm filas enormes de leitores esperando por suas obras.
Ele fez uma pausa, como se me desse um momento para absorver o que havia dito.
— O importante, Shin, é que você comece a pensar grande. Seu talento é evidente, mas o que realmente vai definir seu caminho é o quanto você está disposto a se dedicar, a crescer e, mais importante, a ousar.
Houve um silêncio breve, mas intenso, enquanto as palavras dele ecoavam na minha mente. Era como se, de repente, um mundo inteiro de possibilidades tivesse se aberto diante de mim, tão vasto e cheio de promessas que era quase intimidante.
Shihei sorriu de novo, desta vez de um jeito mais leve, quase brincalhão.
— Mas não se preocupe, não estou dizendo que você precisa resolver tudo agora. Um passo de cada vez. Primeiro, vamos focar nessa prévia para a revista. Depois, quem sabe?
Ele começou a compartilhar algumas histórias sobre outros autores. Falou de um que quase desistiu, mas depois conseguiu transformar sua história curta em uma série premiada. Outro que era rejeitado constantemente até finalmente encontrar seu público. Cada anedota parecia carregar uma mensagem: o caminho seria difícil, mas possível.
Eu ouvi cada palavra com atenção, sentindo-me inspirado, mas também ciente de que havia muito a aprender.
— Parece que você realmente gosta de encontrar talentos novos, hein? — comentei, com um sorriso tímido.
— Gosto mesmo. — Ele riu, pegando o manuscrito novamente e folheando as páginas como se avaliasse algo mais. — Afinal, é o meu trabalho. Mas o mais gratificante é ver alguém como você perceber o próprio potencial e usá-lo ao máximo.
O peso daquelas palavras me atingiu de um jeito inesperado. Ali, sentado diante de um editor renomado, percebi que estava em um ponto de partida para algo que poderia transformar minha vida. Era assustador, mas ao mesmo tempo, extraordinário.
— Obrigado. — Falei finalmente, minha voz carregada de uma sinceridade que nem tentei esconder.
Shihei apenas acenou, como se dissesse "não há de quê", antes de pegar sua xícara de café e dar um gole, encerrando aquele momento de revelações com uma simplicidade que parecia tão natural para ele.
Quando a reunião terminou, Shihei estendeu a mão novamente, seu aperto firme transmitindo confiança.
— Lembre-se, Shin: revisão é a alma da escrita. Trabalhe nos ajustes que discutimos e envie o material na próxima semana.
— Sim, farei isso. — Assenti, tentando conter a mistura de empolgação e nervosismo. — E… obrigado. Por acreditar na minha história.
Shihei sorriu, aquele sorriso tranquilo que parecia carregar uma certeza inabalável.
— Eu acredito no seu talento, Shin. — Ele ajustou os óculos, o olhar firme enquanto acrescentava: — Mal posso esperar para ver o que você fará a seguir.
As palavras dele ecoaram na minha mente enquanto eu saía do prédio. O céu estava tingido por tons suaves de laranja e rosa, marcando o final da tarde. Uma brisa leve passava pela rua movimentada, mas, para mim, o mundo parecia desacelerar.
Caminhei em direção à biblioteca com passos firmes, cada passo acompanhado por uma determinação que eu não sentia há muito tempo. A reunião não tinha apenas me dado instruções ou críticas; tinha reacendido algo dentro de mim. Um sonho que, por mais audacioso que parecesse, agora parecia… alcançável.
Quando entrei na biblioteca, o som familiar das páginas sendo folheadas e do carrinho de livros sendo empurrado por Arata me acolheu. Coloquei minha mochila de lado e comecei a organizar os livros nas prateleiras, deixando minha mente vagar enquanto trabalhava.
Foi então que meus olhos se detiveram em uma seção específica: prateleiras inteiras dedicadas à Editora Kousei. Capas vibrantes e nomes renomados ocupavam cada espaço. Passei os dedos por uma das lombadas, sentindo a textura do papel.
Ali, parado diante daquela seção, uma ideia tomou forma na minha mente, clara e inabalável:
Um dia, o meu nome estaria ali.
Deixei escapar um leve sorriso, um sorriso carregado de determinação. O futuro era incerto, mas, naquele momento, eu sabia que faria de o possível para alcançá-lo.