O café estava banhado por uma luz suave da manhã, enquanto o som ritmado de xícaras tilintando e pedidos sendo anotados preenchia o ar. Nossa mesa era uma bagunça confortável: pratos vazios, talheres espalhados, e Seiji terminando a sua segunda rodada de pães como se fosse a primeira.
Apesar do caos, o ambiente estava descontraído, e eu me sentia à vontade… ou quase. Meus pensamentos ainda estavam voltados para a mensagem de Yuki, o sorriso dela ao me convidar para estudar. Percebi tarde demais que um sorriso involuntário havia surgido no meu rosto.
— Shin, que sorriso bobo é esse? — Ele perguntou, inclinando-se sobre a mesa com uma expressão exageradamente séria. — Tá tão feliz assim por estar com a gente?
— Hã? Que sorriso? — Tentei disfarçar, olhando para fora, como se o movimento apressado das pessoas na rua tivesse chamado minha atenção.
Kaori, segurando um pedaço de bolo com o garfo, arqueou uma sobrancelha e se juntou à provocação.
— Ou será que está tão feliz porque o Rintarou vai salvar sua pele nas provas? — Ela sorriu maliciosamente, saboreando cada palavra mais do que o próprio bolo.
— Não tem nada a ver com isso! — Respondi rápido demais, minha voz quase engasgando. — Vocês estão imaginando coisas.
— Imaginar coisas é minha especialidade. — Kaori piscou antes de voltar ao bolo, claramente se divertindo.
Seiji soltou uma gargalhada e deu um tapa amigável nas costas de Rintarou.
— Viu? Até a Kaori sabe pegar no pé do Shin. Isso só pode significar que estamos certos.
— Vocês dois não dão um segundo de paz. — Rintarou balançou a cabeça, ajustando os óculos com um suspiro. Mas o leve sorriso no canto de seus lábios denunciava que ele também estava se divertindo.
Seiji inclinou-se para trás, cruzando os braços atrás da cabeça como se estivesse encerrando um caso.
— Tá bom, tá bom. Mas agora falando sério, Shin. O que você ia contar pra gente? Sobre ontem?
Respirei fundo, preparando-me para responder. Não era algo que eu tinha planejado dizer tão cedo, mas eles mereciam saber.
— Ah, sim. Vocês lembram do editor que veio falar comigo no dia do concurso?
— O cara de terno que parecia muito sério? Claro. — Seiji assentiu, franzindo a testa como se estivesse tentando visualizar a cena. — O que tem ele?
— Ele marcou uma reunião comigo. Fui à Editora Kousei ontem, e… eles querem publicar um trecho da minha história numa revista semanal.
Kaori congelou no lugar, os olhos arregalados. O garfo que ela segurava quase caiu da mão.
— O quê?! — exclamou, seu tom tão alto que quase fez as pessoas nas mesas vizinhas olharem. — Isso é incrível, Shin!
Seiji, no entanto, coçou a cabeça com uma expressão confusa.
— Revista semanal? Isso é bom?
Kaori suspirou dramaticamente, inclinando-se na mesa como se explicasse algo óbvio para uma criança.
— Seiji… é uma das maiores oportunidades que um escritor iniciante pode ter! É tipo… a porta de entrada para algo muito, mas muito maior! Entendeu agora?
— Ah, agora faz sentido. — Ele sorriu e deu outro tapa amigável nas minhas costas, desta vez com mais força do que o necessário. — Então, parabéns, Shin! Você merece!
— Obrigado. — Meu sorriso cresceu, e senti uma onda de calor agradável no peito ao ouvir as palavras de apoio. — Mas, sério… isso só aconteceu porque vocês sempre me apoiaram.
— Ei, não diga coisas assim! — Seiji fez uma careta exagerada, fingindo cobrir o rosto de vergonha. — Você vai me deixar sem graça, cara!
Kaori começou a rir, quase cuspindo um pedaço de bolo, e Rintarou balançou a cabeça novamente, segurando uma risada.
A energia leve e descontraída do grupo me ajudava a relaxar, mesmo que, no fundo, meus pensamentos ainda estivessem fixados em Yuki.
A caminhada até a escola foi animada e cheia de risos, como sempre. Seiji, como habitual, não perdeu a oportunidade de provocar.
— Ei, vocês viram quanto bolo a Kaori comeu? Aposto que ela vai rolar em vez de correr na aula de educação física! — Ele riu, lançando um olhar zombeteiro na direção dela.
Kaori parou abruptamente, com uma expressão de indignação exagerada.
— Seiji, eu vou te mostrar quem vai rolar! — disse, arregaçando as mangas como se estivesse pronta para uma briga.
Seiji arregalou os olhos por um segundo antes de dar meia-volta e começar a correr na direção oposta.
— Calma, foi só uma piada! — gritou enquanto Kaori corria atrás dele, o som de suas gargalhadas ecoando pela rua.
Rintarou, caminhando ao meu lado com uma expressão impassível, suspirou profundamente.
— Eles nunca mudam...
— É — Respondi, rindo enquanto observava os dois correndo em círculos.
Quando finalmente alcançamos os portões da escola, Seiji e Kaori já estavam sem fôlego, mas ainda discutindo como dois irmãos teimosos. A energia deles era contagiante, tornando o início do dia... um pouco mais leve.
Quando chegamos à sala, me sentei no meu lugar, tentando ajustar a postura e focar na aula que estava prestes a começar. O professor, como sempre meticuloso, já estava no quadro, escrevendo fórmulas com uma caligrafia impecável, suas explicações ecoando pelo ambiente.
— Então, se pegarem nesta fórmula e aplicarem aqui — dizia o professor.
Tentei prestar atenção, mas era como se as palavras passassem direto por mim, sem realmente se fixarem.
Minha mente vagava, inevitavelmente atraída para outro lugar: a biblioteca, o estudo com Yuki, a forma como ela havia me convidado de maneira tão natural.
O que eu deveria revisar primeiro? Português? Não… talvez História fosse uma escolha melhor. Matemática também precisava de atenção, minhas notas não eram tão altas assim.
— Shin. — Uma voz cortou meus devaneios, chamando-me de volta à realidade.
Pisquei, ainda processando o chamado, mas minha mente estava lenta demais para acompanhar. Será que eu deveria levar meu caderno de exercícios?
— Shin! — A voz do professor veio novamente, mais firme e carregada de impaciência, cortando meus pensamentos como uma navalha.
Endireitei-me rapidamente na cadeira, minha respiração acelerando enquanto meus olhos encontravam os dele.
— Sim, professor?
Ele suspirou profundamente, cruzando os braços com um olhar que era a mistura perfeita de irritação e expectativa.
— Pode responder à pergunta no quadro?
Meu olhar se virou para o quadro branco, onde uma fórmula estava escrita em letras grandes e claras. Mas, para mim, era como se fosse um idioma desconhecido. Minha mente ficou em branco, e as palavras do professor ecoaram como um ruído distante.
Força… algo sobre movimento? Terceira… terceira o quê? Meu coração começou a acelerar, e o calor subiu pelo meu rosto. Estava completamente perdido.
— É a terceira lei de Newton. — Uma voz baixa e calma sussurrou ao meu lado, suave o suficiente para não chamar atenção, mas clara o bastante para me tirar do desespero.
Virei-me ligeiramente, apenas o suficiente para ver Yuki. Seus olhos brilhavam com uma tranquilidade desconcertante, e havia um pequeno sorriso nos lábios, como se ela soubesse exatamente o peso que tinha acabado de tirar dos meus ombros.
Aquela calma serena dela… parecia quase inabalável, e por um instante, me senti ainda mais perdido. Mas não havia tempo para pensar nisso.
— Ah… é a terceira lei de Newton. — Repeti, tentando soar confiante, mesmo enquanto sentia o calor subir pelo meu rosto e minhas mãos ficarem inquietas embaixo da mesa.
O professor levantou uma sobrancelha, avaliando minha resposta antes de assentir.
— Correto. Finalmente está prestando atenção, Shin. Continue assim!
Uma onda de alívio percorreu meu corpo, e voltei à minha posição, soltando um suspiro silencioso. Meu coração ainda estava acelerado, mas agora era uma mistura de alívio e algo mais indefinível. Sem conseguir evitar, lancei outro olhar de canto para Yuki.
Ela já havia voltado sua atenção para o quadro, seu rosto calmo e focado, como se nada tivesse acontecido. Era impressionante como ela parecia estar sempre em controle, sempre um passo à frente. Aquela serenidade… quase fazia parecer que salvar minha pele era a coisa mais natural do mundo para ela.
Apoiei o cotovelo na mesa, inclinando-me levemente, minha mente vagando por pensamentos que não envolviam exatamente a terceira lei de Newton.
Já era a segunda vez que Yuki me ajudava assim, e a segunda vez que eu percebia o quanto precisava melhorar. Talvez eu devesse realmente me esforçar mais. Não apenas por mim, mas porque, de algum jeito, queria estar à altura daquela calma e confiança dela.
Suspirei de novo, dessa vez com um leve sorriso de lado. Eu definitivamente precisava estudar mais… pelo menos para não depender tanto dela.