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Chapter 57 - Reconciliação em Fragmentos

A luz suave do fim de tarde ainda dançava na janela, iluminando os traços cansados, mas serenos, do rosto de Arata. Ele mantinha aquele sorriso pequeno, resignado, como se estivesse tentando deixar o peso do passado enterrado ali mesmo, na poeira suspensa no ar.

Por mais que tentasse, eu não conseguia afastar o aperto no peito ao olhar para ele. Tudo o que ele havia compartilhado… as pressões, as feridas, as despedidas… ainda era difícil acreditar que ele carregava tanta coisa dentro de si.

— Eu… — comecei, hesitante, enquanto escolhia cuidadosamente as palavras. — Não fazia ideia de que tinha sido tão difícil para você...

Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia, quase como um sussurro, mas a sinceridade estava ali, pendurada em cada letra.

Ele inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, como se ponderasse minha reação, antes de dar de ombros. O gesto foi casual, mas os olhos dele… carregavam um peso que sua postura descontraída tentava disfarçar.

— Não se preocupe com isso! — Ele sorriu, um sorriso que parecia mais ensaiado do que natural. — É tudo passado agora.

Houve uma pausa. Eu abri a boca para dizer algo, mas as palavras não vieram. Como eu poderia responder a algo assim? Parecia quase invasivo querer explorar mais a dor dele, como se estivesse cutucando uma ferida que ele finalmente havia começado a deixar cicatrizar.

Mas foi Arata quem quebrou o silêncio, inclinando levemente a cabeça para mim, o sorriso em seu rosto suavizando-se até se tornar genuíno, quase caloroso.

— Quer saber de uma coisa engraçada? — Ele apontou para a fileira de livros ao nosso lado. — Mesmo depois de tudo, eu acabei voltando a gostar de ler. Não como antes, claro, mas o suficiente para me divertir.

Fiquei surpreso, a expressão de incredulidade evidente no meu rosto.

— Sério?

— É. — Ele assentiu, rindo baixinho. — No fim, foi isso que me trouxe pra cá. Quer dizer, faz sentido, não é? Trabalhar cercado de livros, onde as palavras não exigem nada de mim.

A maneira como ele disse isso parecia carregar uma leveza que contrastava com o que havia compartilhado antes. Mesmo assim, havia algo reconfortante em saber que ele tinha encontrado uma maneira de reconectar-se, mesmo que parcialmente, com algo que um dia significou tanto para ele.

— Mas escrever… — Ele balançou a cabeça, o sorriso assumindo um tom mais resignado. — Acho que isso ficou pra trás. Talvez eu esteja enferrujado demais, ou talvez... simplesmente não seja mais pra mim.

— Nunca diga nunca. — A resposta escapou antes que eu pudesse pensar, mas não era só uma tentativa de motivação; era uma verdade que eu sentia profundamente.

Arata soltou uma risada curta, mas havia um brilho nos olhos dele que indicava que minhas palavras não tinham passado despercebidas.

— Talvez. — Ele deu de ombros novamente, mas desta vez, o gesto parecia mais leve.

Antes que eu pudesse perguntar algo mais ou continuar a conversa, o som da porta da biblioteca se abrindo ecoou pelo espaço silencioso. Ambos nos viramos instintivamente para a entrada.

— Parece que finalmente temos um cliente! — Arata ajustou o avental com um movimento rápido, quase automático, enquanto caminhava em direção ao balcão. Ele olhou por cima do ombro, lançando um sorriso casual na minha direção. — Hora de voltar ao trabalho, Shin!

Eu o segui, ainda processando tudo o que tinha ouvido. A chegada do cliente interrompeu a conversa, mas as palavras de Arata continuavam a ecoar na minha mente, como se carregassem mais significados do que ele deixava transparecer.

Mas, quando ele se virou para o balcão, vi o corpo de Arata enrijecer. Seus ombros ficaram tensos, e seus olhos arregalaram-se por um breve instante antes de ele recompor sua expressão.

— Ryuuji? — murmurou, quase inaudível.

E lá estava ele. Ryuuji Akagi.

Ele entrou no espaço com passos lentos, os olhos avaliando o ambiente antes de pousarem sobre mim. Sua expressão, já naturalmente séria, se tornou ainda mais azeda.

— Você aqui também? — resmungou, o tom carregado de desdém. — Que maravilha…

Ele desviou o olhar e caminhou até o balcão, mas não encarou Arata diretamente. Em vez disso, ficou parado, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco, o olhar fixo no chão como se estivesse enfrentando uma batalha interna.

O silêncio que se seguiu era sufocante, denso como o ar antes de uma tempestade. Eu podia sentir a tensão irradiando de ambos os lados.

Arata parecia petrificado atrás do balcão, as mãos apertando o tampo de madeira com tanta força que seus dedos ficaram brancos. Seu olhar vagava entre o irmão e o chão, como se não soubesse onde pousar.

E então, de repente, Ryuuji quebrou o silêncio.

— Desculpa.

A palavra ecoou na biblioteca como uma pedra lançada em um lago calmo.

Arata piscou, chocado, como se não acreditasse no que tinha acabado de ouvir.

— O quê? — A pergunta saiu mais como um reflexo do que como uma resposta.

Ryuuji suspirou profundamente, levantando o olhar para encarar o irmão com uma expressão que misturava irritação e constrangimento.

— Você ouviu bem. — Sua voz era firme, mas cada palavra parecia pesada, como se fosse arrancada à força. — Eu perdi a aposta, tá bom? E agora estou aqui… pedindo desculpas.

Havia algo no tom dele — uma mistura de frustração e orgulho ferido — que tornava o momento ao mesmo tempo absurdo e trágico.

Arata continuava imóvel, como se estivesse tentando processar o que estava acontecendo.

— Isso é sério? — A voz dele saiu hesitante, quase incrédula.

Ryuuji revirou os olhos, cruzando os braços com um gesto abrupto.

— Sim, é sério! — respondeu claramente irritado, desviando o olhar. — Não vou repetir, então aproveita!

A situação era tão inesperada que quase parecia cômica, mas o peso emocional que pairava entre os dois irmãos anulava qualquer vontade de rir.

Ryuuji então virou-se para mim, como se quisesse desviar a atenção do momento. Seu olhar era penetrante, e, mesmo que eu não tivesse feito nada, senti meu estômago revirar sob sua análise.

— E você… — ele começou, apontando um dedo em minha direção. — Sorte de principiante. Nada mais que isso. Na próxima vez, não vai acontecer de novo.

— Hã… certo. Entendi — Respondi, ainda tentando entender tudo o que estava acontecendo.

Ele bufou, desviando o olhar novamente, e então começou a caminhar em direção à porta, como se quisesse escapar do lugar o mais rápido possível.

Mas, antes que ele pudesse sair, a voz de Arata o chamou.

— Ryuuji.

O tom era baixo, quase um sussurro, mas carregava uma sinceridade tão palpável que fez Ryuuji parar no mesmo instante.

— Obrigado… e… desculpa também.

Ryuuji ficou de costas para nós, imóvel, por alguns segundos que pareceram se arrastar por uma eternidade. Ele não olhou para trás, mas sua postura mudou ligeiramente.

— ...Volte logo pra casa. — Ele resmungou, o tom tão baixo que eu quase não ouvi. — Mamãe está preocupada com você.

E então, sem esperar por uma resposta, ele abriu a porta e saiu, o som do sino da entrada reverberando na biblioteca vazia.

Olhei para Arata, que ainda estava parado no balcão, com uma expressão difícil de decifrar. Seus olhos estavam um pouco brilhantes, e ele piscou rapidamente, esfregando o canto do olho com a manga do avental.

— Arata, você está bem?

Ele sorriu, mas havia algo frágil naquele sorriso.

— Claro! Estou bem. — Ele soltou uma risada breve e forçada, passando a mão pelo cabelo. — Vamos voltar ao trabalho, certo? Não temos o dia todo.

Apesar das palavras, eu sabia que ele estava processando o que tinha acabado de acontecer. E, enquanto ele se movia lentamente pelo espaço, comecei a pensar sobre o que tinha acabado de acontecer.

Ryuuji e Arata. Dois irmãos que pareciam tão distantes, mas que, naquele breve momento, deram um passo em direção a algo que talvez, só talvez, fosse uma reconciliação.

E eu… bom, parecia que eu ainda tinha algo a provar. Talvez minha vitória tenha sido sorte, mas, no futuro, eu mostraria que era muito mais do que isso.

Arata passou por mim, dando um leve tapinha no meu ombro, o sorriso brincalhão de sempre voltando lentamente ao rosto.

— Vamos lá, Yamamoto! Você não vai esperar o patrão aparecer aqui, vai?

Eu sorri de leve, balançando a cabeça enquanto voltava ao trabalho. O peso do momento ainda pairava no ar, mas havia algo de esperançoso na maneira como tudo terminou.

Talvez… só talvez, algumas coisas realmente pudessem ser consertadas com o tempo.