A biblioteca parecia envolta em um silêncio mais denso que o habitual, como se as paredes estivessem absorvendo as palavras não ditas de Arata. Ele estava imóvel, o olhar perdido em algum ponto além de onde eu podia enxergar. Mesmo sem falar, ele parecia dizer tanto que era quase sufocante.
Eu fiquei quieto, esperando, sentindo a expectativa aumentar a cada segundo. Qualquer palavra minha poderia soar deslocada, como um som fora de compasso em uma melodia que precisava de tempo para ser ouvida.
Finalmente, ele respirou fundo, o movimento quase imperceptível, e então sua voz quebrou o silêncio com um peso que me fez segurar o fôlego.
— Eu fui rejeitado.
A simplicidade da frase bateu como um trovão abafado, carregando uma força inesperada.
— Re-rejeitado? Como assim? — murmurei, incapaz de conter a pergunta, embora a resposta estivesse implícita.
Ele me encarou por um instante, como se estivesse decidindo quanto deveria compartilhar, e então desviou o olhar, sua expressão carregada de uma calma forçada.
— Durante o jantar… no dia em que eu disse que estava desistindo de tudo.
Arata inclinou levemente a cabeça, os olhos fixos em algo invisível, como se estivesse revivendo aquele momento.
— Meu pai levantou da cadeira na mesma hora. Ele me encarou como se eu tivesse dito algo incompreensível, algo que não podia existir. E então perguntou… — Ele pausou, a voz ficando mais baixa. — "O que você quer dizer com isso?"
Eu conseguia imaginar a cena, mesmo não conhecendo o pai dele. O peso no ar, o olhar rígido, o tom afiado. Era como se cada palavra tivesse sido uma faca lançada em direção a Arata.
— Eu repeti. Mais devagar, mais claro… — Ele fechou os olhos brevemente, como se tentasse afastar a memória. — Disse que não queria mais ser escritor. Que não ia continuar o legado da família. Que… eu não tinha mais amor pela escrita. Nem de ler livros.
A pausa que se seguiu parecia interminável. Quando ele voltou a falar, a voz estava rouca, quase um sussurro.
— Meu pai ficou em silêncio por alguns segundos. E então, de repente, eu senti.
Ele tocou levemente o próprio rosto, o gesto tão automático que parecia mais um reflexo do que algo consciente.
— Um tapa. Direto.
Meus olhos se arregalaram, e o ar pareceu sumir dos meus pulmões.
— Tapa? — A palavra escapou da minha boca antes que eu pudesse me segurar.
Arata soltou um riso seco, mas não havia humor nele.
Aqui está uma versão aprimorada com pensamentos mais profundos e detalhados de Shin:
— Sim. Foi tão rápido que eu mal percebi. — Ele olhou para mim, e não havia raiva em seus olhos, apenas uma aceitação que era ainda mais dolorosa de se ver. — Depois disso, ele simplesmente se retirou da mesa e saiu. Nem uma palavra.
Eu não consegui responder. Minha voz parecia presa em algum lugar, sufocada pela força das palavras dele. Na minha mente, a cena que ele descrevia ganhava vida de forma vívida e desconfortável. Era como se eu pudesse ver o jovem Arata sentado ali, cercado por pratos e conversas interrompidas, enquanto tudo desmoronava ao seu redor em questão de segundos.
Era difícil imaginar o Arata que eu conhecia sendo atingido de forma tão brutal e repentina por alguém que deveria ser sua maior fonte de apoio.
Ele voltou o olhar para o chão, o sorriso melancólico aparecendo novamente, como se fosse a única coisa que pudesse oferecer para encerrar aquele pedaço da história.
— Foi assim que começou.
A simplicidade de suas palavras carregava um peso esmagador. Minha boca ficou seca, e meu peito parecia apertado. Eu sabia que havia mais por trás de tudo o que ele dizia, mas o que ele havia revelado já era suficiente para deixar claro o quanto ele havia suportado.
— Minha mãe… — Ele começou, mas sua voz falhou por um instante. Ele respirou fundo antes de continuar, os olhos fixos na mesa ao lado. — Ela ficou em silêncio. Me olhava como se quisesse dizer alguma coisa, mas não sabia por onde começar. Acho que, no fundo, ela também estava tentando entender o que estava acontecendo.
Ele parou, os dedos tamborilando levemente contra o balcão, como se estivesse tentando preencher o vazio do silêncio.
— E Ryuuji… — Um outro sorriso melancólico surgiu em seus lábios, mas não havia alegria ali, apenas uma sombra do que poderia ter sido. — Ele era só um garoto naquela época. Ficou paralisado. Não sabia o que fazer, o que dizer. Só… me olhou, com os olhos arregalados e cheios de perguntas que nem ele sabia como fazer.
As palavras pairaram no ar, e o silêncio que se seguiu parecia ensurdecedor, como um eco das memórias que Arata revivia. Quando ele falou novamente, sua voz estava mais firme, mas carregava um peso que parecia inescapável.
— Naquele momento, eu soube... — Ele fez uma pausa, como se estivesse se preparando para dizer algo que ainda doía. — Era como se eu tivesse sido… deserdado. Não oficialmente, claro. Mas tudo mudou. O ambiente em casa ficou frio. O silêncio pesava.
— Arata… — murmurei, sem nem perceber que tinha dito seu nome em voz alta.
Ele soltou um pequeno suspiro, fazendo um gesto vago com a mão, como se quisesse afastar os detalhes mais dolorosos, mas era impossível não notar o cansaço em seu olhar.
Eu podia sentir o peso dessas palavras como se fossem físicas, uma pressão palpável no ar ao nosso redor. A ideia de ser tratado como um estranho na própria casa, de ter a presença ignorada por aqueles que deveriam ser seu porto seguro, parecia algo cruel além do imaginável.
E ainda assim, ele estava ali. De pé. Contando sua história com um misto de aceitação e resignação, como se tivesse aprendido a conviver com algo que nunca deveria ter acontecido.
Minha mente começou a comparar. O que eu faria em seu lugar? O que significaria para mim perder o apoio da minha família, ser reduzido a um silêncio frio e impessoal? Era impossível responder a essas perguntas sem sentir um aperto desconfortável no peito.
— E isso continuou. — A voz dele era calma, mas havia uma tensão que não passava despercebida. — Meu pai… ele parou de falar comigo. Evitava até mesmo me olhar. Eu podia estar na mesma sala que ele, mas era como se eu não existisse.
Ele parou por um momento, apertando levemente os braços cruzados como se tentasse se conter.
— Ryuuji… — Ele balançou a cabeça, os olhos escurecendo levemente. — Ele era diferente. Não entendia. Ficou confuso, frustrado. Não aceitava o que eu tinha feito. Pra ele, desistir era o mesmo que virar as costas para o que a nossa família representava.
Arata deu um sorriso amargo, mas o olhar distante denunciava que ele estava longe de encontrar humor naquela lembrança.
— Minha mãe foi a única que ainda falava comigo de verdade. Mas mesmo ela estava dividida. Tentava me apoiar, mas eu podia ver que, no fundo, ela também estava decepcionada comigo.
O silêncio voltou, pesado como uma nuvem carregada. Arata desviou o olhar, fixando-se em um ponto invisível na mesa ao lado, como se estivesse enxergando algo que eu não podia ver.
— Quando completei dezoito anos… — Ele começou, mas a pausa que se seguiu foi tão longa que quase parecia que ele não iria terminar. Então, finalmente, ele voltou a falar, a voz carregada de resignação. — Decidi que era hora de ir embora.
As palavras foram simples, mas o peso delas era quase palpável.
— Não fazia mais sentido ficar ali. — Ele riu suavemente, mas o som era vazio. — Eu era como um estranho na casa da minha própria família.
Arata parou de falar, deixando suas últimas palavras pairarem no ar como uma sombra densa. Era como se o silêncio que se seguiu carregasse o peso de tudo o que ele não disse — os pedaços de dor e arrependimento que não podiam ser expressos em palavras.
Eu senti um nó se formar em minha garganta. Cada detalhe da história dele parecia se juntar em uma imagem que era difícil de aceitar, mas impossível de ignorar.
O ar ao nosso redor parecia mais denso quando ele continuou, a voz levemente trêmula.
— Mas, na manhã em que eu saí de casa… — Ele fez uma pausa, como se as palavras fossem difíceis de dizer. — Só minha mãe e Ryuuji estavam lá.
Ele respirou fundo antes de prosseguir, o olhar perdido como se estivesse revivendo aquela cena.
— Meu pai nem apareceu para se despedir.
Houve uma risada curta, mas sem humor, enquanto ele passava a mão pelo cabelo de forma distraída.
— Ryuuji estava… irritado. Não, mais do que isso. Ele estava furioso. — Arata fechou os olhos por um momento, a expressão carregada de algo entre tristeza e exaustão. — Ele disse que eu estava fugindo. Que era um covarde. Que estava jogando fora o nome da nossa família.
As palavras saíram com uma amargura controlada, mas era impossível não perceber o quanto aquilo ainda o afetava. O sorriso desapareceu completamente de seu rosto, e ele olhou para as mãos como se tentasse encontrar alguma resposta nelas.
— E talvez… talvez ele estivesse certo. — Sua voz diminuiu, quase um sussurro, carregada de uma vulnerabilidade que eu nunca tinha visto nele antes. — Mas eu não tinha outra escolha. Ficar lá era sufocante.
A maneira como ele mantinha os olhos fixos no chão dizia mais do que suas palavras. Mesmo depois de tudo, mesmo com o tempo, aquilo ainda era uma ferida aberta que ele carregava consigo.
— Eu não culpo Ryuuji por me odiar. — Ele soltou uma risada baixa, mas dessa vez havia algo diferente nela. Não era amarga, mas também não era leve. Era quase como se ele estivesse tentando minimizar o peso de suas próprias palavras. — Do ponto de vista dele, eu estava desprezando tudo o que nossa família construiu.
Houve um silêncio breve, mas denso, antes de ele finalmente levantar o olhar para mim novamente.
— Então, agora você sabe. — Arata sorriu, mas o gesto era pequeno, quase melancólico, como se quisesse amenizar o impacto de tudo o que havia acabado de compartilhar. — Esse é o motivo de toda a tensão entre mim e Ryuuji.
Era muita coisa para processar, e ainda assim, algo em sua expressão — aquele sorriso pequeno, mas repleto de resignação — me fez sentir que ele tinha carregado tudo isso sozinho por tempo demais.
Arata olhou para a janela, onde a luz suave do fim de tarde atravessava o vidro, iluminando a poeira suspensa no ar.
— Às vezes, a gente só segue em frente, Shin. — Ele suspirou, baixando o olhar para as mãos. — Mesmo que algumas coisas fiquem para trás.