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Chapter 55 - Raízes Profundas

A mão repousava na maçaneta da porta da biblioteca, enquanto minha mente ainda girava em torno da ligação com Shihei Hajime. A Editora Kousei queria incluir minha história em uma revista semanal. Era o tipo de notícia que qualquer aspirante a escritor sonharia ouvir, mas que parecia tão distante da realidade até aquele momento. Meu coração acelerava toda vez que lembrava das palavras dele.

Respirei fundo, tentando conter a empolgação e parecendo um pouco bobo por estar sorrindo sozinho. Abri a porta devagar, sentindo o ar familiar e tranquilo da biblioteca me envolver. O som abafado de passos, o farfalhar suave das páginas sendo viradas e a luz filtrada pelas janelas altas criavam aquele ambiente quase sagrado que sempre me fazia sentir em casa.

— Shin! — A voz animada de Arata ecoou pelo espaço, me tirando do meu transe.

Levantei os olhos e o vi atrás do balcão, com um livro aberto em uma das mãos e o habitual sorriso travesso estampado no rosto.

— Que sorriso idiota é esse? — perguntou, estreitando os olhos como se analisasse algo suspeito. — Vai me dizer que você finalmente começou a namorar?

Senti meu rosto esquentar instantaneamente, e levantei as mãos em um gesto defensivo.

— Quê?! Claro que não! — As palavras saíram mais altas do que eu pretendia, só alimentando o riso de Arata.

Ele fechou o livro e o colocou de lado antes de apoiar os cotovelos no balcão, com o olhar cheio de malícia.

— Então é outra coisa… Deixa eu adivinhar: ou você ganhou na loteria, ou recebeu boas notícias. — Ele inclinou a cabeça, como se já estivesse se divertindo com qualquer resposta que eu desse.

Assenti, tentando disfarçar a excitação.

— Boas notícias. — Fiz uma pausa, tentando decidir se deveria contar tudo. — Recebi uma ligação hoje. Foi da Editora Kousei. Eles querem incluir trechos da minha história numa revista semanal.

Por um instante, os olhos de Arata se arregalaram. Depois, ele abriu um sorriso tão largo que parecia iluminar o ambiente inteiro. Saindo de trás do balcão, ele veio até mim com passos rápidos e me deu um leve empurrão no ombro antes de bagunçar meu cabelo.

— Sério?! Isso é incrível, Shin! — Ele riu alto, o som ecoando pela biblioteca quase vazia. — Primeiro você vence o concurso, agora isso? Tá subindo rápido na vida, hein? Me dê seu autógrafo antes que você fique ainda mais famoso, por favor!

Tentei afastar sua mão do meu cabelo, rindo de leve.

— Para com isso, Arata… É só o começo. Não é nada tão grandioso assim. — Mas a verdade era que as palavras dele, mesmo em tom de brincadeira, me faziam sentir ainda mais confiante.

Arata recuou, cruzando os braços enquanto me olhava com um brilho divertido nos olhos.

— Humilde, mas claramente orgulhoso. Tá bom, eu entendo. — Ele riu novamente. — Mas, sério, garoto, parabéns. Você merece isso.

Afastei-me um pouco, ainda rindo enquanto passava a mão pelo cabelo bagunçado por Arata.

— Ah, obrigado, mas não é nada demais. — Minhas palavras saíram em um tom mais humilde, mas a lembrança da aposta com Ryuuji rapidamente emergiu, trazendo uma sensação de inquietação.

Levantei os olhos para Arata, hesitante, escolhendo as palavras com cuidado antes de falar.

— A propósito… o Ryuuji. Ele já apareceu por aqui?

A pergunta fez Arata parar por um instante. Sua expressão mudou sutilmente; o brilho travesso nos olhos dele deu lugar a algo mais introspectivo. Ele cruzou os braços, encostando-se no balcão com um leve suspiro.

— Não. Desde aquele dia da aposta, ele não pisou aqui. — A voz dele tinha um tom tranquilo, mas havia uma ponta de algo que não consegui identificar — talvez melancolia. Ele desviou o olhar para a porta, como se esperasse que ela se abrisse a qualquer momento. — Nem sempre ele foi assim, sabe.

Houve uma pausa. As palavras de Arata pairaram no ar, carregadas de uma seriedade rara. Meu peito se apertou de curiosidade, mas ao mesmo tempo eu sabia que estava tocando em um terreno delicado. Arata raramente falava de Ryuuji, e quando falava, era como se estivesse mexendo em uma ferida antiga.

Minha hesitação era visível, mas, antes que eu pudesse decidir se insistiria ou não, Arata voltou a olhar para mim. Desta vez, havia um sorriso no rosto dele — aquele sorriso despreocupado e brincalhão que parecia dizer "não se preocupe com isso".

— O que foi? Tá com essa cara de curioso… — Ele riu de leve, mas o tom carregava algo mais profundo. — Tá bom, tá bom. Não precisa ficar com essa cara de culpado. Se tá tão interessado, eu te conto.

Levantei as mãos, tentando afastar o assunto.

— N-não, não precisa! É algo pessoal, e eu não quero me intrometer.

Mas Arata ignorou completamente minha tentativa de recuar, inclinando-se no balcão com aquele ar característico de quem está prestes a contar uma boa história.

— Tudo começou quando…

E, antes que eu pudesse sequer protestar, ele já tinha mergulhado no assunto, deixando-me sem escolha além de ouvir.

Arata desviou o olhar por um instante, fixando os olhos no chão como se estivesse buscando o ponto exato onde tudo começou. Quando finalmente falou, sua voz estava mais calma e introspectiva do que eu esperava.

— Eu vim de uma família renomada de escritores. Isso provavelmente não é algo que se percebe olhando pra mim, mas… é verdade. Meu avô, por exemplo, ele escreveu "A Chuva de Meteoros."

Meus olhos se arregalaram imediatamente, e as palavras saíram antes que eu pudesse contê-las.

— Sério?! Aquele clássico?! Foi o seu avô?

Arata ergueu uma sobrancelha, o canto da boca se curvando em um sorriso quase imperceptível.

— Foi, sim. Mas ele usava um pseudônimo: Yosuke Kanzawa. — Ele inclinou a cabeça, o tom ficando levemente mais descontraído. — Na nossa família, usar pseudônimos é meio que uma tradição. Meu pai também tem um. A ideia é separar o escritor da pessoa. Pelo menos, era o que meu avô sempre dizia.

— Uau… — murmurei, ainda tentando processar o que acabara de ouvir. "A Chuva de Meteoros" era uma obra icônica, o tipo de livro que todo mundo conhece ou, pelo menos, já ouviu falar. E descobrir que o autor era o avô de Arata… era quase surreal.

Ele continuou, o sorriso leve desaparecendo conforme sua expressão ficava mais séria.

— Meu pai também foi um escritor de sucesso. Ele escreveu vários livros, participou de antologias, ganhou prêmios… — Ele soltou um pequeno riso sem humor, sacudindo a cabeça. — Na verdade, ele venceu alguns dos concursos mais prestigiados do país.

Eu mal conseguia esconder meu espanto. Cada palavra que ele dizia parecia aumentar a magnitude da história. Era como se Arata viesse de uma dinastia literária.

— Então, quando eu era pequeno, parecia óbvio que eu seguiria o mesmo caminho. — Ele deu um sorriso melancólico, seus olhos carregando algo que parecia uma mistura de nostalgia e arrependimento. — E, pra ser honesto, eu achava isso incrível.

Ele fez uma pausa, respirando fundo como se tentasse organizar os pensamentos.

— Eu amava escrever. De verdade. — A sinceridade em sua voz era palpável. — Passava horas criando histórias, me perdendo em mundos que eu inventava. Até durante as aulas, eu ficava rabiscando ideias e diálogos no meu caderno, enquanto o professor explicava alguma coisa que eu mal ouvia.

Um leve sorriso surgiu em seus lábios, como se ele estivesse revivendo um fragmento de felicidade genuína.

— Ler também era uma paixão. Qualquer livro que caísse nas minhas mãos, eu devorava. Era como se cada história fosse uma janela para um universo novo, algo que eu podia explorar sem limites.

Não consegui evitar um sorriso enquanto ouvia.

— Sabe… eu meio que entendo o que você está dizendo. — Minha voz soou mais baixa, quase hesitante. Ele ergueu uma sobrancelha, curioso. — Eu também rabisco ideias durante as aulas. Ou melhor, rabiscava. O professor sempre reclamava quando me pegava distraído.

Arata soltou uma risada curta, mas genuína.

— Deixa eu adivinhar. Algo como: "Shin! preste atenção ou vou chamar seus pais!"?

— Algo assim… — murmurei, envergonhado, mas sorrindo junto com ele.

Ele balançou a cabeça, o sorriso persistindo em seu rosto.

— É engraçado como esse tipo de coisa parece tão pequeno, mas são nesses momentos que a paixão floresce. Seja rabiscando durante a aula ou devorando um livro até tarde da noite.

Houve uma breve pausa, e eu aproveitei para acrescentar:

— É, mas... no seu caso, parece que isso era muito mais do que apenas um hobby. Era como uma parte de quem você era.

Arata inclinou a cabeça, o sorriso diminuindo um pouco.

— Era, sim. Pelo menos, foi assim no começo. — A melancolia voltou ao tom de sua voz, e eu pude ver o brilho em seus olhos se tornar mais contido, como se as memórias que ele estava revisitando fossem tão dolorosas quanto preciosas.

Eu fiquei em silêncio, absorvendo cada palavra.

— Mas então, algo mudou.

Havia um peso na voz de Arata, algo que imediatamente me deixou tenso. Era como se, mesmo sem saber os detalhes, eu já pudesse sentir a gravidade da história que ele estava prestes a contar.

Ele suspirou profundamente, como se buscasse forças para continuar, e quando falou novamente, sua voz estava mais baixa, carregada de emoção contida.

— Escrever deixou de ser algo divertido. Meu pai começou a me pressionar. Primeiro foram pequenos incentivos, depois vieram os cursos, competições, metas… Tudo virou uma obrigação. Não era mais sobre criar algo que eu amava. Era sobre cumprir expectativas.

Arata fez uma pausa, erguendo os olhos para me encarar. Havia uma seriedade incomum em sua expressão, algo que parecia tão distante do tom descontraído que ele sempre carregava.

— Quando escrever vira só mais uma tarefa… quando a paixão se perde, tudo desmorona.

As palavras dele ficaram pairando no ar, pesadas como chumbo. Eu absorvia cada uma delas, sentindo o peso que carregavam. Era difícil imaginar alguém como Arata — sempre brincalhão, extrovertido e com seu sorriso que iluminava qualquer sala — passando por algo assim.

Mas talvez fosse exatamente isso. A facilidade com que ele sorria, fazia piadas, distraía os outros com sua presença magnética… talvez fosse tudo um reflexo de um esforço constante para se afastar daquela sombra que o perseguia.

Eu não conseguia evitar comparar sua história com a minha. Enquanto meu amor pela escrita floresceu de forma tranquila, quase espontânea, como uma planta crescendo no canto ensolarado de um jardim, o de Arata parecia ter sido arrancado de suas raízes, moldado e forçado a se encaixar em um vaso que não cabia.

— Minhas notas começaram a cair. — Ele deixou escapar um pequeno riso sem humor, quase como se estivesse zombando de si mesmo. — Eu não conseguia mais me conectar com aquilo, sabe? Escrever… ler… tudo o que eu amava parecia ter se tornado um fardo.

Seus olhos ficaram mais distantes, fixando-se em um ponto invisível, e suas mãos se apertaram levemente contra os braços cruzados.

— Mas meu pai não desistiu. Ele achava que, se me forçasse o suficiente, eu acabaria "pegando o jeito" novamente. — A maneira como ele disse isso foi carregada de ironia e amargura, mas havia algo mais profundo escondido ali: cansaço.

Arata parou novamente, respirando fundo. Quando falou de novo, havia uma clareza em sua voz que me fez prender a respiração.

— Foi aí que eu percebi, aquilo não era o que eu queria.

As palavras dele, simples e diretas, carregavam uma força que eu não esperava. Era como se aquele momento de realização tivesse moldado tudo o que ele era agora. Ele virou-se para mim lentamente, o sorriso que surgiu em seus lábios não tinha nenhuma alegria; era amargo, quase resignado.

— Então, um dia, durante o jantar, reuni toda a coragem que tinha e disse para minha família: "Eu desisto."

Aquelas palavras simples carregavam um peso quase palpável. O silêncio que se seguiu era tão denso que parecia que até o ar da biblioteca tinha parado. Arata ficou quieto por alguns segundos, os olhos fixos em algum ponto distante, como se estivesse revivendo cada detalhe daquele momento.

Eu queria perguntar algo, preencher o vazio que a pausa deixava, mas sabia que era melhor esperar. Esse era o tipo de história que precisava seguir no ritmo dele.

Ele finalmente voltou o olhar para mim, e havia algo diferente em sua expressão. Não era tristeza, nem raiva, mas uma calma estranha, como se ele já tivesse feito as pazes com o passado, mesmo que ainda doesse.

— E então… as coisas mudaram. — Sua voz era suave, mas carregada de significado. Ele deixou escapar um pequeno suspiro, como se quisesse aliviar o peso das palavras seguintes. — Mudaram de um jeito que eu nunca imaginei.

Ele não disse mais nada, deixando o silêncio falar por si. Mas, naquele instante, eu sabia que o que vinha a seguir era algo que ele não costumava compartilhar com ninguém.