— Trocar de roupa? — Liliane Yuki ergueu a sobrancelha.
Após entrar pela portaria, havia uma cabana onde Jin deixou uma Joia Dimensional de Ferro e sua espada na bancada; após ser registrado, a atendente levou todos os itens.
Com a doutora Yuki foi mais complicado. Ela carregava dezenas de agulhas e equipamentos médicos, além de dois sabres que dizia ser para autodefesa. O mais assustador foi as duas Joias Dimensionais de Ouro que estavam em seus brincos!
— Rica! — Exclamou Clara olhando para a doutora com outros olhos.
Uma Joia Dimensional de Cobre poderia armazenar qualquer item em uma dimensão de bolso de 5 m3, as de Ferro até 10 m3, enquanto de Ouro e Platina chegavam, respectivamente, a 20 e 50 m3! Esses itens eram absurdamente caros e escassos. Carregar duas era um tapa na cara de todos os presentes. Além do mais, elas eram ornamentadas em seus brincos, um trabalho da mais alta classe!
— Sou médica, é necessário para guardar equipamentos e principalmente ervas, medicamentos e outras coisas. — Coçou sua bochecha.
— Pode levar consigo, apenas não deixe à mostra. — A recepcionista empurrou de volta, não querendo se responsabilizar por qualquer dano ou perda.
Essas duas joias poderiam comprar uma Tribo Média! Para uma Vila que sequer se comparava com uma Tribo Pequena, jamais conseguiria arcar com qualquer prejuízo. Além do mais, quem saberia o que continha dentro e qual seria o seu valor?
— Obrigada. — Ela sorriu radiante pegando para si e seguindo Clara estupefata até os vestiários.
Com Jin não foi diferente. Ele entregou seus itens e caminhou para a porta de madeira, não antes de observar as costas da doutora com desconfiança.
Ele foi o primeiro a sair; suas roupas pretas usuais foram trocadas por uma muito parecida. Uma luva de fibras brancas cobria sua mão direita inteira, seguida por uma longa manga clara se estendendo até cobrir metade de seu tórax, deixando o peito e braço esquerdo todos descobertos. Seu cabelo preto até os ombros foi preso por cipós verdes em um rabo de cavalo, dando mais afinidade ao seu rosto delicado e aos olhos cinza. O mais impressionante foi seu colar ornamentado com dez espadas que pareciam um colar de dentes tribais acentuado ainda mais a sua aparência rústica e viril.
— Quem foi que escolheu minha roupa?! — Jin saiu irritado. Sua calça larga feita de alguma planta azul deu um toque primitivo.
— Você ficou maravilhoso! — A recepcionista sorriu desejando o garoto de cima a baixo.
— Você! — O rapaz olhou para sua metade esquerda quase toda nua e seus músculos bronzeados expostos. Ele sentiu como um objeto em vez de ser humano.
— Antes que diga que fui eu, essa foi uma ideia conjunta. Todas as meninas da tribo se juntaram e fizeram sua roupa elas mesmas! — Por algum motivo, a imagem de várias meninas elaborando o seu traje em uma roda de conversa provocou calafrios em Jin. — Portanto, você devia ser grato. Além do mais... — Ela avançou a própria mão sobre os ombros largos do garoto. — Eu acabei de fazer 15 anos, agora sou uma adulta em idade para casar, quando você fará 15 também? — Ela olhou como uma predadora diretamente nos olhos da presa.
— Na minha cidade, é costume casar um pouco mais velho!
— 18 então? Eu espero... Ou não. — Sorriu maleficamente.
Fora da Domínio dos Três, a maioridade era aos 15 anos; nas cidades mais distantes das capitais era 18, enquanto nos grandes centros era 21 anos. Mas não era incomum Especialistas se casarem depois dos 30, afinal, de 15 a 30 anos era o melhor período para absorver e refinar Energia. Por isso, muitos Especialistas preferiam se casar depois para não comprometer o treinamento.
Mas qualquer uma das idades que Jin desse revelaria um pouco mais da sua origem, portanto, com o rosto corado, ele apenas recuou.
— Eu faço 15 no próximo ano... — Murmurou com voz baixa.
— Ei, se alguém for casar com o Jin nessa Vila, será apenas eu! — Clara, saindo do vestiário, veio correndo.
Ao contrário da roupa exposta do rapaz, ela usava uma camisa florida e calça feita de folhas longas como uma princesa da primavera; seu cabelo longo e escuro foi amarrado em um maria-chiquinha.
— Senhorita, você acabou de fazer 13, seria rude deixar um cavalheiro esperar dois anos. — A recepcionista provocou. — Ele talvez prefira uma mulher da sua altura. — Ela colocou a mão na própria testa comparando os tamanhos.
— Eu tenho 14! — Bradou a menina nervosa abaixando a mão da outra.
— Ainda mente sobre a sua idade?
— Não, quando eu nasci tinha um ano, e agora tenho 14! — Ela replicou com os braços cruzados.
— Achei que esse calendário havia sido extinto. — Liliane falou antes de entrar na sala. Quando todos olharam, ninguém conseguiu segurar a risada. A sempre elegante doutora Yuki, ao contrário da princesinha da primavera, estava vestida de uma roupa feita completamente de palha, a venda de seda azul em sua face, agora era branca com bordados claros.
— À moda espantalho. — Jin zombou baixo.
— Essa era o único modelo que tinha! — Ela declarou nervosa.
— Eu achei que tinha ao menos mais dois conjuntos. — Clara ria abertamente.
— Fala daquele top e minissaia? Nunca usaria aquilo!
— Ok, ok. Agora que estamos vestidos, vamos. Os pacientes não vão esperar vivo para sempre.
— Céus, eu me pergunto para que se vestir de planta? — Liliane passou a mão em sua roupa com desgosto, quase se descabelando de frustração. Ela suspirou antes de prosseguir com os ombros caídos.
Suas dúvidas e reclamações foram sanadas muito rapidamente. Assim que saíram da cabana e atravessaram as árvores, um grande lago invadiu sua vista. O sol quase poente, incidia seus raios solares sobre a superfície da água iluminando a grande rocha negra no centro.
Rocha que se moveu, e uma longa cabeça de um réptil saiu dela.
Ping... Ping....
— Tartaruga Ouro Preto... — A doutora Yuki engasgou pálida ao "ver" que a rocha era na verdade um Tanti, e do mais alto nível.
— Essa é nossa guardiã, Tartaruga de Ouro Preto, classificação... Bispo de Ouro! — Clara declarou orgulhosa com o peito estufado, enquanto a médica quase tinha um ataque cardíaco.
Tartaruga Ouro Preto, um monstro de ranque Bispo! — Doutora Yuki precisou de todo seu autocontrole para não surta ali mesmo. Aquele monstro eram imbatível em qualquer lugar dos Três Reinos e mesmo nas Terras Proibidas ela seria soberana, agora em um lugar pacato das Terras Desolada sua existência reinava suprema!
— Oi, Penélope! — A garota pulou acenando para a criatura que estreitou os olhos sobre a nova convidada antes de retornar à água. — Ela sempre sai da água quando detecta alguém novo, não se preocupe, é apenas seu modo contra ameaças. — Clara bateu nas costas da doutora pálida antes de saltitar para longe. — Ah, mas ela não saiu quando foi com o Jin.
— Claro, eu sequer tenho Energia Interna, como poderia ser uma ameaça? — Jin caminhou atrás da menina que estava rindo. Colocando a mão sobre o peito, a médica respirou fundo antes de seguir a dupla.
— Dentro da Vila Ouro Preto armas são proibidas, lutas proibidas, devastação ou qualquer prática predatória, proibidas. Algumas roupas e itens também. Nós trabalhamos e lutamos para manter o Ponto de Água da Tartaruga Ouro Preto intocado. Ela é nossa guardiã, mas também nossa inimiga número 1. Todos, seja Tantis ou humanos, devem tolerar e respeitá-la, apenas assim, esse recanto pode ter paz. — Clara falou contemplativa, olhando para a vasta floresta ao redor do lago com a gloriosa "pedra" negra e dourada no centro.
— E onde está a vila? — Liliane assentiu antes de perguntar.
Os dois meninos não puderam deixar de rir quando apontavam o indicador para cima.
Ping... Ping...
A mulher de olhos velados levantou sua cabeça. A mais de 20 metros do chão, um cenário irrealista se desenvolvia na copa das árvores. Uma vila inteira se estendia de árvore a árvore.
— Se construíssemos no chão, a maioria dos Tantis apenas passaria por cima, mas nas árvores... — Casas e passarelas ligavam uma na outra, formando uma incrível vila de casas na árvore!
— Uau! — Doutora Yuki exclamou. — Não são muitas coisas que me surpreendem facilmente... — Ela teve que admitir para si mesma e para os demais.
— E as coisas mal começaram. — A princesinha da primavera correndo, chegou em um tronco qualquer e puxou um de seus cipós, no mesmo instante, escorregou do alto uma caixa cúbica formada por bambus. — Tcharam! Elevador de bambu, vamos é o melhor e mais divertido jeito de ir até lá em cima!
Os três entraram no elevador e foram subindo até os altos, à 20 metros do chão chegando na copa dos fortes tipos de carvalho. Em cima, eles subiram nas passarelas de madeira e seguiram até a própria Vila.
As casas eram formadas dos mais diversos tipos, de fibras, barro, bambu, madeiras coloridas de amarelo a roxo, de preto a branco. Os dosséis eram enfeitados como um carro alegórico de cores vibrantes e cheio de vida, vida que transmitia aos seus moradores correndo e brincando pelas passarelas ou nas árvores da Vila.
Vila... Pelo conceito, ela seria os pequenos povoados nas Terras Desoladas, enquanto Tribos, da menor para maior, seriam um conjunto mais organizado e maior. Não havia cidade, muito menos construções humanas mais elaboradas, apenas casas e casas com alguma tecnologia tribal fácil de ser reproduzida.
Afinal, inúmeras Vilas e Tribos eram formadas e destruídas todos os anos.
A Vila Ouro Negro, no entanto, era um caso especial. E não apenas em sua formação, como também na sua composição. Apesar de não ser necessário, eles tinham Especialistas poderosos, bem como muitas pessoas Inaptas que dedicavam sua vida ao campo e ao extrativismo.
A formação hierárquica era uma exceção, o Chefe da Vila, não tinha a função de liderança, na verdade, ele era o mediador entre os habitantes e a Tartaruga Ouro Preto. A função mais importante que mantinha a sobrevivência de todos. O que criava um senso de pertencimento entre o povo com o reconhecimento do chefe, não como uma figura política, e sim patriarcal.
E Clara Ouro Preto era a sua sucessora.
— Pai... Trouxemos outra médica. — Eles entraram numa casa de madeira roxa, pela forma e brilho pareciam ser novinha em folha.
Ping... Ping...
Antes de pisar dentro da casa, a Doutora Yuki parou na entrada sentindo todo o local. Sua mão delicada e branca foi em direção ao batente da porta acariciando a madeira roxa.
Dentro do local, o tronco largo da árvore ocupava todo o centro obrigando a construção se desenvolver em volta. A casa era simples com duas camas, uma mesa de jantar e uma estante repleta de livros, havia quatro janelas laterais e duas janelas superiores para favorecer a iluminação, todas placas de bambu que poderia fechar a qualquer momento.
— Cof. Cof. Eu não sei se isso manterá útil, Clara. — Dentro da cabana deitado em uma das camas, um homem robusto com barba e cabelos ruivos estava pálido com os lábios roxos. Claramente ele tinha sintomas severos de febre gélida e desnutrição.
— Papai, tenha mais fé. Encontraremos alguém capaz de curar a Vila. — A menina, diferente de sua despreocupação habitual, se ajoelhou nos pés da cama e segurou as mãos grandes de seu pai no rosto com olhos castanhos lacrimejantes.
— Hah... — Sem querer desacreditar sua filha, o chefe suspirou e saudou Jin com a cabeça antes de se voltar à nova convidada. — Sou Leão, Leão Ouro Preto, chefe da Vila Ouro Preto. — Saudou com respeito ignorando a venda sobre os olhos da moça.
— Doutora Liliane Yuki, aos seus serviços. Fiquei sabendo sobre a Vila Ouro Preto estar sendo vítima de um envenenamento.
— Isso, isso, acreditamos que nossos campos foram envenenados por algum tipo de Tantis, cof, cof. — Explicou o Chefe da Vila com suas tosses fortes.
— Eu não teria tanta certeza. — Disse com a mão ainda nas madeiras da casa. — Essa casa é nova não é mesmo?