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Chapter 6 - Capítulo 5: O Veneno e o Inimigo

— Essa casa é nova não é mesmo? — Liliane, ainda na porta, acariciou o batente da casa enquanto seus olhos por traz da venda branca "encarava" a madeira.

— Tem pelo menos dois anos... Mas o que a senhorita queria dizer com "não teria tanta certeza?", seria possível o motivo ser outro? — Leão piscou assimilando a fala da mulher.

— Oh, com certeza, é essa Madeira de Agulha Roxa. — Ela adentrou mais na cabana parando próximo do três que enrugaram suas testas confusos. — Essa madeira tem uma peculiaridade muito interessante, ela não é venenosa, no entanto, após ser trabalhada ela começa a deteriorar produzindo pequenas lascas finas, chamadas Agulhas Roxas que são invisíveis a olho nu. — Ela estendeu a mão como se pudesse capturar com sua palma tudo em sua volta — Normalmente, por serem finas demais, elas não representam ameaça, mas expostas por períodos prolongados elas se acumulam no corpo até representar danos, o que inclui febre fria, perda de apetite, dor ao ingerir água, diarreia e vômitos.

— Papai! — Clara olhou para o seu pai chocada ao saber que os sintomas eram idênticos aos doentes da Vila.

— Mas... Mas... Isso é... Então como as pessoas apresentam doenças após comer os alimentos dos campos? — Ele não podia acreditar que o simples material de construção fosse a causa da maior crise que já vivenciou.

— Eu falei que precisavam ser ingeridos, não é? Claro, apenas de respirar ou entrar em contato com a pele poderia ser prejudicial, mas geralmente os pelos do nariz fazem bom trabalho e as mucosas servem como excelente filtro, a pele é muito grossa, no máximo, apresentaria coceira. Agora, quando elas depositam nos alimentos ou na água... Elas caem no intestino e, por não serem digeridas, se acumulam nas paredes intestinais causando inflamação e outros problemas.

—... — Todos ficaram sem palavras. Eles olharam para a médica que em segundos solucionou o problema que ninguém mais poderia.

— Tão rápido... Um gênio... — A garotinha não desdenhou mais da mulher de vestido rodado de palha, agora uma admiração genuína assumia sua face.

*

O sol poente enviava os últimos raios do dia, o tom alaranjado, antes da noite, penetrava a folhagem das árvores tingindo as casas da árvore com um toque natural. A temperatura caia pouco a pouco e o farfalhar das folhas anunciava a chegada da brisa noturna.

Três figuras sorriam para as crianças brincando de macaco, balançando de galho a galho indo em direção as suas casas.

— Então devemos desmanchar as casas de madeira roxa? E apenas...? — A princesinha da natureza colocou seu indicador nos lábios, pensativa.

— Eu também farei amanhã um remédio pastoso para remover as Agulha Roxas do organismo dos doentes. Bebam água e se alimentem bem que deve passar logo. Ah, leve-me para aqueles com casos mais graves, talvez eu preciso aplicar uma contramedida àqueles com estágio mais avançado. — Doutora Yuki sorriu para a garota.

— Entendi, muito obrigado doutora. — Agradeceu sinceramente, curvando-se em 45°.

— Isso é um exagero... — Liliane desviou e tentou levantar a garota.

— Nós contratamos tantos médicos, até o Jin, que se doou tanto, mas até agora ninguém foi capaz de sequer dar uma resposta satisfatória. Jin, doutora, em nome de toda Vila Ouro Preto, eu agradeço sinceramente! — Ela colocou todo o seu coração comovendo os dois, que se entreolharam e sorriram para a menina.

— Tudo bem, eu recebo os agradecimentos.

— Eu quero meu pagamento. — Jin brincou.

— Claro, tudo será devidamente pago. Ah! Veja, chegamos na casa de hóspedes. — Saltitou em meio aos dois antes de apontar para casa formada por folhas e palha muito semelhante a uma oca.

— Aqui? — A mulher com vestido rodado levantou a sobrancelha. — E onde eu fico? Ou... É aí onde eu fico...?

— É onde nós vamos ficar. — Jin sorriu, já acostumado, entrando dentro da oca.

— Nós? Nós? Eu e ele? — Liliane não podia acreditar. Um homem e uma mulher dormindo junto?

— Isso, infelizmente não temos muitos visitantes, então é uma grande sorte de ter uma casa exclusivamente para vocês. Entre, é divertido. — A anfitriã pegou a convidada pela mão e levou para dentro.

Assim como a estrutura exterior, a parte interna não teve muita decoração. Não havia camas, apenas redes presas na duas pontas. Quatro redes para melhor precisão. Jin já estava na ponta esquerda, arrumando suas coisas e deixando-as no armário dele. Como as redes, havia quatro armários que ficava entre cada "cama" para o uso pessoal de cada visitante.

— Pode escolher qualquer uma, elas são feitas de juncos do lago e são muito, muito macias! — Exclamou gesticulando com os braços.

— E o banho?

— Ah... Isso... — Clara hesitou. Olhando para as costas de Jin, ela fez um sinal para Liliane se aproximar, depois sussurrou em seus ouvidos deixando as duas coradas.

— Assim?!

— Psiu! Não fale em voz alta, os meninos não podem saber. — Cutucou os dois indicadores timidamente.

— Se cochicharem com esse volume, fica difícil manter segredo... — Os olhos cinzas pairaram sobre as duas.

— Quieto, Jin, tente alguma gracinha que eu cravo uma flecha em... — Clara olhou para os olhos e depois para o rosto bonito do rapaz, em seguida, para seu corpo esculpido. — Cravo uma flecha em... — Ela ficou em dúvida onde disparar sem danificar um corpo tão bonito. — Ali! — Aponto para a direção a qual achou mais feia.

— Ei! — O rapaz gritou alarmado cruzando as pernas com pânico no rosto.

— E você também doutora! — Encarou a médica nervosa.

— O que tem eu?

— Você vai dormir com o Jin, mas não pode dormir com ele, entendeu?!

— Hã? — A médica piscou confusa.

— Se alguém for dormir com ele, será eu. Hmpf! — Balançou sua maria-chiquinha antes de sair com elegância do quarto.

Jin deu de ombros e Liliane retomou a sua cama do outro lado. Com cada um arrumando sua cama, roupa e material de banho, um silêncio perdurou por alguns instantes antes de Jin quebrá-lo.

— Tem certeza que está tudo bem assim? — Terminando de arrumar, ele colocou uma toalha sobre os ombros antes de pegar a nova muda de roupa.

— Dormir com um garoto? Claro que não, mas como não há outra opção, posso fazer o quê? Faça uma gracinha e preferirá nunca mais acordar. — Ameaçou.

— Eu não estou falando disso. — Liliane se virou vendo o rapaz parado na porta sendo banhado pelos últimos raios de sol do dia. O laranja abraçava bem a sua esquerda quase toda descoberta. O cabelo preso de forma rústica transbordava virilidade, somado ao colar de dez espadas, rosto bem definido e olhos cinza, Jin possuía uma combinação harmônica bastante bonita. — Seu diagnóstico, tem certeza?

— Fala da Madeira de Agulha Roxa? Toda. — Seu tom de voz denunciava a intolerância contra qualquer argumentação contrária. Seu orgulho em sua profissão não podia ser contestado.

— Hah... A senhorita é uma médica competente, pena que não é uma boa médica.

— O que você quer dizer com isso? Meu diagnóstico é preciso! — Bateu o pé não permitindo que o menino fosse embora.

— Eu não questionei o diagnóstico. E sim o tratamento.

— O que tem de errado nele?

— Como eu disse, competente, mas boa médica... — Suspirou desapontado. — A senhorita acredita que Madeira da Agulha Roxa, é uma observação simples?

— Sim, elas são incomuns, mas sua presença é marcante.

— Então veja, a senhorita não é a primeira médica contratada, acredita que seria a única que percebeu a presença dessa madeira aqui? — Assim que as palavras caíram no ouvido da médica suas sobrancelhas arquearam formando um completo quebra-cabeça.

— Então eles... Mas... — Seu cérebro trabalhou a mil calculando as possibilidades.

— Como vários médicos não viram um problema tão simples? Como todos insistiam na lavoura, em vez da arquitetura? A Terra Desolada não é como a cidade, há pessoas que fariam de tudo para obter um pedaço de terra seguro.

— Eu entendi... — Ela mordeu os lábios frustrada e enojada. — Mas não entendo como isso me faz uma péssima médica?

— O trabalho de um médico, principalmente nas Terras Desoladas, não é apenas apresentar a cura, mas também a prevenção. A senhorita se precipitou e diagnosticou confiando em seu conhecimento, em vez de perceber as inconsistências, sem sequer tentar se aprofundar ou pensar em outras possibilidades. A causa, doutora, não é a Madeira de Agulha Roxa, a causa é os seres humanos. — Ele encenou o sacar da espada antes de sair.

Liliane Yuki, mordeu a unha do polegar, e pensativa ela caminhou até a saída olhando para todas as casas cheias de homens, mulheres, idosos e crianças. Alguém quis machucar essas pessoas, agora como e por quê ainda não estava tão claro. O mais plausível seria por causa da Tartaruga Ouro Preto...

Ela encarou o lago, e surpreendentemente, o monstro na lagoa estava com a cabeça do lado de fora encarando-a.

*

— Como adquirimos essa Madeira de Agulha Roxa? — Leão tossiu antes de cruzar os braços reflexivo com a pergunta de Liliane logo de manhã no dia seguinte.

— Foi um presente da Tribo Cabeça de Ferro, não é papai? — Clara disse ao lado de seu pai.

Os olhos de Jin no canto do quarto se estreitaram, a doutora Yuki lançou um "olhar" para ele e depois voltou para o Líder da Vila.

— Presente? Por quê?

— Isso, é um assunto antigo, cof, cof. — Clara pegou um copo de madeira cheio de água e serviu ao seu pai preocupada. — Eles são um Tribo Pequena que entrou em desavença com nossa Vila há alguns anos. Isso ocasionou algumas lutas, até que desistiram, e como pedido de desculpas eles mandaram alguns presentes, sendo um monte de madeiras e outras coisas.

—... — Conforme o desenrolar a situação ficava cada vez mais clara. — Eu posso ver os presentes?

— Claro, mas por quê? — Pai e filha ficaram curiosos com o interesse repentino.

— Não quero tirar conclusões precipitadas ainda... No entanto, eu acredito que esse caso não foi um acaso, e sim, uma tentativa de envenenamento. — Ela disse séria e profissional. O jovem encarou a moça e sorriu.

Demorou algum tempo para Liliane explicar seu ponto de vista. Uma madeira tão características passar por tantos médicos sem levantar qualquer suspeita, e todos acusarem o solo e a lavoura, era estranho além do limite. Liliane ofereceu para olhar os campos enquanto os ingredientes para os medicamentos ficassem prontos.

Nesse meio tempo, ela também conferiu a Vila atrás de outros tipos de doenças. Clara, tinha uma missão importante, encontrar os presentes da Tribo Cabeça de Ferro. Já Jin, desapareceu durante todo dia e apareceu apenas após o almoço quando tudo já estava preparado.

— Esses são todos os presentes, lanças, ornamentos, vasos, também ganhamos as madeiras e alguns minérios, porém estão todos em uso no momento. — Liliane assentiu as palavras de Clara, seu olho examinou cada peça e balançou a cabeça em negativo.

— Se for proposital, não acredito que eles apostariam todas suas fichas na madeira. — Jin raciocinou. — Há algum outro presente?

— Bem... Foi dado também um livro, mas... — Leão sorriu sem graça olhando a pilha de livros para estudo.

— Ninguém na Vila sabe ler ou escrever, então empilhamos tudo dentro de casa...

— Sabe, qual é? — Jin não julgou ou olhou diferente para a garota, que agradecidamente apontou para o único livro vermelho grosso na prateleira de bambu.

— Eles disseram ter encontrado na Ruína de Cobre, parecer conter Posturas de Combate e algumas técnicas. Só que por não sabermos ler, nem chegamos a abrir.

— Entendi. — O garoto caminhou até o livro, porém quando sua mão estava quase tocando o objeto.

Ping... Ping...

— Pare! — Liliane gritou alarmada atraindo atenção de todos os presentes. — Eu faço isso.

Com suas longas pernas, ela caminhou até do lado do rapaz. Ela tirou do bolso de palha um dos brincos escondidos, e passando a mão em sua joia um par de luva e uma máscara apareceram, além de um cartão translucido branco. Vendo-a toda equipada, Jin concordou dando um passo para trás.

Ela pegou o livro e examinou a capa e as folhas, mas não o abriu. Com o cartão translucido, ela inseriu entre as folhas. Quando tirou, uma mancha verde estava oscilando por toda a ponta.

— O que raios é isso? — Leão Ouro Preto exclamou alarmado.

— O livro está envenenado... — Ela "olhou" para Jin, inquieta.

Apesar de não ter um traço de Energia, esse garoto que não devia nem ter 15 anos não estava nem um pouco surpreso. De alguma forma, ele parecia saber tudo que estava ocorrendo na Vila Ouro Preto.

Parecia loucura. Liliane dizia a si mesma. O raciocínio em si era cheio de falhas, mas quando ela "encarou" aqueles olhos cinzas confiante, seus instintos diziam que ele sabia, desde o início, que a Vila Ouro Preto havia sido propositalmente envenenada.

"A causa, doutora, não é a Madeira de Agulha Roxa, a causa é os seres humanos". Ela se lembrou de suas palavras na noite do dia anterior.

Você já sabia, não é mesmo? — Ela abriu os olhos por trás da venda encarando o garoto com o seu "olhar", mas em vez de uma resposta, os lábios do menino formaram um sorriso, que não era um sorriso...