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Chapter 4 - Capítulo 3: Clara Ouro Preto

— Ya! — Uma voz feminina ecoou até os dois. A mulher de 1,80 metros e o rapaz, 20 centímetros menor, voltaram-se para a figura que se aproximava. — Jin, eu te mato! — Os gritos furiosos, misturados com cansaço, continuaram. Se Jin parecia jovem, a garota cambaleante com uma respiração pesada, aparentava ser ainda mais.

A pequenina corredora, que não passava dos 14 anos, parou diante das duas figuras e ergueu a mão em um sinal de "espera um pouquinho". Tomando fôlego, ela lançou um olhar penetrante para o homem e a mulher que aguardavam com uma expressão de curiosidade mútua.

— Eu disse para me esperar, Jin! — Sua voz ressoou, carregada de energia, gastando o fôlego conquistado em instantes.

— Desculpe, Clara, mas essa senhorita estava em perigo. Além disso, quer atrair a atenção de todas as criaturas na Floresta Equatorial Sul? — Jin passou a mão nos cabelos escuros da garotinha, a qual fez um beicinho expressivo.

— Olhe só, ela é cega! — A pequena escandalosa apontou para Liliane, surpresa.

— Eu enxergo muito bem. — Liliane se defendeu prontamente cruzando os braços com um elegante guarda-chuva de madeira entre eles.

— É...? — A garota de pele parda observou duvidosa, seu olhar explorando minuciosamente a fita de seda azul sobre os olhos de Liliane.

— Mais educação, Clara. — Jin puxou a orelha da jovem retornando sua atenção para a moça. — Eu sou Jin, apenas Jin. — Ele estendeu a mão com respeito.

— Liliane Yuki. — Ela descruzou os braços, transferindo o guarda-chuva da mão direita para a esquerda antes de apertar a mão do jovem.

O toque das mãos gerou uma sutil tensão entre os dois. Jin examinou Liliane intensamente, sentindo que ela fazia o mesmo. Contudo, ao contrário da palpitação anterior, os corações de ambos permaneceram serenos. "Aquilo" de antes foi apenas uma impressão? Nenhum dos dois parecia convencido.

— Sou Clara, Clara Ouro Preto, filha do chefe da Vila Ouro Preto. Desculpe pela minha indelicadeza anterior. — A menina, inocente, se aproximou da dupla para se apresentar.

— Tudo bem. — A doutora Yuki não demonstrou grande interesse na pequena, concentrando-se apenas em alguém específico. — E você? Qual sua ocupação?

— Um andarilho, amante da arte da espada. — Ele respondeu de forma neutra sem soltar a mão dela.

— Seu golpe anterior foi impressionante. — A doutora manteve o contato.

Ping... Ping...

— A senhorita viu Jin lutar? — As pupilas castanhas e brilhantes de Clara indicaram admiração. — O Estilo Sem Forma dele é surpreendente, não acha? — O garoto lançou um olhar repreensivo para a menina com seus olhos cinzentos.

— Estilo Sem Forma? — Liliane recordou a movimentação peculiar, seja pulando ou atacando em meio a uma esquiva. — Sim, fico pensando como alguém poderia utilizar Energia sem ser sequer um Vassalo? — Sua pergunta persistiu com o olhar examinador inalterado.

— Sou quase um Especialista Espadachim. Apesar de não conseguir formar meu Corpo de Batalha completo, consigo ter afinidade com a Energia. Já a senhorita, parece não ter Energia para perceber as flutuações internas, até onde me lembro, isso não seria impossível?. — Jin devolveu o questionamento.

— Ah, eu sou médica. Com o tempo, aprendi a distinguir se alguém é um Especialista ou não. — Permaneceu firme e confiante.

— Médica? Sério? — Clara se intrometeu animadamente. — Doutora, poderia nos ajudar?

*

No coração da floresta, três figuras caminhavam lado a lado. A garota saltitava sem receio, o jovem examinava cautelosamente os arredores, atento a qualquer movimento nas árvores, no chão ou no céu, enquanto a figura suspeita ao seu lado mantinha a guarda baixa, segurando seu guarda-chuva de madeira, ela desfilava com os olhos vendados pela floresta exibindo um sorriso despreocupado no rosto.

— Ela é bastante animada, não é? — A Doutora Yuki dirigiu o "olhar" para Clara, a qual acabara de solicitar sua ajuda.

— A Vila Ouro Preto, ao contrário da maioria das outras vilas ou tribos, é bastante peculiar.

— Sim, ao contrário de Jin, que luta para ser um Espadachim, eu já sou uma Arqueira Vassala de Cobre IV. — Clara olhou sorridente para a doutora.

— Impressionante, você não parece ter mais de 13 anos.

— Eu tenho 14! — Ela se virou irritada com as bochechas estufadas e vermelhas.

— 14, peço desculpas.

— Ya! — Clara teve o sobressalto alarmada.

— O que foi? — Perguntaram a dupla confusos.

— C-Como você sabe como eu pareço? — Clara perguntou numa mistura de espanto e curiosidade.

— Eu disse, eu não sou cega. — Riu da jovenzinha de pele parda.

— Então por que você cobre os seus olhos? — Ela a encarou intrigada.

— Clara, não perturbe a sua convidada. — Jin a repreendeu fazendo a menina mostrar a língua irritada.

— Hmpf. — Bufou antes de pular alegremente sob as grandes árvores da Floresta Equatorial Sul.

— Essa garota... — Sacudiu a cabeça. — Como estava dizendo, essa Vila é bem peculiar, em muitos sentidos, haha. A maioria dos jovens, como eu, buscam formar seu Corpo de Combate antes dos 15 anos, mas essa pequena senhorita já é quase uma Vassala de Ferro. — Jin falou com os olhos fixos na floresta.

— Isso não é incomum. Eu perambulei por muitos anos pelas Terras Desoladas, e a taxa de formação de Corpos de Combate em jovens abaixo de 15 anos é muito maior do que em zonas civilizadas. Os perigos constantes permitem que evoluam mais rapidamente. — A doutora explicou cientificamente provocando risos da outra parte. — O que foi?

— Eu não falei peculiar nesse sentido. Certo, o perigo ocasiona a formação precoce do Corpo de Combate, mas a Vila Ouro Preto não enfrenta ameaças.

-...?

— Estamos localizados em um Ponto de Água. — Clara se virou caminhando com a resposta na ponta da língua. — Os Tantis não atacam nenhuma criatura nesses pontos, evitando qualquer perigo. Mas, como consequência, diversos Tantis selvagens vagam pela região, incluindo alguns venenosos que contaminam a terra só de passar por ela. Infelizmente, nossa tribo teve seus alimentos contaminados com o veneno, mas são tantos Tantis que não sabemos qual deles contaminou os campos e muito menos qual é o antídoto. Chamamos vários médicos, mas foram roubados ou mortos por bandidos aproveitadores. Por isso, contratamos o Jin! — Clara falou sem pausas despejando todas as informações.

— Uma maneira peculiar de contar a história... — Jin bateu na própria testa, incrédulo. Mais um pouco e ela revelaria as condições financeiras da Vila!

— Mas Pontos de Água não deveriam ser tão pacíficos; os Tantis odeiam os humanos acima de tudo, não permitiriam ninguém chegar tão próximo sem retalhação.

— Você entenderá quando chegarmos lá. — Jin declarou, aumentando o passo, enquanto Clara e a médica o acompanhavam.

Os três chegaram a uma carruagem puxada por raros dois cavalos. Um senhor vestido de peles, com uma espada curta na cintura, observava as três figuras se aproximando.

— Senhorita, Jin. — Ele saudou os dois conhecidos. Quando seus olhos pousaram na mulher vestida de seda, um ponto de interrogação formou-se em sua mente.

— Essa é a Doutora Yuki. Estamos indo para a Vila para que ela trate os pacientes.

— Ah, entendi. Muito obrigado, Doutora Yuki. — O senhor grisalho saudou com respeito.

— Vamos, Max. Não temos o dia todo. Para a Vila Ouro Preto! — Ele riu abrindo a porta da carruagem e pulando para dentro.

— Animada... — Doutora Yuki soltou uma risada recolhendo seu guarda-chuva, enquanto o rapaz ao lado suspirava entrando na carruagem também.

Como o nome indicava, a Floresta Equatorial Sul estava localizada bem ao sul do Domínio dos Três Reinos, quase no Território Proibido. Suas árvores grandes e espessas formavam um dossel denso, que por vezes bloqueava completamente a luz solar. A umidade, típica das características equatoriais, combinada com o sol escaldante, fazia o suor pingar nos rostos dos três ocupantes da carruagem.

Clara sorria, olhando pela janela direita sem se incomodar, uma verdadeira filha da selva. Liliane Yuki, por outro lado, abanava a mão em seu rosto, sofrendo com o calor que apenas se intensificava ao longo do dia. Jin parecia menos afetado, com o braço apoiado na janela, segurando o rosto.

— Parece que temos alguém calorenta... — Ele murmurou com seu olhar distante na floresta.

— Sou um pouco sensível ao calor; minha região jamais experimentou algo sequer próximo a isso. — Ela riu educadamente, parando de abanar, enquanto implorava para que seu corpo aguentasse até o destino.

O rapaz desviou o olhar para ela por um instante antes de voltar sua atenção para o lado de fora. Liliane apertou a mão sobre seu vestido de cetim, resistindo a temperatura elevada. Quando a atenção de todos estava dispersa, ela recobrou sua postura graciosa e ergueu as sobrancelhas "examinando" o rapaz.

PING... PING...!

Esse barulho de chuva de novo? — Jin ficou alarmado. — Já é a segunda vez... — Procurou a fonte na floresta e depois para dentro da carruagem. Seus olhos cinzentos floresceram em azul e violeta intensos enquanto explorava os arredores.

"Observando" sua reação, uma curva suave brilhou no rosto da mulher vendada.

— Seus olhos são tão bonitos! — Ela falou encantada fazendo o garoto esconder as pupilas por reflexo.

— Você também acha? — Clara, que cantarolava para o nada, foi atraída para a conversa animada. — As cores cinza de suas pupilas são tão charmosas.

— Parem, vocês me deixam sem graça. — Ele falou com um sorriso amarelo, a mão indo para trás dos cabelos escuros, dedos deslizando pelos fios grossos sem jeito.

— Jin é bem tímido com seus olhos. Na verdade, ele é tímido em tudo. Sabia que ele rejeitou metade das meninas da minha vila?

— Sério? — Doutora Yuki ergueu a sobrancelha, surpresa com o rumo abrupto da conversa.

— Sim, não foi uma ou duas vítimas; várias pediram ele em casamento, apenas para serem cruelmente rejeitadas e terem seus corações despedaçados por esse sangue frio! — Ela encenou com as mãos um conto trágico, esmagando e partindo, dando vida às suas palavras.

— Menos, menos. — O garoto ficou cada vez mais vermelho. — Além disso, eu sequer sou um Especialista de verdade, não sei por que elas estariam tão interessadas em mim.

— Por causa dos seus olhos! — As duas mulheres falaram em uníssono. Vendo a concordância, elas não puderam deixar de rir, aumentando a confusão do jovem.

— Quem não queria que seus filhos tivessem esses olhos cinzas tão bonitos? Eu casaria duas vezes com você para ter isso!

— Haha... Eu realmente não entendo... — Jin se sentia cada vez pior.

— Olhos cinzas... — A doutora Yuki aproximou da janela, colocando o rosto para fora, aproveitando a leve brisa. O suor escorria pelo seu rosto, deixando sua pele perolada ainda mais corada pelo calor. — Dizem ser a marca de grandes Especialistas, hoje alguns consideram como símbolo de poder e raridade. — Liliane sorriu aproveitando a brisa.

Jin ficou em silêncio, assim como toda a carruagem. Ele cruzou os braços, deixando sua mente vagar para longe. Claro, ele tinha raridade sem precedente. O talento mais baixo de todos, Laranja I.

Era quase 17 horas quando eles chegaram na Vila Ouro Preto. Ou melhor, no portão de entrada da Vila Ouro Preto. Max, o cocheiro, conversou com os dois guardas no portão e explicou a situação dentro da carruagem.

— Está vendo? — Clara correu para o lado de Liliane e apontou para os dois homens vestidos de roupa vegetal. — Eles são Cavaleiros de Ouro, ouvi dizer que nem nas cidades possuem porteiros tão fortes. — Ela declarou orgulhosa.

— Oh... Isso é impressionante. — Ao contrário de suas palavras, a doutora Yuki deu de ombros. Nas capitais por onde ela passou, o pré-requisito era ser ao menos Torres de Cobre para ser um porteiro, obviamente que ela não falaria isso em voz alta.

A Energia era um aspecto fabuloso, descoberto há mais de 1.000 anos; ela era a partícula única, imutável e indivisível que formava todas as coisas. Ao ter acesso a ela, a humanidade conseguiu adquirir poderes surpreendentes, capazes de enfrentar os poderosos Tantis, que até então eram a espécie dominante sobre a terra.

Conforme os humanos evoluíam, percebiam certos padrões sobre a Energia, esses padrões eram considerados níveis. O primeiro e mais baixo era o dos Vassalos, para isso era necessário estruturar o Corpo de Combate. Os Vassalos eram seguidos por Cavaleiros, Torres, Bispos e, por último, Reis. Seja dentro dos Domínios dos Três Reinos, ou fora, não havia nenhum ser conhecido coroado como Rei, humano ou Tanti.

— Cavaleiro de Ouro é...? — Jin olhou para fora, vendo as duas figuras com roupas vegetais e lanças de madeira na mão. Para ele, com o talento de crescimento Laranja I, o primeiro nível de Vassalo poderia jamais ser alcançado; ser um Cavaleiro seria um sonho distante.

Aqueles nascidos com o Potencial Laranja tinham alguma chance de ser um Vassalo durante a vida. Potencial Vermelho, pelo menos Cavaleiro. Amarelo, ranque Torre, Cinza, Bispo e Azul, coroado a Rei. Havia apenas dois seres com Potencial Azul; um deles era Edrick Onaha, enquanto o outro estava desaparecido há anos.

Ambos eram a futura esperança da humanidade. Edrick com Potencial Azul I, e a outra pessoa com Azul IV, poderiam ser os únicos Reis nos últimos 500 anos. Potencial não queria dizer tudo, era apenas uma forma simplificada de dizer a probabilidade de uma pessoa atingir determinado nível.

Por isso, os quatro subníveis de cada Potencial eram tão importantes. Pois aqueles nascidos com Laranja IV tinham quase as mesmas chances de se tornar um Cavaleiro quanto aqueles com Potencial Vermelho I. Jin, um indivíduo de Potencial Laranja I, o menor talento possível, teria dificuldades até mesmo de atingir o primeiro nível Vassalo de Cobre.

— Vamos descer. — Max chegou na janela da carruagem e falou para os três lá dentro.

— São proibidas carruagens, armas e roupas de couro dentro. — Clara adiantou as regras para Liliane, surpreendendo-a. — Se tiver qualquer tipo de Joia Dimensional, é bom não deixar à vista. Por ser um Ponto de Água, a maioria dos Tantis é muito sensível a isso. Se um lhe atacar, a vila não prestará socorro.

— Entendi. — Assentiu a médica firme.

— Também teremos que trocar de roupa... — Clara falou pela primeira vez, envergonhada.