— Por quê...? — Sob o manto de uma noite escura e tempestuosa, em uma cratera isolada na densa Floresta da Solidão, uma criança jazia, envolta em sangue, seu peito atravessado por uma estaca de tons verde e preto.
Lágrimas escorriam pelo rosto do pequeno, mesclando-se com o líquido rubro que banhava seu corpo antes de caírem nas vinhas que o envolviam como serpentes. Com uma determinação férrea, o jovem estendia a mão em direção à estaca, buscando arrancá-la, mas a tarefa se mostrava impossível dada a debilidade que o acometia. Ele podia apenas apertar e apertar, num esforço desesperado e sem poder algum para remediar seu infortúnio.
— Selina... Me desculpe... — Os olhos negros de Jin, obscurecidos, refletiam a penumbra quando as derradeiras lembranças de seus primeiros e últimos dez anos invadiam sua mente.
*
Dez anos, uma década, esse curto espaço de tempo poderia significar muita coisa. O crescimento e degradação do bambu, o ciclo completo da vida de um animal... Para os humanos, no entanto, esses dez anos são primeiros passos de uma jornada, significava o Despertar.
A cerimônia do Despertar não era apenas uma formalidade; era a medida do potencial de um indivíduo para se tornar um Especialista. Estes eram seres extraordinários, dotados de poderes que desafiavam a imaginação. Seja um Vassalo, Cavaleiro, Torre, Bispo ou Rei, todo Especialista era uma força única no reino humano, capaz até mesmo de desafiar as leis da natureza.
Para Selina Onaha, seus primeiros dez anos deveriam ter sido uma celebração, marcados pelo orgulho de sua família. Diante dos olhares atentos de seu pai, mãe e amado irmão mais novo, ela aspirava a manifestar um potencial que a consagraria como uma verdadeira filha e herdeira do Clã Onaha. Este clã de espadachins, liderado por seu pai, era o mais poderoso e prestigiado de todos os Três Reinos.
No entanto...
— Isso... — No Coliseu do Despertar, sob inúmeros olhares, as 60 espadas que formavam um relógio ao redor da garota de cabelos lilás e olhos violetas, permaneciam apagadas. — Como?
Ninguém conseguia acreditar, especialmente os pais da garota. . A Cerimônia do Despertar era um momento único, ao segurar a Espada Primordial, o Potencial de uma pessoa seriam quantificada nos "ponteiros". Quanto maior o número de espadas interagissem com a Espada Primordial, maior o talento. Mesmo o mais fraco dos Especialistas Espadachins tinha um potencial mínimo de três espadas, para não falar dos descendentes dessa família prestigiada, mas para Selina Onaha, todos estavam apagados.
Significava que Selina, primogênita do espadachim mais talentoso dos últimos 500 anos, poderia treinar a vida inteira e jamais se tornaria uma Especialista Espadachim. Ela era, de fato, inapta no caminho da espada.
— Zero talento com a espada? Isso está errado. Refaçam o teste. — Ordenou um dos anciãos mais leais a Edrick Onaha. Edrick, o líder do clã, era um poderoso Bispo de Ouro com um potencial de 51 ponteiros, traduzido como Azul I.
Havia cinco níveis de potencial: Laranja, Vermelho, Amarelo, Cinza e Azul, cada um com quatro subníveis, representando diferentes níveis talento sendo o laranja o pior e o azul considerado como talento supremo.
Selina, no entanto, parecia estar fora dessa escala.
— Quer dizer que "aquilo" é verdade? — Sussurrou alguém na plateia para a pessoa ao lado.
— Parece que sim. Por que o maior talento em 500 anos geraria uma filha inapta para esgrima, se não fosse por "aquilo"? — Outro sussurrou.
— O pecado de Edrick Onaha... — Passou pela mente de todos enquanto encaravam o líder do clã, especialmente a mulher de cabelos lilás e olhos violetas ao seu lado.
— Não precisa. — Edrick Onaha declarou frio, seus olhos afiados percorrendo todo o coliseu antes de cravar na pequena garotinha. — Ancião, de acordo com as regras do clã, qual é o destino daqueles que são incapazes de praticar o caminho da espada na família Onaha?
— Líder, isso não é necessário...
— Apenas diga! — Ele bradou firmemente, fazendo todos os presentes estremecerem e abaixarem a cabeça evitando encará-lo.
— De acordo com o estatuto do clã, aqueles que não podem usar a espada, os chamados Inaptos Espadachins, devem ser eliminados. — O Coliseu do Despertar ficou alvoroçado ao ouvir essas palavras. Alguém sem talento deveria apenas morrer? — Mas líder, essas regras foram feitas pelos nossos ancestrais há mais de 1.000 anos, durante esse tempo ela não foi aplicada nenhuma vez, não há por quê...
— Calado. Elas não foram aplicadas porque em mil anos nunca houve um Inapto Espadachim nascido no clã Onaha! — Disse em alto tom. — Regras são regras, e é meu dever como Líder do Clã cumpri-las. — Edrick se levantou. — Se as regras do clã dizem que Selina Onaha deve morrer por ser uma Inapta, eu mesmo farei.
— Pai...? — Selina Onaha estremeceu ao encarar os olhares frios de seu pai em sua direção.
— Pai! — Jin Onaha, de 7 anos, saiu de seu acento e correu no rumo de seu pai, segurando suas roupas. — Deve haver algum erro, por favor, pai, permita minha irmã refazer o teste novamente!
— Me solta, Jin. — Seu pai rosnou, paralisando completamente o garoto.
— Mãe, diz para o papai... — Jin encarou sua mãe, que tinha o mesmo cabelo e olhos que sua irmã, mas ela apenas desviou o olhar, não ousando intervir. — Mãe...?
— Estas são as regras do clã, Jin. Aqueles que não podem manejar uma espada não devem pertencer ao clã. — Com um gesto da mão, Edrick fez Jin voar para sua cadeira. — Por isso, eu mesmo devo fazer isso. — O corpo do líder piscou, desaparecendo de sua posição para reaparecer diante da menina em milésimos de segundo.
— Pai... Pai... Por favor, eu posso tentar de novo, eu posso aprender esgrima... — A pequenina implorava coberta de lágrimas para o próprio pai, carne de sua carne, sangue de seu sangue.
— Pai! — Jin também gritava coberto lágrimas.
— Regras são regras. — Edrick, desprovido de qualquer emoção, sacou a espada negra em sua cintura. Seu brilho escuro parecia sugar toda a luz ao redor, e o som de corte ecoava apenas do vento deslizando pela lâmina afiada.
Com um movimento, a espada desceu em direção à cabeça da menina que clamava.
— Pai!
— Pai!
As duas crianças imploravam em prantos, mas não houve corte. Muito pelo contrário, o som de choque estremeceu todo o coliseu.
Clang!
— Sol, Lua, o que estão fazendo? — Edrick teve uma veia saltando sobre sua testa quando seus dois discípulos bloquearam o ataque. Uma espada vermelha flamejante e outra prateada de superfície espelhada estavam cruzadas, protegendo a criança.
Os dois jovens sentiram seus braços entorpecerem apenas por segurar a espada de seu mestre. Com toda a força, eles suportaram o ataque, mas sangue escorria pela boca de ambos enquanto Edrick forçava levemente a espada para baixo.
— Perdoe-nos, mestre, mas não vamos deixar você matar sua própria filha! — Sol, o jovem rapaz de roupas brancas, declarou, explosões da energia escaldante de seu corpo acompanhando seus olhos vermelhos brilhantes e seu cabelo ruivo.
— Ela é sua filha. Jamais deixaríamos o senhor carregar esse fardo. Pode nos culpar, mas é para o seu próprio bem. — Lua, a mulher de cabelos prateados e olhos dourados, foi enfática, aumentando sua energia e explodindo contra o mestre. A lâmina espelhada de sua espada brilhou numa luz branca antes de interagir com a espada flamejante, tornando-se ainda mais forte juntas.
— Já chega, Edrick! — O ancião de antes não conseguiu ficar parado e, aparecendo na frente de Selina, tomou-a pelos braços. Uma espada de vento apareceu, unindo-se às espadas de Sol e Lua.
Uma explosão afiada quase danificou todo o coliseu quando Edrick foi lançado para trás, infelizmente, sem sequer um arranhão.
— Tudo bem, garota. — A espada de vento desapareceu, e o ancião afagou a cabeça da pequenina. — Vai ficar tudo bem.
— Sol, Lua, e Ancião Alexander, o que pensam que estão fazendo? — Rosnou o líder do Clã Onaha, apertando sua espada.
— Isso está indo longe demais, Edrick. Você realmente pretende executar sua própria filha diante de todo o clã, na frente de sua esposa e filhos? — Ancião Alexander bradou, e os pais de todas as crianças tamparam os rostos de seus filhos, expressando medo.
— O que quer que eu faça? São as regras do clã, e ninguém é exceção, nem mesmo eu e minha família. — Edrick permaneceu decidido com seus olhos negros afiados.
— Absurdo! Essas regras foram feitas há mais de 1.000 anos e nunca foram cumpridas. Por que tem que ser tão cabeça dura? — Rosnou, com todas as veias saltando. — Ela é uma criança. Se quer ser tão obstinado, por que não fazemos o seguinte? Dê 20 anos de vida para a pequenina. Morrer em uma idade tão jovem sem poder se defender, acha isso justo?
— Ótimo, que assim seja. No entanto, se ela completar 30 anos e seus descendentes forem tão inúteis quanto ela, todos devem ser mortos.
— Isso... Você não... — Uma incredulidade pendurou no rosto do ancião pela insistência de Edrick no assunto.
— Eu farei! — Jin se ergueu de sua cadeira e gritou.
— Jin? — Sua mãe e seu pai olharam para a criança de olhos cinzas e cabelos pretos, confusos.
— Eu, Jin Onaha, prometo que serei o melhor espadachim do clã, por mim e por minha irmã.
— Garoto, você tem alguma ideia do que está prometendo? — Edrick olhou para a criança com um sorriso de desprezo.
— Daqui a três anos será o meu despertar. Mostrarei para todo mundo que eu, Jin Onaha, serei o espadachim mais talentoso e mais forte que o mundo já viu! — Declarou determinado, seus olhos cinzas cintilavam pura confiança em sua promessa.
Eu mostrarei... Eu mostrarei... Eu vou ser o mais talentoso e mais forte... Mais talentoso e forte... Mais talentoso... Mais forte... Mais forte... Forte...
Jin se lembrou de suas palavras, com a estaca vegetal cravada em seu peito, o sonho de ser o mais forte. Mas ele morreria com o mísero Potencial de Laranja I. A Cerimônia do Despertar foi horrível. Quando Jin subiu no Observatório das Espadas, apenas três ponteiros foram acesos, revelando o talento mais baixo de todo o clã em 1.000 anos, seguido de sua irmã mais velha, que era Inapta.
Por consequência, ele foi expulso do clã e exilado. A menos que ele alcançasse o nível de uma Torre de Ouro antes dos 27 anos, apenas assim poderia salvar sua irmã de ser morta e retornar ao clã.
Mas...
— Líder do Clã, ranque Torre de Ouro antes dos 27 anos? Apenas os maiores gênios podem conseguir essa façanha. Alguém com o Potencial de Laranja I pode nunca ser um Vassalo em toda sua vida, muito menos um Cavaleiro. Como espera que ele atinja o ranque Torre de Ouro? — O ancião Alexander, novamente, tentou convencer o Líder do Clã.
— Quem foi que disse que seria o maior espadachim do clã? Homens não devem prometer levianamente. Caso sequer não possa atingir esse nível, como ele espera me ultrapassar? — Os olhos frios de Edrick pousaram sobre a criança descrente e coberta de lágrimas ao olhar o seu resultado.
Sua mãe não ousava olhar para o seu rosto, enquanto sua irmã Selina tinha a mesma expressão de prantos.
— Inútil... Inútil... — Ele podia ouvir os sussurros, os olhares, os risos.
Sua promessa de ser o mais forte havia caído miseravelmente por terra, ele sendo o segundo pior talento do clã Onaha em mais de 1.000 anos. Mas o que isso importava? Agora, seu frágil, decrépito e ridículo corpo foi empalado no coração, as vinhas circundavam seu corpo amarrando enquanto os espinhos perfurantes drenavam toda a sua vida.
— Eu vou morrer? — Jin ainda não podia acreditar. — Selina... Me desculpa... Seu irmão é um inútil... — A estaca no centro começou a crescer, abrindo ainda mais o buraco em seu peito.
Jin vomitou um bocado de sangue com um grunhido estridente de dor. Para uma criança de 10 anos, a dor excruciante era um pesadelo, cada centímetro da sua pele era espremida junto com os espinhos fazendo buracos por todo seu corpo. Isto seria a última coisa que ele sentiria antes de morrer, enquanto era preso nas memórias do passado.