Barra da Tijuca, Novembro de 2021
Débora se encontrava no interior de seu quarto, indecisa sobre o que iria vestir naquela noite. Apesar de ter escolhido com antecedência o vestido para sua festa, uma segunda opção havia aparecido de última hora, a deixando ainda mais em dúvida.
Queria passar uma boa impressão para os convidados. O vestido verde turquesa era muito belo, na região do busto, o material de renda costurado a mão sustentava o comprimento volumoso do tecido de tule.
Já o vestido vermelho carmim era longo, com uma fenda na lateral da perna esquerda, justo na cintura, formando um decote em V no busto e sustentado por duas alças finas, um tecido refinado feito de seda, que transmitia um ar de "mulherão". Talvez os seus familiares a estranhassem vestindo algo ousado, mas Débora estava decidida a usá-lo, pois havia sido desenhado e costurado por ela, o que tornava o valor da peça ainda mais especial.
Complementou a vestimenta com um salto stiletto e acessório de prata, que ornavam com o subtom frio de sua pele. Caprichou na base e corretivo para esconder as sardas que tanto lhe incomodava, e por fim, deixou os fios castanhos médio soltos, exibindo o longo cabelo que caía sob suas costas.
A jovem se perdia em seus pensamentos em como as coisas funcionariam dali para frente, o tempo passou rápido, e prometia passar ainda mais, e qualquer decisão tomada teria que ser de forma cautelosa, caso contrário, poderia se arrepender futuramente.
Diana, mãe de Débora, se aproximava da porta de seu quarto, e deu leve batida na madeira, e ao ouvir um "entre" de Débora, ela adentra em seu quarto se deparando com sua filha já pronta.
— Vamos, caso o contrário vai se atrasar. Os convidados já estão te esperando. — Diana diz com aspereza.
Débora se olha mais uma vez para o espelho, dando um sorriso fraco, esperava que ao menos recebesse um elogio de sua mãe, ou até mesmo um "parabéns'', mas Diana parecia só se importar na recepção dos funcionários e em ostentar os luxos conquistados pela família. Mesmo sabendo do comportamento de sua mãe, Débora ainda mantinha esperança que ela iria mudar.
As duas se dirigem até o elevador, que as levariam diretamente para o salão de festas do condomínio. Desde cedo, os funcionários se apressaram para deixar tudo de acordo com o planejado.
— Que cara é essa? É seu aniversário, cadê o sorrisão? — Diana questiona, ao ver sua filha com um semblante sério.
— O combinado seria uma festa entre os familiares, acho que a senhora se empolgou um pouco, não?
— Está sendo muito ingrata, seu pai e eu nos esforçamos para fazer tudo do seu agrado — Diana ajeita seu cabelo em frente ao espelho do elevador, em seguida, retira o excesso de batom do canto de seus lábios. — E você deveria estar usando o vestido que compramos na loja, ficamos lá durante horas, e no final das contas você escolheu qualquer peça do seu guarda-roupa.
Débora morde o interior de suas bochechas, não iria discutir com sua mãe, pelo menos não no dia da sua festa, ela precisava curtir e descansar.
As portas do elevador se abrem, e as duas atravessam o hall de entrada do salão, Débora expõe um sorriso em seu rosto, se preparando para recepcionar os convidados.
Débora se admira pelo capricho que seus pais tiveram para preparar a festa, o salão estava sendo iluminado pelas luzes néon coloridas dos projetores, as mesas estavam muito bem decoradas com camélias vermelhas e brancas, os comes e bebes pareciam bem apetitosos e os convidados estavam bem à vontade, dançando e se divertindo pelo salão.
A cada ano seus pais capricham mais e mais nas festas, porém, Débora estava desgastada, queria poder curtir seu aniversário de uma forma diferente, podendo viajar com os amigos ou até mesmo um jantar em família seria o suficiente para ela, mas sua mãe insistia em preparar uma festa, e Débora cedia para não aborrecê-la.
— Como você está linda! — Daniela se aproxima de sua neta, estendendo os braços e a abraçando, Débora afaga o rosto nos cabelos grisalhos e o cheiro adocicado invade suas narinas. A saudade de sua avó era tão grande, que se dependesse, jamais sairia de seu abraço. Débora não escondia de ninguém que possuía preferência pela sua avó paterna — Aqui está seu presente. — Daniela entrega à jovem uma caixa com um embrulho dourado. — Espero que goste, foi de coração!
— Mesmo a senhora não me trazendo nada, ficaria feliz do mesmo jeito — Débora a agradece, lhe dando outro abraço.
Ao abrir o presente, Débora segura em suas mão uma gargantilha prateada com pequenas pedras verdes escuras em torno do acessório, não tinha tanta certeza, mas deduziu que as pedrarias se tratavam de esmeraldas, sua jóia favorita, ela se emociona ainda mais pelo detalhe que sua avó havia se atentado.
Ela agradece mais uma vez a sua avó, e pediu para a senhora que a ajudasse a substituir o colar pelo o que ela havia ganhado de presente.
— Eu amei o presente vovó! Como sempre, acertando em tudo que eu gosto.
— Fiz um esforço para tirar um belo sorriso do seu rosto — Daniela toca no rosto de sua neta, que inclina a cabeça na palma de sua mão, emergindo todo sentimento de carinho que tinha por ela.
Débora percorre seu olhar a procura de uma pessoa em especial, seu namorado, estava ansiosa para vê-lo, ninguém a interessava muito além dele, mas não conseguia vê-lo de maneira alguma em meio aos convidados.
Ao ouvir a introdução da música Another One Bites The Dust da banda Queen, Débora teve a certeza que tinha o dedo de Júlia nas escolhas do repertório musical de sua festa.
— Até que enfim achei a aniversariante! — Júlia vem ao seu encontro, como se tivesse ouvido os pensamentos da prima.
A jovem vestia calças de alfaiataria preta e um blazer da mesma cor com as mangas dobradas até metade do antebraço, por baixo do blazer, utilizava um corpete de renda cor marfim. Apesar de complementar a vestimenta, Júlia tinha certeza que em poucos minutos tiraria o blazer de seu corpo, devido ao típico calor que fazia na cidade.
Júlia não se incomodava em ficar ainda mais alta do que já era, mesmo tendo 1, 75m de altura, se arriscou a usar um salto alto, salientando mais em seu tamanho . A maquiagem estava bem leve, contrastando com sua pele branca, e os seus olhos negros era o que tomava mais destaque pela escolha dos tons neutros da sombra. Seus cabelos negros estavam soltos, alinhados em leves ondas em seu comprimento. Mesmo não querendo, a mulher chamava atenção por onde passava, tanto pela sua altura quanto pelo seu corpo atlético.
Júlia nada mais era que a prima de Débora, não só isso, era sua melhor amiga e confidente, ou até mesmo considerada irmã de outra mãe pela jovem.
— Fico feliz que tenha vindo!
— Não iria perder essa festa por nada nessa vida — Júlia esboça um sorriso. — Você está simplesmente linda! Isso tudo é para impressionar o Martins?
— Também! — Débora ri. — Falando nele, você o viu?
— Pra ser sincera, não, mas acredito que logo mais ele apareça.
Débora e Martins estavam namorando fazia exatos três anos. Os dois se conhecem desde quando eram crianças, por conta de seus pais, que eram amigos desde a faculdade. Débora e Martins nutriam um sentimento especial um pelo outro, mas guardaram para si durante muitos anos por medo de estragar a amizade, porém, o sentimento que tinham um pelo outro era muito mais forte, até que Martins decide assumir um relacionamento sério com Débora. Seus pais ficaram muito felizes com a notícia, e apoiaram o relacionamento dos dois.
A jovem havia ouvido através de Júlia, que muito em breve Martins iria lhe pedir em casamento e, só de cogitar a ideia ela ficava nervosa, porém feliz.
— Vamos dançar, a noite está apenas começando! — Júlia segura o pulso de Débora, a carregando pelo salão em meio aos convidados, onde procuraram um lugar na pista para poderem dançar à vontade.
Júlia era amante das festas, adorava dançar, beber e se divertir, dificilmente recusava um convite. E Débora, por vezes, a acompanhava nessas festas. As duas eram quase inseparáveis e raramente brigavam.
O DJ muda o estilo rock dos anos 90 para músicas eletrônicas de 2010, a música Blame do Calvin Haris começa a tocar, Júlia e Débora começam a dançar e cantar loucamente, alguns dos convidados se esgueiram e as olham com desaprovação. Mas Débora não se importava se estavam gostando ou não, como Júlia sempre dizia "se não gostaram, é só simplesmente virar o pescoço e olhar para o outro lado".
As duas passaram uma boa parte da noite na pista de dança, alguns convidados já haviam se retirado para descansar, e gradativamente só foi restando poucas pessoas .
As garotas pararam de dançar assim que a música foi interrompida, Débora procura o motivo disso ter acontecido, até que vê Diana se aproximar de si com um microfone em mãos.
— Boa noite a todos! Me desculpem pela interrupção — Diana caminha cuidadosamente, tomando cuidado para não tropeçar nos fios que conecta o microfone as caixas de som. — Fico feliz em ver que estão se divertindo. Essa noite está sendo muito especial para mim, principalmente pela minha menina estar completando mais um ano de vida...
Os convidados começam a bater palmas interrompendo Diana de falar. Débora sente suas bochechas queimarem, todos estavam olhando para ela, aquilo a deixava nervosa.
— Eu só vou dar algumas palavrinhas — Diana segura uma das mãos de sua filha, que se encontravam gélidas. — Queria dizer o quanto você é especial para mim, não sabe o quão feliz fiquei quando recebi você em meus braços assim que nasceu, parece até que foi ontem que aconteceu, mas veja só, o tempo passou tão rápido. Me dá uma saudade do passado, de poder cuidar e te ensinar tudo que você sabe até hoje, mas fico feliz em estar vendo na minha frente, a mulher maravilhosa que você se tornou. Feliz aniversário Débora!
Diana envolve Débora em um abraço, a garota toma cuidado para não chorar de emoção, mas ainda sim algumas lágrimas caem de seus olhos, a qual ela limpa delicadamente.
— Espero que goste do presente, foi pensado com carinho pelo seu pai e por mim — Diana entrega nas mãos de Débora, uma caixa pequena, que não deveria medir mais que o seu palmo, preta com um laço dourado em cima. Débora abre a caixa, ela fica surpresa ao encontrar a chave de um carro, mal estava acreditando no tamanho presente que seus pais haviam lhe dado.
— É nessas horas que a gente descobre quem é o filho preferido — Lucas, irmão de Débora, grita ao fundo tirando risadas das pessoas.
— Vocês sabem muito bem que eu não tenho essa de filho preferido, seu bobinho! — Diana se aproxima de Lucas, e se aconchega nos braços de seu filho.
A jovem agradece pelo presente para seus pais, iria começar logo as aulas de direção o mais breve possível, agora Júlia e ela poderiam sair para onde quisessem sem depender de terceiros.
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Débora ainda esperava impaciente pela chegada de seu namorado, que mal deu as caras durante a festa, que já se findava. A garota resolve então ligar para ele, estava preocupada, imaginando que algo de ruim havia lhe acontecido, se arrependeu até mesmo de não ter telefonado antes.
O celular dá chamada perdida, ela tenta mais uma, duas, três vezes... Nenhuma das suas tentativas obtiveram sucesso.
Será que ele havia se esquecido?
Impossível! Martins era ótimo com datas, até melhor que Débora, ainda mais em um dia especial como aquele. Será que ele estava preparando uma surpresa? Débora preferiu não criar tanta expectativa, para evitar uma futura decepção.
Estava cansada de esperar, seu semblante de frustração estava cada vez mais difícil de esconder. Ela resolve se despedir do restante dos convidados e voltar para seu apartamento para enfim poder descansar.
Débora retira os saltos no meio do corredor e os carrega pela alça, chama o elevador e o aguarda chegar.
Seu celular vibra na subida para o andar, Débora o pega imediatamente, na esperança de que seja Martins dizendo que estava bem.
Seu nome estava no início da mensagem, salvo carinhosamente por Débora como "príncipe", os dedos da jovem clicam freneticamente na tela a fim de abrir a mensagem. O texto era grande, seus olhos percorriam linha a linha tentando assimilar cada palavra ali escrita:
Olá Débora! Como está sendo o seu aniversário? Está curtindo bastante?
Queria primeiramente te desejar os parabéns, felicidade e muito sucesso em sua vida!
Você deve estar se perguntando o motivo de não comparecer na sua festa, bem, pode me chamar de covarde, ou qualquer coisa que for, e admito que sou um.
Eu espero que você me entenda, mas não tenho coragem de conversar contigo pessoalmente sobre um assunto que me atormenta há meses, não quero que fique chateada comigo e saiba que eu te amo muito. Eu tive momentos incríveis com você, foram três anos ao seu lado, você foi minha primeira namorada e me proporcionou boas experiências e te agradeço por estar ao meu lado nos meus piores dias.
Saiba que está sendo difícil isso para mim, mais do que aparenta ser. Mas eu não quero manter um relacionamento com você, não ache que você é a culpada, longe disso. Eu só não estou em uma fase da minha vida que me permita permanecer em um relacionamento, preciso de um tempo, um momento para pensar, te peço perdão por qualquer mal que te causei e espero que fique bem.
Débora não conseguia acreditar nas palavras ali escritas, mal conseguia assimilar o que havia acabado de acontecer. A garota sai do elevador, indo ao seu apartamento e se sentando no sofá de couro da sala, lendo e relendo a mensagem várias vezes tentando entender o que havia acabado de acontecer.
Não poderia ser verdade, seu namorado estava terminando com ela? E ainda mais por mensagem? No dia de seu aniversário?
Débora tenta ligar para Martins, mas todas as chamadas caem na caixa postal. Ela precisava saber se aquilo era real ou se passava de uma brincadeira, queria ouvir da boca dele, que ele havia terminado com ela.
Mas as palavras estavam muito claras.
Lágrimas começam a descer pela face de Débora, borrando toda a maquiagem que havia feito mais cedo.
Mais uma de suas tentativas de ligação acaba parando na caixa postal, apenas uma voz robótica com falas padronizadas dizia para que deixasse uma mensagem.
— Martins, por favor me liga! O que está acontecendo? Me explica, quem sabe possamos resolver junto... — sua voz estava frenética e se misturavam aos soluços de choro. — Você nem ao menos me deu uma explicação decente. Por favor, me diz que tudo não passa de uma brincadeira. Não faça isso comigo, por favor!
Mais e mais lágrimas rolam pelo rosto de Débora, sua ficha estava pouco a pouco caindo, se perguntava o que tinha feito de errado para seu namorado ter feito o que fez.
O que poderia ter acontecido de tão grave para Martins ter rompido um namoro de três anos, sem nenhum motivo aparente?
Desconsolada, Débora recosta a cabeça no estofado do assento. Martins havia acabado com a noite que era para ser especial para a garota. Há poucos dias atrás, ele estava dizendo o quanto a amava e hoje demonstrou totalmente o oposto disso.
Como as palavras eram enganosas, e as atitudes apenas apresentavam a real intenção das pessoas.