Capítulo Quatro
As aulas naquele dia passaram voando, os alunos mal perceberam que o horário de fim das aulas havia chegado. Os professores foram bem didáticos e as aulas foram bem divertidas que o habitual.
— É a primeira vez que eu tenho vontade de ficar ouvindo o professor falando o dia inteiro — Alice comenta com Débora.
— Eu também! Agora sabendo que vou ter que fazer algumas aulas complementares de corte e costura me dá um pouco de desânimo, sou um desastre na parte de costura, tanto que até hoje só fiz uma única peça decente na minha vida.
— Você vai pegar a prática com o tempo, não é lá um bicho de sete cabeças.
— Você deve ser expert nisso, aposto que você fez sua roupa de novo hoje - Débora supõe.
Alice olha de soslaio dando um leve sorriso.
— Quase isso, peguei duas jaquetas de um brechó e juntei em uma só. O bom é que ela não esquenta e pode usar no calor — explica Alice.
— Quem tem talento, faz acontecer! — Débora diz impressionada. — Você vai se dar bem nas aulas de costura.
— Isso graças a minha vó, que me ensinou a costurar.
— Estou vendo que vou ter pesadelos com essa aula - Débora ri de nervoso.
— Vai por mim, não sofra por antecedência. Na hora pode ser que você aprenda muito mais rápido.
Débora sente o celular vibrando, ao pegá-lo, uma notificação com o emblema da universidade aparecia em sua tela, abaixo, uma mensagem com comunicado.
" Caros alunos
Visando os trotes dos últimos anos, os coordenadores do Centro Universitário de Arte e Design, decidimos fazê-lo de um modo diferente do habitual. Como forma de incentivo, faremos arrecadações de roupas e alimentos com o objetivo de doá-los às comunidades carentes.
Então convidamos todos os universitários a participarem dessa ação, caso tenham roupas usadas e bem conservadas, ou alimentos não perecíveis, estaremos fazendo a arrecadação durante a festa dos calouros que acontecerá na próxima sexta-feira, dia 18/02.
Venham fazer parte dessa ação!
Att a coordenadoria"
— Você também recebeu a mensagem? — Alice indaga, e guarda seu celular no bolso de sua calça.
— Sim — Débora apaga a tela do smartphone e volta sua atenção para a Alice. — Achei muito legal essa iniciativa!
— Muito, melhor do que aqueles trotes que servem apenas para difamar ou constranger alguém.
Uma gritaria vindo direto do campus chama a atenção de Alice e Débora, curiosas, vão em direção a multidão alvoroçada que formavam uma roda em volta do que estava acontecendo. Estava difícil de ver e saber do que se tratava. Por instinto, Débora entra no meio da multidão, empurrando e se espremendo no meio das pessoas. Então a jovem se exaspera ao ver Lucas saindo aos socos com outro rapaz, e o pior disso tudo, Lucas era quem estava apanhando mais, porém não desistia de ir para cima do seu oponente.
Débora queria ajudá-lo, mas sentiu medo de ser atingida por algum dos golpes ao entrar no meio. Alguns estudantes se aproximam dos dois, apartando a briga.
— Você vai ver, ainda vou acabar com a sua raça! — Lucas grita, se debatendo na tentativa de se livrar dos alunos que o segurava.
— Pode vir playboy, acha mesmo que eu tenho medo de você? — com um tom de voz sereno, e um olhar de desdém, o rapaz diz a Lucas.
— É melhor ter — ao ouvir aquilo, Débora fica desacreditada, seu irmão havia tomado uma surra e ainda arrumava coragem de ameaçá-lo.
O rapaz se desvencilha dos alunos que o segurava, pega sua mochila no chão sem nem ao menos tirar os olhos de Lucas e vai embora, sem dizer palavra alguma.
— Você perdeu a cabeça, Lucas?! — Débora se aproxima de seu irmão, que ainda estava sendo contido pelos homens.
— Aquele filho da puta! Será que dá pra me largarem? — Lucas pede, e os alunos o obedecem.
— Para onde você vai? — Débora apressou seus passos atrás de Lucas, que saiu desorientado em meio a algumas pessoas que filmavam a situação, impulsivamente, Lucas mostra o dedo médio para as câmeras, sem ao menos se preocupar para onde iriam tais imagens.
— Queria passar com o carro por cima dele — Lucas coloca a mão na cintura e olhando à sua volta, tenta se lembrar onde havia deixado seu carro.
— Chega! Você não vai pra lugar nenhum desse jeito — Débora segura nos braços de Lucas, tentando contê-lo, o que não adiantaria muita coisa comparando seu corpo esguio ao porte grande de seu irmão.
— Calma, eu não vou matá-lo... Ainda.
Débora passa os dedos entre seus cabelos, não saberia o que faria para acalmar Lucas.
— Vem, vamos sentar ali — Débora aponta para o banco de madeira em frente a universidade, Lucas a acompanha se sentando. — Vai querer alguma coisa? Uma água?
Cuidadosamente Alice se aproxima dos dois com o paletó de Lucas em mãos para devolvê-lo.
— Acho que isso é seu — Alice estica a roupa para o rapaz. Lucas eleva o seu olhar, fazendo cara de pouco amigos para Alice, e num ato impulsivo, quase puxa o paletó das mãos da garota.
— Por que você estava se esmurrando com aquele cara? — inquiriu Débora. — Olha só para o seu estado!
— Vai começar com o sermão, Diana número dois? — Lucas pega o paletó tentando estancar o sangue que descia por sua boca— Adivinha o que eu descobri, que a Selena estava me traindo — Lucas ri, mas seu riso era de puro desgosto. — Justamente com aquele cara que eu queria terminar de acabar com a raça dele.
Débora tenta falar algo, mas nada sai de seus lábios, nem estava acreditando no que seu irmão havia dito.
— A Selena? Será que não foi algum engano? — deduz a garota.
Lucas maneia a cabeça para os lados, um nó se forma em sua garganta, revolta e ódio era apenas o que sentia no momento. Queria evitar falar sobre o assunto, mas Débora não parecia se contentar em saber o mínimo.
— Mas por que? Eu não acredito que ela fez uma coisa dessas... Justamente a Selena.
—Débora, vai comprar uma água pra mim— O rapaz pede, na tentativa de se livrar das perguntas.
O corpo de Débora se tenciona pela grosseria do rapaz, entretanto, tentou entender a tamanha irritação de seu irmão, a garota então girou os calcanhares, à procura de uma loja qualquer para comprar a água.
Alice ainda permanecia lá, quieta, observando e ouvindo tudo, ela não sabia se iria atrás de Débora, se ajudava ou se iria embora.
— Eu tenho álcool e curativo aqui na minha bolsa, se quiser... — Alice resolve então ajudá-lo.
Lucas fica um pouco receoso com a ação da menina, não fazia a mínima ideia de quem era ela, ou se estava ali por pura curiosidade.
— Acho que ajuda — aceita, apenas por educação.
Alice coloca sua bolsa sob o banco e procura pelos materiais, ao encontrá-lo, Alice embebede o algodão de álcool e se aproxima do rapaz, tentando limpar as feridas de seu rosto.
— Parece que ele quebrou seu nariz — Alice dá alguns leves toques com a ponta de seu dedo, que faz Lucas recuar pela dor.
— Aquele desgraçado vai ver só, quando eu for atrás dele, vou bater tanto nele que ele jamais vai se esquecer.
— É mais fácil você perder um dente dessa vez — Alice diz sem pensar, ao perceber, ela tenta se corrigir, porém já é tarde.
— Tá aqui só para tirar sarro da minha cara? — Lucas fica na defensiva, se esgueirando da garota.
— Bem menos loirinho, tá querendo arrumar briga a toa com todo mundo a troco de que? — Alice encara Lucas novamente, e seu tom de voz se torna mais rígido. — Saiu batendo no cara, arrumando confusão, sendo que a culpada da história foi ela. Ninguém trai o parceiro sem querer. Era com ela que você deveria se resolver, mas claro, sem perder a cabeça e querer agredi-la.
— Primeiramente, meu nome é Lucas — tratou de corrigi-la. — Segundamente, não sou nenhum covarde para agredir uma mulher.
— Sei lá, eu não te conheço, vai saber...
Antes que Lucas tivesse a chance de retrucar com Alice, Débora retorna para onde os dois estavam, trazendo consigo a água que prometera.
— Pedi um sachê de açúcar também para ver se acalma seus ânimos — Débora oferece a água e o açúcar para Lucas.
— Valeu, mas vou ficar só com a água — Lucas pega a garrafa da mão de Débora, a abrindo e dando rápidas goladas na água.
O som de sirene ecoa pelo campus, os três olham assustados para o carro da polícia que se aproximava, Débora imediatamente se preocupa, não achou que o caso fosse tão grave a ponto da polícia ter que aparecer.
— Deixa que a partir daqui eu me resolvo — Lucas pega o paletó ao seu lado e caminha em direção a viatura que para em sua direção.
Alice e Débora decidem então se afastar, e deixar Lucas a sós com a polícia.
— Segundo dia de faculdade e já teve briga, imagina daqui pro final do ano! — Alice comenta.
— Meu irmão causando boas impressões por aí — Débora brinca sobre a situação.
— Do jeito que ele estava, achei que iria atrás do cara pra apanhar mais.
Débora não se aguenta e começa a rir junto com a Alice.
— Ele pagando de briguento e não sabe nem se defender — continua comentando em meio às risadas. — Pelo menos não aconteceu nada de tão grave.
— É, só teve um nariz quebrado, nada de mais — Alice diz com escárnio.
— Puts! Só não deixa ele saber que eu estava falando mal dele pelas costas.
— Fica tranquila. Acredito que eu e o brutamonte do seu irmão não vamos nos falar mais.
— O que ele fez?
— Só queria arrumar confusão com Deus e o mundo. Ele é super grosso, fui tentar ajudar e ele nem sequer agradeceu.
— O Lucas não é assim, te juro, me desculpe...
— Que isso, você não fez nada. Enfim, preciso ir!
— Muito obrigada mesmo por ter nos ajudado. Aposto que perdeu seu horário de almoço, perdão.
— Sem problemas! Enquanto isso, eu resolvo depois.
— Prometo que compensarei o seu almoço — os lábios de Débora se curvam em um sorriso sincero, se despedindo de Alice.
☼☼☼
— Eu não estou acreditando nesse babado! — Um sorriso se forma de canto a canto no rosto de Júlia, que mal piscava com tudo que Débora lhe contava.
— Nem eu que vi tudo acontecer estou acreditando.
— Ainda tô tentando assimilar esse tanto de informação. Logo a garota mais santa meteu um chifre do tamanho do Cristo Redentor na cabeça do Lucas, e ele perdeu o controle total. Finalmente irei deixar de ser assunto da família por um tempo.
— Foi tudo isso que aconteceu só hoje. Agora só resta esperar Lucas dar alguma notícia do que aconteceu com a polícia.
— Chama ele pra cá, assim fico sabendo desse bafão pessoalmente — Júlia propõe.
— Não será preciso —surpreendentemente Lucas aparece na casa de seus pais. Dessa vez mais calmo, porém seu rosto estava com alguns curativos e hematomas ocasionados pela briga. — Eu sabia que estavam falando mal de mim, senti minha orelha queimando, suas fofoqueiras! — Lucas caminha até o expositor de vinho, que ficava na própria sala da família, e escolhe uma das garrafas.
— Esse foi um dos eventos mais raros que aconteceu na minha vida e eu mal pude estar lá para presenciar. Ver o membro da família mais "comportado" e centrado perder a cabeça. Senta aqui e me conte o resto — Júlia dá alguns tapas no estofado do sofá.
— Júlia, dá para amenizar as piadas cítricas — pondera Débora. — Pensei que iria para sua casa — Débora redireciona as palavras a Lucas, que retorna com a taça e a garrafa de vinho em mãos.
— Se eu for pra lá, capaz de atirar as coisas da Selena pela janela. Ainda não me caiu a ficha do que ela fez.
— Acho que esse nariz quebrado já diz muita coisa — Júlia diz, analisando de perto, observando cada curativo em sua face. — O negócio foi feio!
—Obrigado, suas palavras de conforto e obviedade estão sendo tão motivadoras! —falando calmamente, Lucas repousa sua mão no ombro de Júlia.
— Sabe o que irá te confortar? Ir para uma boate, curtir e beber com uma galera daora.
Débora se empertigou, não estava acreditando que depois de tudo o que aconteceu, Júlia estava propondo levar Lucas para se embebedar.
— É sério isso? Você vai levar o Lucas para beber?
— Beber não, se divertir— Júlia estica seus braços envolvendo Lucas e Débora entre eles. — É a primeira vez em anos que estamos os três solteiros, deveríamos aproveitar e sair muito, assim nenhum de vocês dois ficam em casa se lamentando pela vida e dos amores mal correspondidos. Prometo que não irão se arrepender.
Lucas e Débora se sentem relutantes, seria uma boa ideia ou não sair com Júlia?
— Vamos pensar no seu caso — Débora desvencilha dos braços de Júlia. — Deixa o Lucas em paz para colocar as ideias no lugar, depois vamos pensar nessa de sair, se divertir...
— Eu vou, não tenho mais o que fazer mesmo — Lucas concorda. — Aliás, o melhor jeito para esquecer a Selena é beijando outras bocas.
— É disso que eu falo, família!
Júlia se levanta do sofá com um pulo, comemorando por ter convencido pelo menos um deles.
Débora maneia a cabeça para os lados rindo, convencida de que Júlia não mudaria nesse quesito. Festa e curtição estavam gravados em seu DNA.
Mas o problema maior estava em Lucas. De que forma ele lidaria com a traição, será que ele seria forte o suficiente para superar ou se afundaria de uma vez por todas?