Em Peccáta, algumas horas antes, Proditor, um dos anciãos que estavam no conselho, agora estava sentado em uma mesa ao canto de uma cafeteria da cidade, enquanto tomava uma bebida disposta sobre a mesa e parecia cautelosamente esperar por alguém.
Logo, uma bela jovem usando batom vermelho, muito atraente, até mesmo para os padrões dos viri sanguinium, de olhos e cabelos pretos que chegavam aos ombros, entrou no estabelecimento, caminhando até sua mesa, e sentando-se à sua frente. Assim que sentou, a bela moça, com uma voz sedutora perguntou piscando para o velho homem:
-E então Proditor? O que tens para mim?
Com seriedade, o homem de cabelos grisalhos e um bigode branco, fixou seus olhos pretos na bela face da mulher, enquanto posicionava seu monóculo com a mão direita, respondendo:
-Não há tempo para brincadeiras, Narcisa! Primeiramente, estás certa de que tu não foi seguida? O que tenho a vos dizer, é de extrema importância!
Narcisa olhando para ele respondeu:
-Não se preocupe Proditor!
Então, abrindo sua mão direita, Narcisa mostrou um pequeno besouro preto com olhos vermelhos que repousava em sua mão. Colocando o besouro nas mãos de Proditor, logo a bela moça continuou:
-Meus queridinhos venato's estão vigiando por toda parte! Tu sabes que sou a melhor espiã de nossa facção! Não há como eu permitir que alguém nos perceba, certo? Além disso, este estabelecimento pertence à nossa facção, não há o que temer.
Ela terminou, dizendo em uma sedutora e piscando novamente para Proditor, que ouvindo as palavras da bela moça, continuou:
-De Avarum fará um grande movimento! Tudo o que sei é que marcharemos para Maschera e devemos preparar nossos servos mais fiéis. Isso nos indica que De Avarum deseja manter tudo em segredo. Somente Nuntio sabe de todas as informações e se recusou a revelá-las ao conselho! Deves avisar a facção, este será um grande movimento, e presumo que o objetivo desta busca seja de extremo valor para o rei!
Ouvindo suas palavras, Narcisa que tinha um semblante sedutor e brincalhão imediatamente ficou séria e respondeu:
-Realmente me surpreendeste, é mesmo algo grande! Ainda hoje recebi informações de que alguém adentrou a torre, porém, os espiões o perderam de vista. Todos os que receberam estas informações, certamente deduziram que se tratava de um dos seguidores de De Avarum, afinal, é tão raro que o seguidor de algum outro rei entre na torre desta forma. De Avarum é um tolo, sua ganância o cegou de forma que tornou-se um idiota!
Logo ela continuou em tom de desprezo:
-Não sei como sua facção ainda permanece de pé, sabe como a facção tem sido chamada entre as outras? A facção abandonada, e é exatamente isso o que é, no final das contas, afinal, De Avarum preocupa-se apenas consigo e com seus bens! Mas é um tolo que não entende que precisa de soldados para dominar. Ele está cego! E por isso, um hora ou outra irá cair.
Proditor respondeu:
-Bem, não há o que fazer, pelo menos isso facilita meu trabalho. Além disso, creio que foi Nuntio aquele que entrou na torre! Afinal, não há como alguém contatar De Avarum sem que vá até De Avarum, e graças a sua tolice, todos aqueles que tem que ir até ele, devem ir até a torre para vê-lo! Além disso, aqui, tome.
Proditor entregou a ela uma folha de papel com as plantas das passagens subterrâneas sob seu poder que se ligavam ao grande salão, além da senha dos portais necessárias para chegar lá. Proditor, entregando-as em suas mãos a folha com as informações vitais, continuou:
-Aí estão as passagens para que alcancem o grande salão onde haverá a reunião, junto das senhas dos portais.
Narcisa com um pequeno sorriso diz:
-Muito bem, eu informarei ao rei! Sabes que já há algum tempo que nosso rei planejava destronar De Avarum, afinal, ele está em conflito contra todos os outros reis.
Em tom de desprezo, Narcisa continuou:
-Ele não só é conhecido como o rei sem súditos, mas também como o rei idiota! Esta será a chance perfeita para isso, afinal ele quase não sai de seu reino. Além disso, se algo atraiu tanta a atenção deste rei covarde que se esconde em seu reino por medo de perder suas coisas, deve ser algo valioso!
Logo, lançando um beijinho e uma piscadela para Proditor, Narcisa continua:
-Muito bem Proditor, tchauzinho, essas informações já nos serão suficientes! Continue agindo como parte deles, para que a identidade que demorou tantos meses para alcançares não seja destruída, tudo bem?
Mas então, com um sorriso astuto, prosseguiu:
-Porém, se tiveres alguma oportunidade que tens certeza de que não serás descoberto coloque este venato em suas mãos nas roupas deste Nuntio!
Narcisa terminou entregando nas mãos de Nuntio outros dois besouros para Proditor e continuou:
-Se conseguires fazê-lo, esmague outro besouro que deverá ficar com você. Este será o sinal para que eu saiba, se conseguistes ou não.Quanto ao terceiro, se De Avarum não se aproximar muito de você, permaneça com ele em suas roupas, mas essa é uma fase arriscada, já que se De Avarum te sondar, ele pode descobrir este venato em suas roupas! Por isso, lembre-se, não se arrisque, tudo bem?
Com seriedade e frieza ela prosseguiu dizendo:
-Se houver oportunidade para continuar com ele, continues, assim eu saberei também, quando o rei idiota começar a se mover, mas se perceberes que o rei está agindo com cautela e pretende sondar todos vocês, você deve imediatamente esmagar o terceiro besouro, entendido?
Recebendo um aceno de aprovação, Narcisa então falou, assentindo satisfeita:
-Tchauzinho.
Então, se levantando com um sorriso sedutor, ela acena com suas mãos para Proditor, saindo do estabelecimento. Assim que terminou de tomar sua bebida, Proditor, também, logo se retirou de lá, com os besouros em mãos.
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Em Peccáta, no interior da torre, no reino da ganância. Tempos depois de enviar Nuntio para reunir os servos, De Avarum já havia feito os preparativos necessários!
Na sala do trono, no grande castelo, formado por paredes e muralhas de prata brilhante, sentado em um trono de ouro, cheio de jóias incrustadas, uma figura magra, sem cabelos, com olheiras profundas e olhos avermelhados cheios de loucura, ria histericamente.
A figura segurava em sua mão direita um cetro azeviche brilhante. Usava anéis e colares incrustados de jóias, e uma coroa em sua cabeça da qual um único chifre saía. Sua pele era pálida, como se não passasse de um cadáver gelado, e vestido com aquele robe despedaçado que flutuava e ondulava, emitindo uma névoa negra, como uma aura de morte, que tentava sugar a vida de todo o ambiente, a figura tornava-se ainda mais assustadora e repugnante.
Abrindo sua boca cheia de dentes afiados meio apodrecidos, com uma voz desagradavel, áspera, cheia de loucura e malicia, como uma serpente que fixa seus olhos em sua presa, De Avarum riu loucamente falando:
-Finalmente, está tudo pronto. Agora, com os servos reunidos, mesmo que o garoto esteja em uma aldeia, nós podemos facilmente tomá-lo. E mesmo que um dos malditos servorum apareça, ainda podemos pegá-lo!
Sua voz soava pela sala do trono, onde só havia ele e pilhas e mais pilhas de tesouros, jóias, e trabalhos artísticos que teriam grande valor pelo mundo. A sala estava preenchida até os cantos com tesouros. Com sua voz desagradavel, logo ele continuou:
-Não precisaria de tantos preparativos para o garoto, afinal tive a sorte de encontrá-lo em seu estado embrionário. Pois as bestias não teriam conseguido escapar de suas mãos se não fosse pelo fato da criança ainda não saber usar seus poderes. Se os demônios estão de olho nele, o poder do garoto não deve ser algo que meras bestias possam lidar!
Então, levantando-se de seu trono, ele voltou seus olhos cheios de ganância para as pilhas de tesouro na sala. No centro da sala havia um círculo onde havia um símbolo de um dragão, que cercava uma pilha de tesouros, o símbolo de De Avarum.
Nas laterais da sala via-se armaduras montadas e vazias, segurando espadas, machados e diversas outras armas. Todos pareciam mortais, armaduras e armas de alta qualidade.
Então, pegando seu cetro, a voz do rei louco tornou-se como o arrepiante sibilar de uma serpente, que soava por todo o salão. Logo, quando terminou de sibilar, o chão a sua frente parecia rachar-se rapidamente, emitindo grandes quantidades de névoa negra, onde se formavam rostos angustiados, que gritavam em desespero e dirigiam-se para as armaduras.
Assim que a névoa envolvia as armaduras, entrando em cada uma delas, as armaduras tornavam-se totalmente pretas, o ouro e a prata, viravam um preto profundo que não emitia brilha algum, as espadas, tudo, tornava-se pura escuridão.
Nas fendas dos capacetes de cada armadura, brilhos vermelhos como dois olhos em meio a escuridão podiam ser vistos, e de dentro de cada capacete, ocasionalmente choros e sons angustiados soavam. Assim que a névoa penetrou as armaduras, a rachadura no chão, como se forçada por algo a se fechar, logo voltou ao estado anterior, como se o solo ali nunca tivesse se partido.
Então, De Avarum, olhando para as armaduras, ordenou com uma voz cheia de loucura:
-Se alguém adentrar este lugar, mate!
Todas as armaduras, rapidamente bateram seus punhos direitos cerrados no peito, ao mesmo tempo, causando um grande estrondo de metal se chocando pela sala. Então, continuando com sua voz desagradavel, ele falou:
-Se falharem, voltarão mais rápido ainda para lá!
Ao som destas palavras todas as armaduras pareciam tremer levemente. Então, De Avarum mais uma vez sibila como uma serpente, e ao som do sibilar, seu corpo rapidamente foi envolvido por chamas negras, e logo, tornou-se um vulto de chamas negras que velozmente saiu do castelo, passando pelos grandes portões em direção à vasta planície árida e estéril, com árvores dispersas e secas.
O vulto, rasgando o ar impuro sob os céus cobertos de nuvens negras e vermelhas como o sangue, dirigiu-se para uma massa escura de névoa, semelhante a um portal, no qual o jovem viri sanguinium havia saído anteriormente.
Logo, sem hesitação, apressadamente, com seu cetro em mãos, o rei atravessou a névoa negra, dirigindo-se para fora da torre.
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Fora da torre, a região de vinte quilômetros que cercavam Operis Tenebra, era uma região inabitada. Durante o dia, era comum que as facções enviassem espiões para monitorar as atividades na torre.
Os reis decretaram em aberto, que não poderiam haver edifícios e guardas, para que não houvesse espionagem entre as facções. Porém, nas sombras e nas entrelinhas, cada facção fazia o seu melhor para obter o máximo de informações umas sobre as outras.
Em uma colina ao longe, duas figuras envoltas de bandagens camufladas observavam a torre de longe. Após algum tempo observando-a em silêncio, uma voz masculina soou de uma das figuras:
-E então? O que você acha? Possivelmente aquele era um dos servos do rei louco, não era? Ou será uma armadilha para pensarmos que é este o caso?
Uma voz feminina saiu da outra figura, respondendo:
-Não devemos nos preocupar com isso! Sei que estás preocupado, porque perdemos os seus rastros enquanto nós o seguíamos, mas você percebeu, não foi? Também havia espiões de outras facções, e todos o perderam, não era alguém tão simples! Já relatamos as informações, agora devemos continuar nosso trabalho!
O homem relutantemente respondeu:
-Tudo bem...
Então, enquanto conversavam, novamente, as portas da torre se abriram. Logo, ambos voltaram seus olhos para a torre, esperando, para ver de quem se tratava. Então, uma figura envolta em chamas negras rapidamente emergiu da escuridão da torre.
Assim que a figura saiu, sussurros de serpente puderam ser escutados pelos ouvidos de cada um que estava próximo daquela região, inclusive, ambas as figuras que há pouco conversavam entre si.
Assim que as figuras ouviram o sibilar, como se a serpente estivesse em seus ombros sussurrando no lóbulo de suas orelhas, ambos estremeceram de medo, e fixando seus olhos na figura que havia saído da torre, horror encheu suas mentes. Assim que viram de quem se tratava, a mulher ansiosamente falou:
-Corre!
O homem ouvindo-a, imediatamente virou-se e correu, a mulher fazendo o mesmo, mas era tarde demais. Assim que a serpente terminou de sibilar em seus ouvidos, névoa negra começou a envolver a mulher, a partir de seu coração. O homem vendo aquilo imediatamente parou gritando:
-NÃO...
A névoa a envolveu rapidamente, e a mulher voltando seus olhos cheios de horror para o homem falou com dificuldade:
-Fuja...
O homem, desesperadamente voltou-se em sua direção para ajudá-la:
-Por favor, pare...
Porém, antes que suas mãos a alcançasse, a névoa escura consumiu-a completamente. E logo, a névoa voou na direção daquele que havia saído da torre, como se forçada por uma força de sucção, que arrastava-a naquela direção. Diversas névoas, de diversas direções, podiam ser vistas voando até ele.
A figura que segurava um cetro e vestia robes negros flutuantes, parada, olhando com loucura para cima, com os braços abertos e a cabeça inclinada, ria loucamente enquanto toda a névoa parecia ser absorvida por ele.
O homem vendo aquilo, caiu de joelhos em horror e ficou ali, olhando na direção em que, há pouco, a mulher se encontrava.
Assim que De Avarum terminou de matar a todos que o vigiavam sair da torre, virou-se na direção do homem que poupou e envolveu-se em chamas negras, dirigindo-se até ele como um vulto, parando a sua frente. Virando seus olhos para ele, o homem gritou:
-Desgraçado!
Porém, assim que se levantou para atacá-lo, De Avarum rapidamente penetrou o peito do homem com a ponta afiada do cetro em sua mão. O homem, sentindo o cetro penetrar seu peito, virou seus olhos cheios de ódio para o rei, que vendo-o, riu loucamente falando:
-Acalme-se inseto, tu me serás útil de outra forma!
Então, sussurrando como uma serpente, novamente De Avarum pronunciou as palavras da morte, e enquanto o fazia, retirou o cetro do peito do homem, que o apoiava em pé e logo dirigiu sua mão para o seu pescoço.
Levantando-o pelo pescoço, De Avarum terminou de sibilar, e logo o homem que segurava, começou a ser envolvido por uma névoa escura, que brotava de seu coração, que rapidamente o consumiu, dissolvendo-o, e dirigindo-se para o rei louco, envolvendo-o e lentamente se consolidando.
Assim que a névoa terminou de envolvê-lo, logo, a magra figura tomou aspecto de um outro homem de cabelos loiros e olhos verdes, com um rosto forte e bem construído, com uma barba loira, bem feita e delineada, aparência escondida sob as vestes do homem que acabava de matar.
Suas roupas também lentamente assumiram aspecto de roupas normais, talvez o que o homem usasse por baixo do tecido que usava para se camuflar.
Então, limpando o sangue do cetro com as chamas que ainda o envolviam, De Avarum se dirigiu rapidamente por parte do caminho, como um vulto e chegando próximo da região mais movimentada, cessou as chamas, e se dirigiu à cidade como um viri sanguinium normal.
Indo na direção daquele a quem havia marcado, longe dos olhos de observadores e não mais preocupado que sua real identidade fosse descoberta.
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Nas passagens subterrâneas de Peccáta, Nuntio com o mordomo ao seu lado, conduzia grupos de viri sanguinium, alguns equipados com armas, armaduras leves, e mantos.
Muitos pareciam descontentes, já que logo atrás eram seguidos por muitas bestias, que andavam obedientemente com as cabeças baixas. Todos foram conduzidos por Nuntio e seus subordinados pelas passagens secretas da facção espalhadas pela cidade, para que fossem todos levados pelo subterrâneo, conforme o plano, para o grande salão.
Enquanto Nuntio liderava todo o grupo que andava em silêncio sob suas ordens, o mordomo que o acompanhava de perto, de repente parou. Nuntio percebendo aquilo, virou-se para o viri sanguinium de cabelos grisalhos e perguntou:
-O que houve?
O mordomo imediatamente respondeu a Nuntio, com firmeza:
-Mestre Nuntio, assim como me ordenastes, enviei dois servos para liderar as bestias na floresta da desolação. Como dissestes que não deveríamos nos comunicar através de mensagens, eu lhes entreguei um venato, assim saberíamos sua localização. O venato que lhes entreguei, foi um rato familiar, e eu lhes ordenei que assim que conseguissem capturar a criança, matassem o rato, que estando vinculado a mim, faria com que eu imediatamente estivesse ciente de quando e onde o fizeram.
Então ele continuou em tom profundo:
-E eu acabo de sentir minha conexão com o venato se extinguir, isso significa que ele capturaram o garoto ou deixaram o rato morrer em batalha. Porém, as chances deles arriscarem suas vidas cometendo um erro tão tolo são baixas, por isso, o garoto deve ter sido capturado!
Ouvindo as notícias, Nuntio animou-se e falou para o mordomo em voz baixa:
-Não conte a ninguém sobre isto! A não ser que eu vos autorize entendido?
O mordomo sem perguntas respondeu:
-Sim!
Uma oportunidade havia acabado de abrir-se diante dele, se ele não a usasse sabiamente, talvez não poderia ter outra chance. Logo, afundando-se em planejamentos, Nuntio se perdeu em pensamentos enquanto ainda mascarava suas intenções, conduzindo a todos pelos corredores.
Chegando ao fim do corredor, havia uma parede de pedra, que assim como da ultima vez, Nuntio se aproximou e sussurrou a senha em uma voz inaudível para outros:
-Aquele que viaja na escuridão terminará sua viagem na escuridão; grande salão...
Logo, a parede de pedra começou a se contorcer e formar uma passagem, revelando um corredor escuro que continuava em frente, assim como aquele em que se encontravam. Então, virando-se para o mordomo, Nuntio falou, de forma que somente eles pudessem ouvir:
-Preciso que esperes aqui, o rei virá até aqui guiado por um dos servos que deixei na cidade. Tu és o único a quem já confiei as senhas dos portais, por isso, espere aqui e abra a passagem para o rei quando ele chegar.
O mordomo acenou a cabeça respeitosamente e se colocou ao lado da passagem, com as costas eretas. Logo, todos continuaram avançando pelo corredor em trevas, desimpedidos pela escuridão, deixando sem perguntas, somente o mordomo para trás.
Assim que todos passaram, a passagem fechou-se mais uma vez, deixando em seu lugar uma simples parede de pedra, com um mordomo imóvel diante dela.