Ao amanhecer, Christian se levanta e coloca-se a arrumar suas coisas para partir em direção à Maschera. Estando pronto, ele parte daquela velha casa em ruínas e se coloca a caminho da aldeia:
- Provavelmente demorarei cerca de 3 sóis e meio para chegar à aldeia, espero encontrar suprimentos no meio do caminho! Seria mais simples caçar se eu ainda tivesse todas as minhas ferramentas, mas também as perdi para ladrões a uma semana atrás.
Andando de casa em casa, Christian buscava alimento entre as ruínas. Porém, as ruínas nada tinham a lhe oferecer. Passando-se algumas horas, Christian podia ser visto saindo da cidade abandonada, carregando uma lança improvisada composta por uma barra de metal que conseguiu encontrar por entre as ruínas, com a faca de dois gumes fixada na ponta, amarrada com tecido, junto de uma trouxa de pano envelhecido pendurada em seus ombros.
- Eu provavelmente não encontraria mais nada na cidade. Outros catadores possivelmente já levaram até a última migalha de alimento dessas ruínas. Eu terei que cortar caminho pela floresta próxima para chegar à aldeia, espero que lá ao menos eu tenha sorte de encontrar alguns frutos.
Catadores eram como eram chamados pelas facções, pessoas como Christian que não foram aceitas por nenhuma facção e que geralmente sobrevivem apenas de pequenos animais e suprimentos encontrados em suas buscas incessantes por alimento nas cidades em ruínas. Eram chamados de incivilizados e olhados com repulsa e desprezo por aqueles que pertenciam a facções.
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Tempos depois, após uma exaustiva caminhada debaixo do sol, Christian se encontrou em frente à floresta da qual deveria atravessar, enquanto dizia um pouco ofegante:
- Essa será uma longa noite. Se eu não estiver com sorte, posso não só ter que dormir no alto das árvores, como também ficarei faminto. Sem falar nos animais selvagens e insetos venenosos! Eu até poderia continuar seguindo a estrada, porém, eu não só demoraria mais, como também não encontraria nenhum alimento, já que sei que a estrada é deserta, não há como encontrar comida indo por lá. É mais fácil tentar minha sorte na floresta!
Convencendo-se com essas palavras e adentrando a floresta, Cristian entrega-se à sua sorte e parte por ela a caminho da aldeia. Enquanto avançava, o garoto procurava por entre a vegetação à sua volta qualquer coisa que pudesse comer, mas nada encontrava e assim continuou até o final daquele sol.
Faltava pouco para o sol se pôr e ele ainda nada havia encontrado. A luz do sol já não mais conseguia passar pelas copas das árvores, a claridade na floresta era baixa e agora sua busca, era por árvores altas em que pudesse passar a noite e se proteger de predadores noturnos. Então, durante a sua busca, Christian escutou mais a frente, por entre os arbustos, barulhos de algo se mexendo.
Em alerta, Christian para seu avanço e se esconde atrás de uma árvore, observando os arbustos, de onde, segundos depois, uma pequena raposa saiu olhando cautelosamente ao redor. Vendo aquilo, Cristian entusiasmado, segura a respiração e espera por uma oportunidade.
A raposa, farejando o ar, cautelosamente andou à frente procurando possíveis perigos à sua volta. Christian naquele instante, torcia em sua mente para que ela não o encontrasse, e por sorte, o vento estava ao seu lado. A raposa, não conseguindo sentir nenhuma ameaça, seguiu em frente, até que um uivo ecoou ao longe na floresta, assustando a raposa, que imediatamente tentou recuar de volta aos arbustos.
Christian percebendo sua intenção, imediatamente prendeu seus olhos na raposa e jogou firmemente a lança no alvo, fazendo com que a lança arremessada com força, viajasse como um raio em direção à raposa. Porém, para a tristeza do garoto, a lança erra por pouco o seu alvo. Vendo aquilo, Christian gemeu em frustração enquanto dizia:
-Não acredito, estava tão perto!
Então, apressadamente, o garoto dirige-se até sua lança e ligeiramente a toma de volta em suas mãos, enquanto murmurava ansiosamente:
-Acredito que tenham sido uivos de bestias. Não consigo acreditar no meu azar! Porque essas feras estão nessa floresta desolada?
Então, com pressa ele vira-se e se retira na direção oposta aos uivos, tentando se distanciar ao máximo daquela área, temendo ser encontrado pelas bestias. Depois de se distanciar pelo que julgava ser suficiente, Christian se deparou com uma grande árvore seca, que possuía um tronco oco, perfeita para passar a noite.
Vigilante, ele se aproxima da árvore buscando sinais de vida selvagem, e após uma breve investigação, chega à conclusão de que a árvore não era toca de nenhum animal.
- Não há vida nessa árvore, nem ao menos insetos. Amanhã devo encontrar alimento urgentemente, minha fome já está me enfraquecendo, possivelmente acabarei levando mais de 3 sóis e meio para chegar à aldeia.
Quebrando galhos de árvores e arbustos para cobrir a entrada do tronco, ele faz um abrigo para passar a noite. Ao terminar, senta-se, e sentindo agora um pouco mais de segurança, entra em seu COR, colocando-se diante das chamas abrasadoras que transformaram em cinzas suas preocupações e sua fome. Deste modo, em paz, Cristian passou sua primeira noite na floresta.
Ao amanhecer, Christian saiu de seu abrigo e olhou para o céu por entre as árvores. Assim que saiu do abrigo, o garoto sentiu uma leve sensação desconfortável em seu peito, mas logo a ignorou, devido ao desconforto maior que sua sede e fome lhe causavam.
- Parando para pensar melhor, me pergunto, o que aconteceu ontem? Que eu lembre, bestias não costumam estar em lugares isolados, pois geralmente são usados como guardas pessoais pelo alto escalão dos corrompidos ou como caçadores e rastreadores. Isso só pode significar que, ou há algum viri sanguinium pelas proximidades, ou eles estão atrás de alguém que fugiu para essa floresta, e em ambos os casos eu estou em sérios problemas! Se eles estão caçando alguém, as chances de eu ser encontrado por estas feras são grandes, e pior ainda seria se eu me deparasse com um viri sanguinium.
Seguindo sua busca na floresta, por frutos para matar sua fome, e fontes de água para matar sua sede, Cristian prossegue cautelosamente, contornando e seguindo um caminho diferente daquele ao qual havia ouvido uivos na noite anterior. Ao fim da tarde, prestes a anoitecer:
- Não consigo acreditar, tantas árvores grandes, tão belas, com copas cheias de folhas! Como é possível, que até entre as árvores frutíferas não haja fruto? Nem mesmo uma fonte d'água consegui encontrar! Mal encontrei vida nesta floresta, até agora só encontrei a raposa anterior.
Christian falou enquanto suspirava, logo ele continuou:
-De início achei estranho, mas como podem os animais sobreviver nessa floresta sem frutos para lhes alimentar e água para lhes matar a sede?
Frustrado, sedento e faminto, Christian decide parar sua busca por comida. Então, sentando-se e encostou-se em uma árvore para que pudesse descansar. Sua cautela já estava baixa, pois a tempos que não encontrava uma alma viva, e a fome, a sede e a exaustão lentamente entorpeciam sua vigilância.
Porém, em seu coração, desde que despertou, ainda sentia aquele mesmo desconforto em seu peito, que sentiu assim que saiu de seu abrigo, desconforto este, que vinha se fortalecendo cada vez mais com o passar do tempo. Já que a escuridão tomava conta da floresta e não havia mais muito que pudesse fazer, logo, Christian decidiu investigar o que estava acontecendo.
Fechando seus olhos e entrando em seu COR, Christian contemplou seu coração envolto em chamas ardentes. Dirigindo seus olhos para o Livro da Vida, logo percebeu que, diferentemente de antes, o Livro agora brilhava levemente. Lembrando-se que no momento em que o Livro surgiu no seu COR, de modo semelhante, um forte brilho dourado irradiou, Christian enche-se de entusiasmo ao pensar em uma possível mudança que tivesse ocorrido no Livro anteriormente incompreensível.
Aproximando-se, Christian pousou suas mãos no Livro, pronto para virar as folhas em busca de algo, porém, como na primeira vez, O Livro da Vida, ao toque de Christian, abriu-se sozinho em uma página também preenchida pelos escritos incompreensíveis. Porém, ainda mais entusiasmado, Christian percebeu que desta vez, novamente havia uma frase em que misteriosamente conseguia compreender. Então tentando lê-la, logo, sua boca pronunciou:
- Todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz...
Ao soar de sua voz, Christian sai do COR e abre seus olhos, e logo, uma esfera de luz sai de seu peito, flutuando acima de sua cabeça, irradiando luz no ambiente ao seu redor e dispersando as trevas que já começavam a tomar conta da floresta. Então:
-Uivos!
Christian fica momentaneamente paralisado em choque. A luz que acariciava as árvores e os arbustos ao seu redor, revelava-lhe uma alcateia de bestias o espreitando nas sombras. A luz, que dispersou suas camuflagens, assim que os tocava, parecia queimar seus corpos, levando a toda a alcateia uivar de dor e desesperadamente fugir na direção oposta ao brilho suave transmitido pela esfera de luz.
Christian ainda atordoado com a situação, olha rapidamente à sua volta e logo, com pressa, corre desesperadamente em uma direção em que não havia visto nenhuma bestia anteriormente, correndo com todas as suas forças, devido ao medo de que quando a esfera de luz desaparecesse, as bestias voltassem para caça-lo buscando vingança pela dor que ele lhes causou, pois logo percebeu que aquela luz pouco a pouco ficava opaca aos seus olhos.
Assim, Christian momentaneamente parecia esquecer de tudo, e em sua mente só havia a necessidade de correr com todas as suas forças. Ele esqueceu de sua fome, de sua sede, da exaustão de seu corpo e simplesmente continuou correndo.
Seu olhar aterrorizado refletia o horror de cair nas mãos daquelas criaturas, pois era de conhecimento comum entre todos os vivos, que se existia algo pior do que encontrar grupos de mortos, isso seria encontrar as bestias. Pois os mortos eram mais lentos, não tinham muito poder, e eram relativamente fáceis de despistar, mas as bestias eram totalmente o oposto, eram ágeis, rápidos, poderosos e grandes rastreadores, o que tornava uma tarefa quase impossível fugir de um deles.
A única saída para alguém seria usar o poder da luz, já que armas humanas não os feriam. Além disso, eram muito conhecidos por se divertirem brincando com as vidas de suas presas, torturando-as até o seu último suspiro.
Assim, com o medo de cair nas mãos da alcateia de bestias tomando conta de sua mente, Christian corre, minuto após minuto, horas após horas, de modo que parecia usar energia de onde nada mais havia, apenas para continuar correndo. E assim continuou, até que um raio de luz brilhou sobre sua face, retirando-o de seu estado semiconsciente e fazendo-o perceber os raios de sol que agora iluminavam a floresta.
-Eu corri... até amanhecer?...
No mesmo momento em que essas palavras saíram de seus lábios rachados, Christian caiu ao chão, incapaz de mover seu corpo e manter sua consciência.
Ignorando os seus esforços para manter-se desperto, logo, seus olhos se fecharam sob o peso de suas pálpebras, levando-o à inconsciência.