Algum tempo se passou e Christian, que já havia se acostumado com os animais, brincava com eles sem preocupações. Então, em um momento, Franciscus que se juntava a Christian em sua alegria, como se sentisse algo, repentinamente parou-o, olhou na direção da cabana e disse:
-Garoto, chegou a hora! Vamos conhecer o sábio.
Christian, ouvindo suas palavras, para sua brincadeira com os animais e olha para Franciscus, sentindo-se um pouco ansioso em conhecer o sábio.
-Siga-me!
Diz Franciscus. Logo, ambos novamente se dirigem à cabana, e assim como antes, Christian percebeu que os animais só os seguiram até a entrada do jardim. Interessado, o garoto perguntou:
-Porque os animais não entram no jardim?
Ouvindo sua pergunta, Franciscus respondeu:
-Assim o fazem, por temor de pisar e estragar alguma flor do jardim, já que cada flor aqui é valiosa!
Então Christian diz:
-Valiosa? Por mais bonitas que sejam, no final, são só flores não são? Porque tanto cuidado?
Franciscus lhe responde:
-Garoto, aos seus olhos elas podem não valer muito, mas são valiosíssimas aos olhos de alguém que nos visita para repousar e deleitar-se aqui! E bem, não há ninguém mais amado por esses animais e por mim do que este visitante. O fato deste visitante dar tanto valor a essas flores é o que as torna tão valiosas aos nossos olhos!
Ouvindo a resposta de Franciscus, Christian pergunta cheio de interesse:
- E quem é esse visitante?
Franciscus responde em um tom cheio de adoração:
- Um Rei, garoto. O Rei!
Christian, após meditar um pouco nas palavras de Franciscus, agora parecia andar com todo o cuidado do mundo para não pisar em nenhuma flor. Vendo a reação do garoto, o sorriso no rosto de Franciscus se alargou e ele soltando um pequena risada falou:
-Garoto, está quase na hora! O sábio logo estará aqui.
Assim, ambos cessaram seus passos, parados de pé, diante da fonte que ficava em frente à cabana.
- O sábio nos encontrará aqui?
Perguntou Christian.
Franciscus respondeu-lhe:
-Sim garoto!
Então, com uma expressão meditativa, Christian decide perguntar algo que já o incomodava a algum tempo:
-Franciscus, porque todos aqueles animais diferentes estão aqui? Creio que não deveriam haver tantos gêneros e espécies diferentes nesta região. Além do mais, senti algo estranho sobre esses animais...
Ouvindo-o, a atenção de Franciscus voltou-se para Christian, enquanto questionava-o interessado:
-Oh! E por que você diz isso garoto?
Christian como se perdido em pensamentos respondeu:
-Tenho a sensação de que não são realmente animais...
Então como se recebesse um pouco de clareza, Christian murmurou:
-Era quase como se eu falasse com espíritos...
Ouvindo as palavras que saíram de Christian, Franciscus caiu em risadas, enquanto perguntava-lhe em um tom de brincalhão:
-E porque você diz isso criança? Você já conversou com espíritos antes?
Christian ouvindo-o, respondeu:
-Eu não sei, é como se eu apenas sentisse que, assim o é!
Franciscus então lhe diz, enquanto em seus lábios um sorriso terno crescia:
-Muito bom, garoto! Bem, eu creio que você não entenda realmente o que acabara de dizer, mas esses animais são chamados Intellectus.
-Intellectus?
Questionou Christian.
-Sim, eles...
Neste momento, antes que Franciscus pudesse lhe explicar, um barulho de algo que parecia viajar velozmente pelo vento, ecoou ao longe, e uma luz que parecia um arco-íris surgiu, dirigindo-se a onde estavam.
Christian ficou encantado com a beleza daquela luz. Logo, a luz que se aproximava rapidamente da fonte, pousou no ombro do anjo esculpido, que segurava o pulsante coração de rubi.
Somente então, os olhos de Christian puderam contemplar aquele que irradiava aquela luz. Sobre o ombro do anjo esculpido, um pássaro, com as cores do arco-íris pintando suas belas penas brilhantes, menor do que a palma de sua mão, que irradiava beleza e sabedoria, pousava com ternura e elegância.
Assim que o pássaro pousou, Franciscus que estava ao lado sorriu brilhantemente e disse entre risadas de alegria:
-É bom vê-lo novamente!
O pássaro, ouvindo suas palavras, prende seus belos olhos safira em Franciscus, e com o que parecia um olhar terno diz:
-Franciscus amado, é bom vê-lo também! Vejo que continua alegre como sempre.
Vendo ambos conversarem como se fosse velhos amigos, Christian finalmente volta a si e exclama:
-Um beija flor!
Ouvindo sua exclamação, o belo beija-flor da cor do arco-íris, vira-se para Christian e diz:
-Garoto, o Rei me enviou aqui para te instruir, diga-me seu nome, minha criança.
Christian ouvindo a voz cheia de ternura que saía do pássaro, que soava como um belo canto, respondeu:
-Meu nome é Christian!
E vendo aquela aura majestosa que irradiava do belo beija-flor Christian continuou, perguntando:
- Você é o Rei que gosta de repousar neste jardim sobre o qual Franciscus falava?
Ouvindo-o, o pássaro deu uma risadinha reconfortante e respondeu:
-Não minha criança, eu não sou o Rei.
Logo, Christian perguntou-lhe cheio de interesse:
-Então, quem é você? O sábio?
Á sua pergunta, o beija-flor majestosamente respondeu:
-Exatamente, eu sou Archus, filho da Sabedoria.
Ouvindo suas palavras, Christian perguntou interessado:
-Quem é a Sabedoria?
Archus lhe respondeu:
-O Rei sobre quem perguntas minha criança. Bem, antes de continuarmos...
Archus então, dizendo essas palavras, levantou vôo gentilmente e se dirigiu à água que delicadamente manava a cada pulsação que o belíssimo coração de rubi parecia dar. Logo, belo beija-flor aproximou seu bico da água que brilhava suavemente e bebeu da fonte.
Quando ele bebeu daquela água que parecia viva, o brilho que irradiava em si se intensificou, e logo cobriu todo o jardim. Então, pequenas nuvens brancas imaculadas começaram a surgir acima do vale, e delas brotava a chuva sobre as flores à sua volta.
As nuvens não obstruíram o grande sol, nem impediam a luz do sol de alcançar os jardins, como se as nuvens trabalhassem em harmonia com os raios solares, criando uma cena inexplicável e agradável de se contemplar.
A chuva que saía das nuvens, juntando-se aos raios de sol que passavam por elas, fazendo-as como nuvens de luz, logo formaram um belíssimo arco-íris que atravessava o florido jardim.
E quando o brilho emitido pelo beija-flor entrava em contato com o arco-íris, era como um filho que encontrou sua mãe, fazendo com que o arco-íris brilhasse ainda mais intensamente, e criando uma das cenas mais belas que Christian já havia visto. Até Franciscus estava maravilhado com aquela cena e sorria alegremente olhando para os céus.
-É tão lindo!
Disse Christian.
-É mesmo garoto!
Depois de irrigar com orvalho todo o jardim, derramando gotas de chuva sobre cada flor, as nuvens começaram lentamente a se dispersar.
O brilho que irradiava de Archus começou aos poucos a fluir em direção à fonte, ao coração de rubi, que emanava um leve brilho vermelho, como se voltasse para sua casa.
Assim, o belo beija-flor continuou voando no mesmo lugar olhando amorosamente para o jardim que agora parecia ainda mais vivo e para o belíssimo arco-íris que ainda permanecia ali. Então, virando seus olhos de safira para Christian, Archus ternamente diz:
-Sabe criança, é para isso que estou aqui hoje. Para te ensinar a cuidar de um jardim!
Ouvindo suas palavras, Christian questiona em confusão:
-Cuidar de um jardim? Isso não é uma coisa fácil?
Archus ri levemente:
-Christian, cabe a um bom jardineiro cuidar com zelo para que as sementes plantadas cresçam. Deve-se regá-las cuidadosamente para que não pereçam, mas que venham a brotar em flores que exalam um intenso perfume e com isso ofereçam deleite a quem visitar este jardim!
Fazendo uma breve pausa, a ave continuou:
-Porém, nem tudo depende dele! Para se tornar um bom jardineiro, é necessário estar em sincronia com a fonte. Pois não depende do jardineiro se a semente brotará ou não, se haverá chuva ou não, se o vento virá ou não, se virá uma tempestade ou não. Está tudo fora de seu controle, a única coisa que pode fazer o bom jardineiro é prestar seus cuidados á flor e ao solo, com aquilo que têm à sua disposição e com sabedoria. Porém, se a planta cresce ou não, se a flor vive ou não, não depende totalmente dele.
Ouvindo a explicação de Archus, Christian pergunta:
-Quer dizer que um bom jardineiro deve sabiamente guardar e alimentar a planta com aquilo que têm à disposição, porém, o resto não depende dele?
Archus gentilmente responde:
-Exatamente Christian.
Então cheio de interesse, Christian perguntou:
-Então de quem depende?
Archus respondeu:
- Da Ordem minha criança.
Então ele continuou:
-Bem, você precisará obter o conhecimento para cuidar de maneira correta do seu jardim. É essencial ao jardineiro saber discernir as sementes e plantas umas das outras, para saber se trata-se de belas flores ou ervas daninhas. Afinal, não convém ao bom jardineiro plantar ervas daninhas no seu jardim. Uma das piores coisas que pode ocorrer em um jardim é que se encha de ervas daninhas. Elas infestam o jardim e prejudicam as espécies já plantadas, competindo com elas por nutrientes e água, dificultando assim o crescimento das flores. Além disso, estas espécies silvestres muitas vezes hospedam diferentes tipos de pragas.
Então, fazendo uma breve pausa, Archus perguntou-lhe:
-E então, ainda achas que é fácil cuidar de um jardim Christian?
O garoto lhe responde:
-Me parece algo simples, mas também difícil! Mas a questão é, porque eu preciso aprender a cuidar de um jardim? Eu não acho que isso me ajudaria muito. Parece-me um conhecimento inútil para minha sobrevivência!
Archus, á sua pergunta, diz:
-Minha criança, logo tu entenderás! Venha, sente-se próximo à fonte para iniciarmos!
-Iniciarmos o que?
Perguntou Christian.
-Espere e verás!
Diz Archus a Christian. Então o belo beija-flor voa em direção a fonte e novamente posa ao ombro do anjo.
Christian, olhando em dúvida para Franciscus, que simplesmente sorri e acena a cabeça para ele, obedece e senta-se apoiado na fonte. Logo, Archus voa da fonte e pousa aos ombros de Christian dizendo:
-Agora pequeno, quero que feches teus olhos e entres em seu COR, assim como sempre o fizestes. Eu entrarei lá também para te orientar em como prosseguir.
-Tudo bem!
Respondeu Christian fechando seus olhos e concentrando-se no sentimento em seu peito, adentrando assim seu COR e percebendo-se novamente diante de seu coração envolto em chamas abrasadoras que agora pareciam um pouco mais intensas do que antes.
Então, Christian olhou para o Livro da Vida ao lado de seu coração, que estava parado refletindo o brilho das chamas de seu coração com sua capa dourada.
Logo, olhando à sua volta, Christian buscou a presença de Archus em seu coração , mas não havia mais nada lá, todo o resto estava vazio. Porém, repentinamente, enquanto ainda buscava, uma voz entrou em seus ouvidos.
Olhando apressadamente para seu ombro, logo, o garoto encontra Archus ali, que lhe diz com mansidão:
-Agora que estamos aqui dentro minha criança, podemos começar!
-Começar o que?
Perguntou Christian.
-A retirar o véu de seus olhos!
-Véu?
-Exatamente minha criança, diga-me, o que vês à sua volta?
Christian olhando ao seu redor como fez a pouco, diz:
-Vejo o Livro da Vida e meu coração envolto em chamas, porque?
Ouvindo sua resposta, uma alegria pareceu tomar conta de Archus que exclamou em um tom cheio de adoração:
-Ah sim, o Livro da Vida, dou graças ao Rei porque escondeu estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelou ao pequenino, porque assim foi do seu agrado!
Christian um pouco confuso, questiona-o:
-Do que tu estás falando? Foi Agnus quem me deu o livro!
Archus ternamente respondeu:
-Sim minha criança, exatamente!
Ouvindo sua resposta, o garoto pergunta apressadamente em surpresa:
-Agnus é rei?
Archus em um tom de adoração e cheio amor respondeu:
-Não somente rei criança, Ele é o Rei!
-Então é Agnus aquele que visita os jardins para deleitar-se, sobre quem Franciscus falou?
Perguntou Christian entusiasmado.
-Também! Agora você entende a importância de aprender a cuidar de um jardim, certo minha criança? A importância dos jardins é tão grande, que o próprio Rei os visita. Estes são parte dos tesouros e das Terras Reais.
-Entendo.
Exclamou Christian. Então Archus continuou:
-Então agora responda-me novamente minha criança, o que você vê a nossa volta?
Christian, á suas palavras, novamente observa tudo, para ver se nada havia passado despercebido e respondeu em um toque de confusão:
-Como eu disse antes, meu coração envolto por chamas e o Livro da Vida, além disso só a nós aqui!
Archus ao ouvir sua resposta continua:
-Não há algo mais além de tudo que você falou à nossa volta?
Christian respondeu em confusão:
-Não, nada!
Como se chegasse ao ponto Archus exclamou:
-Exatamente Christian, nada! É para isso que estamos aqui, tirar o véu de seus olhos para que olhes e vejas!
Ouvindo as palavras do belo beija-flor, Christian ficou ainda mais confuso, pois não sabia do que Archus falava. Vendo aquilo, a bela ave instruiu-lhe:
- Minha criança, vamos ao vosso coração.
Sob suas palavras, Christian dirige-se ao seu coração com Archus no ombro, até que ambos pararam em frente às chamas abrasadoras, que ao invés de queimá-los, parecia lhes trazer um calor confortável e profundo.
-Criança, colocai suas mãos em vosso coração. Enquanto tu o fizerdes, irei sussurrar em seus ouvidos. Deves repetir essas palavras e fazê-las ecoar em seu coração.
Christian, com um pouco de medo, respondeu:
-Eu nunca realmente toquei nas chamas que envolvem meu coração, geralmente fico diante delas para que queimem minhas preocupações, mas nunca realmente as toquei. Tem certeza de que é seguro?
Archus gentilmente responde:
-Claro, minha criança, não se preocupe, as chamas jamais vos machucariam. Você não vê como elas envolvem seu coração mas não o machucam?
Christian, á suas palavras, responde com alguma hesitação:
-Tudo bem...
Archus, olhando ternamente para Christian pergunta-lhe:
-Você está pronto?
-Sim!
Então, logo Christian fecha os olhos e lentamente dirige suas mãos ao coração em chamas.
Quando suas mãos passaram pelas chamas e tocaram seu coração, Christian não sentiu dor nem desconforto, somente uma sensação de conforto que percorria todo seu corpo.
Assim, as chamas que envolviam seu coração começaram a acariciá-lo como uma mãe que encontra seu filho, subindo pelos seus braços e envolvendo lentamente todo o seu corpo.
Em sua mente uma voz distante começava a ecoar, era como se tentasse fazer com que Christian ouvisse sua voz, que parecia cair em ouvidos surdos. O garoto tentava concentrar-se ao máximo para ouvir o que a voz dizia, pois quanto mais ouvia, mais sentia que a voz lhe era familiar.
Então, como se recebesse um pouco de luz, Christian sentiu que repentinamente de alguma forma a voz havia ficado mais clara:
-...filho...Amare...
Quando Christian ouviu aquela belíssima voz amorosa, que o chamava, cheia de cuidado e ternura por ele, gotas de cristais como orvalho começaram a descer por sua face, lágrimas que eram consumidas pelas chamas ardentes, que agora o envolviam, e que pareciam aumentar em intensidade alimentadas pelo orvalho cristalino de seus olhos. Porém, antes que pudesse continuar ouvindo o que mais a voz tinha a lhe dizer, uma voz horrível e grotesca, como um animal selvagem que rugia em loucura, ecoou como um trovão:
-VENHA! ACEITA-ME...
Era a voz da torre que loucamente gritava em seus ouvidos. Logo uma voz semelhante a sua, ecoou, rosnando juntas, misturada com rugidos de animais selvagens:
-Eu estou com fome…
(Rugidos)
-ESTOU CANSADO…
(Uivos)...
-Eu quero… SATISFAÇA-ME!
(Gemidos dolorosos)
-PORQUE EU?...
Logo as vozes gritantes se misturavam em sons inaudíveis, tornando uma tarefa difícil, senão impossível, discernir a voz suave e gentil que falava entre elas.
Os ruídos eram desconfortáveis de se ouvir, e causavam extrema angústia em seu coração, mas logo uma voz clara entrou em seus ouvidos:
-Minha criança, concentre-se em minha voz e repita depois de mim tudo bem?
Christian apressadamente acenou com a cabeça em concordância à sua voz. Então Archus continuou:
-Tudo bem, vamos lá. Diga: qui non vident, vide!
Logo, Christian repetiu as palavras sussurradas por Archus:
- Qui non vident, vide!
Assim que Christian falou, aquelas palavras pareceram ecoar por todo o seu COR, e de seu coração explodiu uma luz dourada que se expandiu e varreu todo o seu entorno.
Por onde aquela luz passava, parecia dissipar a névoa que o impedia de ver além. Onde antes havia nada, agora havia terra, onde havia vazio agora havia céus.