Chapter 10 - O Sábio

Algum tempo se passou e Christian, que já havia se acostumado com os animais, brincava com eles sem preocupações. Então, em um momento, Franciscus que se juntava a Christian em sua alegria, como se sentisse algo, repentinamente parou-o, olhou na direção da cabana e disse:

-Garoto, chegou a hora! Vamos conhecer o sábio.

Christian, ouvindo suas palavras, para sua brincadeira com os animais e olha para Franciscus, sentindo-se um pouco ansioso em conhecer o sábio.

-Siga-me!

Diz Franciscus. Logo, ambos novamente se dirigem à cabana, e assim como antes, Christian percebeu que os animais só os seguiram até a entrada do jardim. Interessado, o garoto perguntou:

-Porque os animais não entram no jardim?

Ouvindo sua pergunta, Franciscus respondeu:

-Assim o fazem, por temor de pisar e estragar alguma flor do jardim, já que cada flor aqui é valiosa!

Então Christian diz:

-Valiosa? Por mais bonitas que sejam, no final, são só flores não são? Porque tanto cuidado?

Franciscus lhe responde:

-Garoto, aos seus olhos elas podem não valer muito, mas são valiosíssimas aos olhos de alguém que nos visita para repousar e deleitar-se aqui! E bem, não há ninguém mais amado por esses animais e por mim do que este visitante. O fato deste visitante dar tanto valor a essas flores é o que as torna tão valiosas aos nossos olhos!

Ouvindo a resposta de Franciscus, Christian pergunta cheio de interesse:

- E quem é esse visitante?

Franciscus responde em um tom cheio de adoração:

- Um Rei, garoto. O Rei!

Christian, após meditar um pouco nas palavras de Franciscus, agora parecia andar com todo o cuidado do mundo para não pisar em nenhuma flor. Vendo a reação do garoto, o sorriso no rosto de Franciscus se alargou e ele soltando um pequena risada falou:

-Garoto, está quase na hora! O sábio logo estará aqui.

Assim, ambos cessaram seus passos, parados de pé, diante da fonte que ficava em frente à cabana.

- O sábio nos encontrará aqui?

Perguntou Christian.

Franciscus respondeu-lhe:

-Sim garoto!

Então, com uma expressão meditativa, Christian decide perguntar algo que já o incomodava a algum tempo:

-Franciscus, porque todos aqueles animais diferentes estão aqui? Creio que não deveriam haver tantos gêneros e espécies diferentes nesta região. Além do mais, senti algo estranho sobre esses animais...

Ouvindo-o, a atenção de Franciscus voltou-se para Christian, enquanto questionava-o interessado:

-Oh! E por que você diz isso garoto?

Christian como se perdido em pensamentos respondeu:

-Tenho a sensação de que não são realmente animais...

Então como se recebesse um pouco de clareza, Christian murmurou:

-Era quase como se eu falasse com espíritos...

Ouvindo as palavras que saíram de Christian, Franciscus caiu em risadas, enquanto perguntava-lhe em um tom de brincalhão:

-E porque você diz isso criança? Você já conversou com espíritos antes?

Christian ouvindo-o, respondeu:

-Eu não sei, é como se eu apenas sentisse que, assim o é!

Franciscus então lhe diz, enquanto em seus lábios um sorriso terno crescia:

-Muito bom, garoto! Bem, eu creio que você não entenda realmente o que acabara de dizer, mas esses animais são chamados Intellectus.

-Intellectus?

Questionou Christian.

-Sim, eles...

Neste momento, antes que Franciscus pudesse lhe explicar, um barulho de algo que parecia viajar velozmente pelo vento, ecoou ao longe, e uma luz que parecia um arco-íris surgiu, dirigindo-se a onde estavam.

Christian ficou encantado com a beleza daquela luz. Logo, a luz que se aproximava rapidamente da fonte, pousou no ombro do anjo esculpido, que segurava o pulsante coração de rubi.

Somente então, os olhos de Christian puderam contemplar aquele que irradiava aquela luz. Sobre o ombro do anjo esculpido, um pássaro, com as cores do arco-íris pintando suas belas penas brilhantes, menor do que a palma de sua mão, que irradiava beleza e sabedoria, pousava com ternura e elegância.

Assim que o pássaro pousou, Franciscus que estava ao lado sorriu brilhantemente e disse entre risadas de alegria:

-É bom vê-lo novamente!

O pássaro, ouvindo suas palavras, prende seus belos olhos safira em Franciscus, e com o que parecia um olhar terno diz:

-Franciscus amado, é bom vê-lo também! Vejo que continua alegre como sempre.

Vendo ambos conversarem como se fosse velhos amigos, Christian finalmente volta a si e exclama:

-Um beija flor!

Ouvindo sua exclamação, o belo beija-flor da cor do arco-íris, vira-se para Christian e diz:

-Garoto, o Rei me enviou aqui para te instruir, diga-me seu nome, minha criança.

Christian ouvindo a voz cheia de ternura que saía do pássaro, que soava como um belo canto, respondeu:

-Meu nome é Christian!

E vendo aquela aura majestosa que irradiava do belo beija-flor Christian continuou, perguntando:

- Você é o Rei que gosta de repousar neste jardim sobre o qual Franciscus falava?

Ouvindo-o, o pássaro deu uma risadinha reconfortante e respondeu:

-Não minha criança, eu não sou o Rei.

Logo, Christian perguntou-lhe cheio de interesse:

-Então, quem é você? O sábio?

Á sua pergunta, o beija-flor majestosamente respondeu:

-Exatamente, eu sou Archus, filho da Sabedoria.

Ouvindo suas palavras, Christian perguntou interessado:

-Quem é a Sabedoria?

Archus lhe respondeu:

-O Rei sobre quem perguntas minha criança. Bem, antes de continuarmos...

Archus então, dizendo essas palavras, levantou vôo gentilmente e se dirigiu à água que delicadamente manava a cada pulsação que o belíssimo coração de rubi parecia dar. Logo, belo beija-flor aproximou seu bico da água que brilhava suavemente e bebeu da fonte.

Quando ele bebeu daquela água que parecia viva, o brilho que irradiava em si se intensificou, e logo cobriu todo o jardim. Então, pequenas nuvens brancas imaculadas começaram a surgir acima do vale, e delas brotava a chuva sobre as flores à sua volta.

As nuvens não obstruíram o grande sol, nem impediam a luz do sol de alcançar os jardins, como se as nuvens trabalhassem em harmonia com os raios solares, criando uma cena inexplicável e agradável de se contemplar.

A chuva que saía das nuvens, juntando-se aos raios de sol que passavam por elas, fazendo-as como nuvens de luz, logo formaram um belíssimo arco-íris que atravessava o florido jardim.

E quando o brilho emitido pelo beija-flor entrava em contato com o arco-íris, era como um filho que encontrou sua mãe, fazendo com que o arco-íris brilhasse ainda mais intensamente, e criando uma das cenas mais belas que Christian já havia visto. Até Franciscus estava maravilhado com aquela cena e sorria alegremente olhando para os céus.

-É tão lindo!

Disse Christian.

-É mesmo garoto!

Depois de irrigar com orvalho todo o jardim, derramando gotas de chuva sobre cada flor, as nuvens começaram lentamente a se dispersar.

O brilho que irradiava de Archus começou aos poucos a fluir em direção à fonte, ao coração de rubi, que emanava um leve brilho vermelho, como se voltasse para sua casa.

Assim, o belo beija-flor continuou voando no mesmo lugar olhando amorosamente para o jardim que agora parecia ainda mais vivo e para o belíssimo arco-íris que ainda permanecia ali. Então, virando seus olhos de safira para Christian, Archus ternamente diz:

-Sabe criança, é para isso que estou aqui hoje. Para te ensinar a cuidar de um jardim!

Ouvindo suas palavras, Christian questiona em confusão:

-Cuidar de um jardim? Isso não é uma coisa fácil?

Archus ri levemente:

-Christian, cabe a um bom jardineiro cuidar com zelo para que as sementes plantadas cresçam. Deve-se regá-las cuidadosamente para que não pereçam, mas que venham a brotar em flores que exalam um intenso perfume e com isso ofereçam deleite a quem visitar este jardim!

Fazendo uma breve pausa, a ave continuou:

-Porém, nem tudo depende dele! Para se tornar um bom jardineiro, é necessário estar em sincronia com a fonte. Pois não depende do jardineiro se a semente brotará ou não, se haverá chuva ou não, se o vento virá ou não, se virá uma tempestade ou não. Está tudo fora de seu controle, a única coisa que pode fazer o bom jardineiro é prestar seus cuidados á flor e ao solo, com aquilo que têm à sua disposição e com sabedoria. Porém, se a planta cresce ou não, se a flor vive ou não, não depende totalmente dele.

Ouvindo a explicação de Archus, Christian pergunta:

-Quer dizer que um bom jardineiro deve sabiamente guardar e alimentar a planta com aquilo que têm à disposição, porém, o resto não depende dele?

Archus gentilmente responde:

-Exatamente Christian.

Então cheio de interesse, Christian perguntou:

-Então de quem depende?

Archus respondeu:

- Da Ordem minha criança.

Então ele continuou:

-Bem, você precisará obter o conhecimento para cuidar de maneira correta do seu jardim. É essencial ao jardineiro saber discernir as sementes e plantas umas das outras, para saber se trata-se de belas flores ou ervas daninhas. Afinal, não convém ao bom jardineiro plantar ervas daninhas no seu jardim. Uma das piores coisas que pode ocorrer em um jardim é que se encha de ervas daninhas. Elas infestam o jardim e prejudicam as espécies já plantadas, competindo com elas por nutrientes e água, dificultando assim o crescimento das flores. Além disso, estas espécies silvestres muitas vezes hospedam diferentes tipos de pragas.

Então, fazendo uma breve pausa, Archus perguntou-lhe:

-E então, ainda achas que é fácil cuidar de um jardim Christian?

O garoto lhe responde:

-Me parece algo simples, mas também difícil! Mas a questão é, porque eu preciso aprender a cuidar de um jardim? Eu não acho que isso me ajudaria muito. Parece-me um conhecimento inútil para minha sobrevivência!

Archus, á sua pergunta, diz:

-Minha criança, logo tu entenderás! Venha, sente-se próximo à fonte para iniciarmos!

-Iniciarmos o que?

Perguntou Christian.

-Espere e verás!

Diz Archus a Christian. Então o belo beija-flor voa em direção a fonte e novamente posa ao ombro do anjo.

Christian, olhando em dúvida para Franciscus, que simplesmente sorri e acena a cabeça para ele, obedece e senta-se apoiado na fonte. Logo, Archus voa da fonte e pousa aos ombros de Christian dizendo:

-Agora pequeno, quero que feches teus olhos e entres em seu COR, assim como sempre o fizestes. Eu entrarei lá também para te orientar em como prosseguir.

-Tudo bem!

Respondeu Christian fechando seus olhos e concentrando-se no sentimento em seu peito, adentrando assim seu COR e percebendo-se novamente diante de seu coração envolto em chamas abrasadoras que agora pareciam um pouco mais intensas do que antes.

Então, Christian olhou para o Livro da Vida ao lado de seu coração, que estava parado refletindo o brilho das chamas de seu coração com sua capa dourada.

Logo, olhando à sua volta, Christian buscou a presença de Archus em seu coração , mas não havia mais nada lá, todo o resto estava vazio. Porém, repentinamente, enquanto ainda buscava, uma voz entrou em seus ouvidos.

Olhando apressadamente para seu ombro, logo, o garoto encontra Archus ali, que lhe diz com mansidão:

-Agora que estamos aqui dentro minha criança, podemos começar!

-Começar o que?

Perguntou Christian.

-A retirar o véu de seus olhos!

-Véu?

-Exatamente minha criança, diga-me, o que vês à sua volta?

Christian olhando ao seu redor como fez a pouco, diz:

-Vejo o Livro da Vida e meu coração envolto em chamas, porque?

Ouvindo sua resposta, uma alegria pareceu tomar conta de Archus que exclamou em um tom cheio de adoração:

-Ah sim, o Livro da Vida, dou graças ao Rei porque escondeu estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelou ao pequenino, porque assim foi do seu agrado!

Christian um pouco confuso, questiona-o:

-Do que tu estás falando? Foi Agnus quem me deu o livro!

Archus ternamente respondeu:

-Sim minha criança, exatamente!

Ouvindo sua resposta, o garoto pergunta apressadamente em surpresa:

-Agnus é rei?

Archus em um tom de adoração e cheio amor respondeu:

-Não somente rei criança, Ele é o Rei!

-Então é Agnus aquele que visita os jardins para deleitar-se, sobre quem Franciscus falou?

Perguntou Christian entusiasmado.

-Também! Agora você entende a importância de aprender a cuidar de um jardim, certo minha criança? A importância dos jardins é tão grande, que o próprio Rei os visita. Estes são parte dos tesouros e das Terras Reais.

-Entendo.

Exclamou Christian. Então Archus continuou:

-Então agora responda-me novamente minha criança, o que você vê a nossa volta?

Christian, á suas palavras, novamente observa tudo, para ver se nada havia passado despercebido e respondeu em um toque de confusão:

-Como eu disse antes, meu coração envolto por chamas e o Livro da Vida, além disso só a nós aqui!

Archus ao ouvir sua resposta continua:

-Não há algo mais além de tudo que você falou à nossa volta?

Christian respondeu em confusão:

-Não, nada!

Como se chegasse ao ponto Archus exclamou:

-Exatamente Christian, nada! É para isso que estamos aqui, tirar o véu de seus olhos para que olhes e vejas!

Ouvindo as palavras do belo beija-flor, Christian ficou ainda mais confuso, pois não sabia do que Archus falava. Vendo aquilo, a bela ave instruiu-lhe:

- Minha criança, vamos ao vosso coração.

Sob suas palavras, Christian dirige-se ao seu coração com Archus no ombro, até que ambos pararam em frente às chamas abrasadoras, que ao invés de queimá-los, parecia lhes trazer um calor confortável e profundo.

-Criança, colocai suas mãos em vosso coração. Enquanto tu o fizerdes, irei sussurrar em seus ouvidos. Deves repetir essas palavras e fazê-las ecoar em seu coração.

Christian, com um pouco de medo, respondeu:

-Eu nunca realmente toquei nas chamas que envolvem meu coração, geralmente fico diante delas para que queimem minhas preocupações, mas nunca realmente as toquei. Tem certeza de que é seguro?

Archus gentilmente responde:

-Claro, minha criança, não se preocupe, as chamas jamais vos machucariam. Você não vê como elas envolvem seu coração mas não o machucam?

Christian, á suas palavras, responde com alguma hesitação:

-Tudo bem...

Archus, olhando ternamente para Christian pergunta-lhe:

-Você está pronto?

-Sim!

Então, logo Christian fecha os olhos e lentamente dirige suas mãos ao coração em chamas.

Quando suas mãos passaram pelas chamas e tocaram seu coração, Christian não sentiu dor nem desconforto, somente uma sensação de conforto que percorria todo seu corpo.

Assim, as chamas que envolviam seu coração começaram a acariciá-lo como uma mãe que encontra seu filho, subindo pelos seus braços e envolvendo lentamente todo o seu corpo.

Em sua mente uma voz distante começava a ecoar, era como se tentasse fazer com que Christian ouvisse sua voz, que parecia cair em ouvidos surdos. O garoto tentava concentrar-se ao máximo para ouvir o que a voz dizia, pois quanto mais ouvia, mais sentia que a voz lhe era familiar.

Então, como se recebesse um pouco de luz, Christian sentiu que repentinamente de alguma forma a voz havia ficado mais clara:

-...filho...Amare...

Quando Christian ouviu aquela belíssima voz amorosa, que o chamava, cheia de cuidado e ternura por ele, gotas de cristais como orvalho começaram a descer por sua face, lágrimas que eram consumidas pelas chamas ardentes, que agora o envolviam, e que pareciam aumentar em intensidade alimentadas pelo orvalho cristalino de seus olhos. Porém, antes que pudesse continuar ouvindo o que mais a voz tinha a lhe dizer, uma voz horrível e grotesca, como um animal selvagem que rugia em loucura, ecoou como um trovão:

-VENHA! ACEITA-ME...

Era a voz da torre que loucamente gritava em seus ouvidos. Logo uma voz semelhante a sua, ecoou, rosnando juntas, misturada com rugidos de animais selvagens:

-Eu estou com fome…

(Rugidos)

-ESTOU CANSADO…

(Uivos)...

-Eu quero… SATISFAÇA-ME!

(Gemidos dolorosos)

-PORQUE EU?...

Logo as vozes gritantes se misturavam em sons inaudíveis, tornando uma tarefa difícil, senão impossível, discernir a voz suave e gentil que falava entre elas.

Os ruídos eram desconfortáveis de se ouvir, e causavam extrema angústia em seu coração, mas logo uma voz clara entrou em seus ouvidos:

-Minha criança, concentre-se em minha voz e repita depois de mim tudo bem?

Christian apressadamente acenou com a cabeça em concordância à sua voz. Então Archus continuou:

-Tudo bem, vamos lá. Diga: qui non vident, vide!

Logo, Christian repetiu as palavras sussurradas por Archus:

- Qui non vident, vide!

Assim que Christian falou, aquelas palavras pareceram ecoar por todo o seu COR, e de seu coração explodiu uma luz dourada que se expandiu e varreu todo o seu entorno.

Por onde aquela luz passava, parecia dissipar a névoa que o impedia de ver além. Onde antes havia nada, agora havia terra, onde havia vazio agora havia céus.