Assim que terminou de repetir as palavras proferidas por Archus, Christian apressadamente retirou as mãos do coração, fazendo com que as chamas relutantemente voltassem.
Tirando suas mãos do coração, as constantes vozes em sua cabeça logo cessaram. Suspirando aliviado por finalmente sair daquela situação perturbadora, Christian olha ao seu redor com grande interesse, e diante de seus olhos surge uma cena impressionante:
-O que?
Christian exclamou em confusão enquanto observava a área ao redor. Um gigantesco vale agora os cercava, e olhando rapidamente para o lado, ainda estavam ali, seu coração em chamas e o Livro da Vida. Então, surpreso e confuso, o garoto murmurou:
-Esse ainda é o meu COR?
Archus que silenciosamente estava em seu ombro comentou:
-Minha criança você terá um longo trabalho pela frente!
Christian, observando mais detalhadamente o vale, surpreendendo-se ainda mais. Ao contrário do belíssimo vale florido em que estavam antes, este era mais como uma região selvagem, cheia de ervas daninhas forrando o solo e árvores infrutíferas cobrindo todo o vale, como uma mata fechada.
Os céus estavam cobertos de névoa escura que parecia impedir a passagem da luz do sol. Algumas vezes uma brecha abria-se por entre a névoa permitindo que os raios de sol passassem, porém, logo as brechas fechavam-se novamente com força impedindo mais uma vez a luz de alcançar a terra. Além disso:
(Rugidos)
Ocasionalmente rugidos de feras selvagens ecoavam ao longe pelo vale.
-Onde estamos?
Perguntou Christian em confusão.
-Minha criança, bem vindo à sua alma, ou melhor, ao seu jardim!
Mais rugidos ecoavam ao fundo:
-Minha alma?... então quer dizer que esse vale é minha alma?
Archus respondeu:
-Sim minha criança!
Percebendo em que implicavam aquelas palavras, Christian perguntou com grande surpresa:
-Então o vale que estávamos a pouco era a alma de Franciscus?
Archus concordou:
-Exatamente minha criança!
Ouvindo suas palavras, Christian confuso, perguntou:
-E por que são tão diferentes?
Archus lhe respondeu com uma pergunta:
-Christian, o que você acha que aconteceria se um jardineiro simplesmente parasse de cuidar de seu jardim?
Meditando na questão de Archus, Christian respondeu:
-O jardim morreria?
Archus então completou:
-A beleza do jardim se transformaria em selvageria, pois ervas daninhas e outras outras plantas silvestres cresceriam e tomariam conta do jardim, sufocando e suprimindo as flores que já haviam ali. Pragas e animais selvagens se proliferariam, então, o belo jardim se tornaria em uma mata selvagem. Você entende minha criança?
Christian respondeu:
-Então quer dizer que o vale só está assim porque eu não fui um bom jardineiro? Mas eu nem sabia que esse lugar existia!!
Archus lhe falou com um toque de tristeza:
-Infelizmente criança, há tempos um véu caiu sobre a humanidade, e a grande maioria negligencia sua alma pelo puro fato de não conhecê-la e não estar ciente sobre ela!
Quando Christian estava para fazer mais perguntas, um vulto preto saiu da mata em alta velocidade, seguido por um rugido que ecoou violentamente nos ouvidos de Christian que, alertado pelo som, pôde ver o vulto se atirar em sua direção e em Archus.
Vendo aquilo, pânico toma conta de seu rosto, embora Archus parecia permanecer sereno como a superfície de um lago imperturbável.
(Sons de um corpo perfurando o vento)
Mas, antes que o vulto os alcançasse, as chamas que envolviam o coração de Christian, como uma leoa que protegia seus filhotes, avançou rapidamente para se interpor entre o vulto e Christian, e como se fosse uma rocha sólida chocou-se com o vulto, causando um estrondo pelo choque entre ambas as partes que soou como uma explosão.
Logo após o choque, o vulto foi arremessado de volta, e a frente de Christian as chamas que o protegiam como um escudo impenetrável permaneceram inabaláveis.
Então, o som de algo chocando-se com o solo e quebrando os galhos de árvores em meio a mata alcançou seus ouvidos tirando-o de seu torpor.
Assim, olhando para a direção em que o vulto foi arremessado, Christian viu uma nuvem de poeira se levantar no local onde o vulto aterrissou. Logo, Christian perguntou a Archus, que confiante e calmo ainda pousava em seu ombro:
-O que foi isso?
Archus, olhando na direção da nuvem de poeira disse:
-Veja bem criança, você terá que enfrentá-los mais tarde também, olhe!
Cristian, virou-se para onde estava a nuvem de poeira que começava a dispersar-se. Então, dentro da poeira, ecoou um rugido enraivecido de uma fera selvagem. E logo, a poeira se dispersou, revelando a figura de uma pantera negra, com olho dourados penetrantes, olhando fixamente para Christian, com um olhar cheio de fúria.
Porém, quando a pantera colocou seus olhos nas chamas que protegiam Christian, o medo surgiu no fundo de seus olhos, e ainda rosnando para o garoto, retirou-se lentamente para a floresta até que desaparecesse na mata fechada.
-Porque isso estava aqui?
Perguntou Christian atemorizado com a cena que viu diante de seus olhos.
-Novamente lhe pergunto minha criança. O que aconteceria, se um pai deixasse ao seu filho alguns filhotes de animais para cuidar e domesticar, porém, ao invés de fazê-lo, o garoto simplesmente largasse esses filhotes de animais na floresta e os deixasse lá sozinhos por anos?
Christian meditou na questão, mas não encontrou uma resposta:
-Não sei.
Ele respondeu. Então Archus explicou:
-Bem, os animais cresceriam acostumados com a vida selvagem, e logo se tornariam animais selvagens. Agora o que você acha que aconteceria se anos depois, o garoto que os abandonou todo aquele tempo na floresta, voltasse até eles querendo agora lhes domesticar, lhes exigindo obediência?
-Provavelmente o atacariam?
-Exatamente minha criança, afinal, o filho deveria tê-los domesticado desde cedo, porém, os abandonou, e depois que se acostumaram com a vida selvagem, logicamente o atacariam e seriam agressivos, assim como faria qualquer fera selvagem. Entende criança?
Christian então pergunta após uma breve meditação:
-Eu sou o filho que recebeu esses animais? Então porque não lembro-me de tê-los recebido?
Archus lhe responde com um pouco de ternura:
-Christian, você não lembra sobre o que disse a Franciscus sobre os animais que habitavam o vale?
-Ah, sim, lembro-me de ter tido a sensação de que eram mais do que aparentavam ser! Não sei explicar.
Archus então continuou:
-Esses animais são chamados Intellectus, e bem, é aqui que eles têm vivido todo esse tempo, no jardim abandonado.
Ouvindo-o, Christian começou a ficar preocupado e um pouco culpado. Percebendo esse ponto, Archus lhe diz em um tom reconfortante:
-Não se preocupe minha criança, nunca é tarde para começar!
Christian ouvindo as palavras de Archus, perguntou com um pouco de esperança:
-Mas agora já não é tarde? Você disse que os animais não ouviriam mais o filho.
Em um tom divertido, Archus diz com ternura:
-Oh minha criança, que descuido de minha parte, esqueci eu de dizer que felizmente o pai do garoto é o maior domador de animais de todos! Ele não só pode ajudar seu filho, como lhe dar algumas dicas de como fazê-lo.
Ouvindo as palavras de Archus, Cristian ficou um pouco confuso:
-Como assim?
Perguntou ele.
-Bem minha criança, um passo de cada vez, há muito que você deve fazer, mas eu só te confundiria dizendo-as todas, afinal, você ainda não está pronto para ouvir algumas coisas. Hoje estou aqui para te ensinar a cuidar de um jardim, e bem, você terá um grande trabalho pela frente!
Christian, um pouco hesitante diz:
-Mas como posso eu cuidar de um jardim enquanto a qualquer momento uma fera selvagem pode me atacar despercebidamente?
Archus em uma voz amorosa diz:
-Minha criança, não tenhas medo. Mas ouça, para ti, que inicias agora essa jornada, não recomendo que se aventure para longe das chamas. Como você viu antes Christian, o fogo que envolve seu coração vos protegerá de todos os perigos que se aproximarem, desde que você não se afaste dele e não o perca de vista. Enquanto estiver próximo das chamas, você estará seguro! Lembre-se disso, as chamas sempre serão vosso refúgio!
-Tudo bem...
Christian relutantemente aceitou.
-Tudo bem criança, vamos começar?
-Sim!
Christian respondeu. Logo Archus prosseguiu:
-Vou te dar agora o método de cultivo mais eficiente, chamado recordatos.