Chapter 16 - Orans

-Muito bem, assim como fizestes antes Christian, deveis vos sincronizar com o Coração da Vida. Lembre-se, sempre que faltar algo em seu jardim, é desta mesma forma que tu procederá. A Fonte fornece tuas necessidades, para que tu como bom jardineiro possas cuidar adequadamente do jardim, e deste modo seus visitantes possam deleitar-se com esse jardim.

Christian acenou com a cabeça e Archus prosseguiu:

-Este processo chama-se orans, e é algo essencial para o bom jardineiro. Sabe o que faz o bom jardineiro, ser um bom jardineiro?

Christian respondeu:

-Estar em contato com a fonte?

Archus prosseguiu:

-Sim, estar em contato com a Fonte torna o bom jardineiro completo. Eu te disse que recordatos, divide-se em quatro passos que estão em suas mãos, certo? Porém, também vos disse que existe muita coisa essencial que está além destes passos, mas que porém não estão em suas mãos.

Archus continuou dizendo:

-Pois bem, se um jardineiro não sincroniza-se com a Fonte, torna-se um jardineiro incompleto, porque é limitado pela própria incapacidade. Agora, um jardineiro que sincroniza-se com a Fonte é diferente. O bom jardineiro ao sincronizar-se com a fonte, torna-se um só com Ela, e a própria Fonte ajuda-o a cuidar de seu jardim. Sendo um só com a Fonte, o bom jardineiro deixa de estar limitado pela sua incapacidade, pois a própria Fonte que têm todos os outros passos essenciais em mãos, une-se com ele para cuidar do jardim.

Logo ele continuou:

-Então o bom jardineiro faz o que pode e com ajuda da Fonte faz o resto, tornando-se completo. Por isso, para que recordatos funcione de maneira eficiente, é necessário esta sincronia. Agora minha criança, repita o mesmo processo. Lembre-se, bata na porta e ela se abrirá, pedi e recebereis. Esta é a promessa da Fonte ao bom jardineiro.

Christian acenou com a cabeça e respondeu:

-Tudo bem!

Logo, Christian repetiu mais uma vez o processo, colocando-se diante do Livro da Vida, entrando em profundo silêncio e concentrando-se na conexão com seu coração.

(bump bump...bump bump...bump bump…)

Então, Christian colocou suas mãos sobre o Livro, tentando mais uma vez sincronizar-se com o Coração da Vida. Após um tempo colocando sua concentração no Livro, um som forte e rítmico ecoou em seus ouvidos:

(BUUMP BUUMP... BUUMP BUUMP... BUUMP BUUMP…)

Sentindo-se alegre por ter conseguido ouvir estes sons mais uma vez, Christian começou a regular sua respiração, enchendo-se de ar, tentando sincronizar as batidas de seu coração com as do Coração da Vida.

E assim o tempo foi se passando, mas mesmo passando uma vez antes por este mesmo processo, ainda sentia uma grande dificuldade em fazê-lo. E embora tentasse regular seu coração em conformidade com o Coração da Vida, se via incapaz de fazê-lo, sempre pulsando em um ritmo desregulado e desordenado. Então Archus sussurrou:

-Criança, você está indo bem! Já estás bem mais hábil. Abra sua boca, vos ajudarei mais uma vez.

Christian obedeceu, e abriu sua boca sem hesitação. Archus, mais uma vez levantou voo e gentilmente, em frente a face de Christian, soprou em sua boca.

Logo, um frescor parecia tomar conta de seus sentidos enquanto o ar puro caminhava pelo seu peito. Então, sentindo que seu coração havia ficado mais sensível aos seus esforços, ajustando sua respiração, Christian novamente sincronizou seu coração ao Coração da Vida.

(BUUMP BUUMP...BUUMP BUUMP...BUUMP BUUMP…)

Um só coração parecia bater, e as batidas de seu coração, uma vez mais tornaram-se indiscerníveis entre as fortes batidas do Coração da Vida. Novamente Christian parecia sentir uma conexão com tudo, junto da estranha sensação de completude e paz que o preenchiam. Logo, um manto de luz dourada o vestiu sem que notasse.

Agora em sincronia, Christian voltou sua atenção para o fio que ligava seu intelecto e seu coração, pedindo:

-Suplico-Vos, concedei-me alimento para a semente da Vida!

Logo, o menino conduziu pelo fio seus pensamentos rumo ao seu coração. Observando as vibrações que se dirigiam pelo fio condutor, Christian esperou um pouco ansioso.

Alcançando seu coração, seus pensamentos, começaram a transfigurar-se novamente em uma linguagem incompreensível ao intelecto, e logo as vibrações que ecoavam em seu coração, agora diferentes, dirigiam-se pelo mesmo fio condutor que subia ao céu.

Porém, desta vez, assim que as vibrações partiram de seu coração, Christian tornou-se incapaz de continuar seguindo sua trajetória pelo fio condutor e a confusão se instalou em sua mente. Percebendo isso, Archus sussurrou:

-Meu garoto, não se preocupe. Já vos disse, estou aqui hoje para ajudá-lo a passar por experiências fora de seu alcance para que, quando tentes, tenhas uma base de como fazer e do que fazer.

E então soprou mais uma vez na face de Christian, fazendo com que a trajetória de seus pedidos, que estavam fora do alcance de sua percepção, novamente se tornassem visíveis aos olhos de sua alma. Então:

(Bam Bam Bam.)

Novamente a porta estava fechada. Aos olhos de Christian as rajadas de vento, que pareciam ser suas súplicas, batiam na porta que fechava mais uma vez o canal. E Cristhian, vendo aquilo, sem demora, repetiu seus pedidos.

Passando por diversas vezes pelo processo, batendo sem cessar na porta, inevitavelmente ela se abriu, dando a Christian a passagem para alcançar a Fonte. Repetindo seus pedidos, Christian repetiu orans e esperou.

Assim como antes, Archus só lhe havia permitido ver a trajetória até a porta. Algum tempo se passou, e Christian esperou pacientemente. E mais uma vez, pelo mesmo fio condutor, vibrações mais intensas e poderosas se dirigiram do céu a Christian, logo alcançando seu coração.

Quando as vibrações passavam por ele, o manto de luz que o cobria brilhava ainda mais intensamente. O garoto, sentia seu coração ferver em chamas ardentes, e as chamas que o cobriam pareciam intensificar-se com as vibrações que eram como alimento para seu coração em chamas.

Porém, desta vez, quando as vibrações chegaram ao seu coração, diferentemente de sua experiência anterior, as vibrações assim que alcançaram seu coração, não foram traduzidas para seu intelecto, mas ecoaram como um trovão em seu coração, retumbando por todo o seu COR.

(*Sons de diversos animais selvagens*)

Sons de rugidos, uivos e muitos outros gritos de feras selvagens alcançaram os ouvidos de Christian. Aquele som trovejante parecia agitar (assustar) algumas feras selvagens que se escondiam no vale. Logo, as vibrações pareciam, a partir de seu coração, vibrar, espalhando-se por todos os seus membros, e onde vibrava, parecia encher de vida, como se renovasse todo o seu ser.

De seu coração, um leve brilho vermelho quase imperceptível brilhava, e seus batimentos cardíacos pareciam se fortalecer, como se seu coração gritasse de alegria.

Assim que o som trovejante entrou em seus ouvidos, Christian abriu os olhos, quebrando o profundo estado de silêncio em que estava imerso, e assim que o fez, o manto de luz que o cobria se dissipou, as batidas do Coração da Vida voltaram a ser inaudíveis e seus sentidos que estavam recolhidos pareciam rapidamente voltar.

Percebendo os sons de feras selvagens, a criança voltou seus olhos para Archus. Mas antes que pudesse perguntar o que havia acontecido, um forte brilho resplandeceu nos céus. Uma coluna de luz parecia rapidamente dissipar a névoa que cobria os céus acima de Christian.

A coluna de luz, logo abriu uma brecha, uma grande área circular na névoa espessa. Assim que a coluna de luz desapareceu, os raios de sol, sem impedimento, passavam pelo espaço aberto por entre a névoa, dirigindo-se à terra.

Christian olhou para tudo aquilo maravilhado, então um fenômeno incrível ocorreu. Assim que os raios solares alcançaram o solo, toda a terra em que tocava, estando seca ou não, infértil ou não, parecia encher-se de vida. Toda erva daninha em que tocava, com o calor dos raios solares, parecia rapidamente murchar e se tornar pó e as árvores infrutíferas, como se lançadas ao fogo, se tonavam cinzas.

Assim que os raios solares alcançaram Christian, o menino sentiu uma vez mais, a mesma sensação que sentiu no vale de Franciscus. Os raios solares pareciam enchê-lo de vida.

Quando alcançaram o seu coração envolto em chamas, algo ainda mais surpreendente aconteceu. Assim que os raios do sol tocaram seu coração, as chamas que o envolviam alcançaram uma intensidade sem precedentes, como se ligadas a sua fonte e alimentadas pela mesma.

As chamas pouco a pouco tornavam-se mais douradas como se assumissem cada vez mais o aspecto do sol. Tornando o calor das chamas e dos raios solares indiscerníveis, como se irradiasse de uma mesma fonte.

O alcance da luz e do calor das chamas se expandia conforme elas se intensificaram, criando uma região limpa de ervas daninhas e tornando a área de terra viva cada vez maior. Por onde a luz e o calor passavam, a terra ganhava vida e a vegetação do abismo era destruída.

Os raios do sol, como se estivessem em missão, pareciam concentrar-se rumo a um único ponto. Os raios solares começaram a se dirigir lentamente à região em que a semente da Vida estava semeada e como se atraídos pela semente, adentravam o solo cheio de vida. Fazendo-o brilhar cada vez mais intensamente. Cristhian saindo de seu estupor, virou-se para Archus ao seu ombro e perguntou:

-O que é isso?

Archus respondeu com uma voz alegre:

-Minha criança, parece que Aquele que tem tudo em mãos decidiu vos dar uma ajudinha no seu jardim.

Christian um pouco confuso perguntou:

-Sim... mas o que está acontecendo? Porque as ervas daninhas tornaram-se pó, e porque as árvores infrutíferas viraram cinzas? O que foi aquela coluna de luz e o que aconteceu com as chamas de meu coração? E porque parece que os raios solares são todos atraídos pela semente?

Archus em um tom divertido respondeu:

-Minha criança, você faz muitas perguntas. Lembre-se, não vos falei que a vegetação do abismo que se prolifera pelo seu cor é sensível à luz e ao calor? Essa vegetação não suporta a luz e o calor, e por isso são destruídas quando os raios solares descem sobre elas. Quanto às chamas de seu coração, o que você acha que aconteceria com uma pequena brasa de fogo se caísse em meio a um monte de palha?

Christian respondeu:

-Pegaria fogo na palha.

Archus continuou:

-Exatamente minha criança, a brasa, alimentando-se da palha, consumiria tudo ao seu redor, aumentaria em intensidade, e incendiária tudo. Você vê? O mesmo acontece agora com as chamas de seu coração. Alimentadas pela Fonte do Calor, o Sol, elas crescem e se intensificam. Quanto a mudança de seu aspecto, vou deixá-lo meditar sobre isso minha criança, você é o que você come ou você come o que você é?

Christian ficou confuso mas Archus continuou:

-Minha criança, qual dirias que é a diferença entre uma poça de água e um rio?

Christian respondeu:

-O tamanho!

Archus prosseguiu:

-Uma poça de água minha criança, assim como o rio também é água, porém, o rio é nutrido por uma fonte, que brota e alimenta o rio, já a poça de água não. Mas, o que aconteceria se a poça de água começasse a ser alimentada por uma fonte?

Christian respondeu:

-Ela se tornaria um rio?

-Exatamente!

Archus respondeu:

-Pouco a pouco, a poça assumiria o aspecto do rio, e não mais seria uma poça, mas um rio.

Christian não sabia aonde Archus queria chegar.

-Criança, então, suponhamos que haja uma poça de água e um rio que estão extremamente próximos um do outro. Em um determinado momento, um canal abre-se do rio, fazendo com que a água desça em direção à poça que estava em um terreno mais baixo. A poça, alimentada pelo rio, agora cresce em tamanho e pouco a pouco, assume o aspecto de um rio. Ambos alimentados pela mesma fonte, pela sua proximidade, começam lentamente a tornar-se um, até que ambos se fundem em um só. Aí então, já não há mais separação, ambos são o mesmo.

Archus continuou, perguntando-lhe:

- Agora neste momento Christian, se tu entrastes neste rio, serias capaz de discernir pela temperatura da água, qual parte da água pertencia ao pequeno rio e qual parte dela pertencia ao grande rio?

Christian respondeu:

-Impossível!

Então Archus continuou:

-Exatamente, pois ambos compartilham da mesma fonte, ambos são formados pela mesma água, e já não é mais possível chamá-los de ambos já que se tornaram um. O mesmo acontece com o calor das chamas e os raios solares. Ambos compartilham o mesmo espaço, são alimentados pela mesma fonte e formados pela mesma água.

Christian acenando com a cabeça respondeu:

-Entendi!

Archus então prosseguiu:

-Quanto a sua outra pergunta, como eu disse, pedistes alimento para a semente, então, Aquele que tem tudo em mãos, decidiu vos ajudar, e dar ele mesmo de comer a semente. Veja!

Olhando para o local onde havia semeado a semente da Vida, Christian observou os raios solares que adentravam o solo, fazendo a terra irradiar um belo brilho dourado. Logo, em meio à terra brilhante, um pequeno buraco começou a abrir-se de baixo para cima irradiando um brilho ainda mais intenso, como se naquela pequena fenda houvesse um belo tesouro irradiando luz.

Logo, Christian contempla uma pequena planta esverdeada brotando do chão. Alimentada pela intensa luz, a pequena planta crescia pouco a pouco diante dos olhos de Christian.

Então, aos seus olhos, uma pequena flor que parecia atrair a luz ao redor para si, tornou-se discernível. Era verde brilhante, tinha algumas belas folhas cheias de vida, e um pequeno botão que estava fechado.

A flor, mesmo que ainda não houvesse desabrochado, ainda exalava uma fragrância maravilhosa pelo ar, e o botão também parecia brilhar em uma luz dourada e vermelha, como uma perfeita jóia.

-Que beleza!

Christian exclamou. Porém, assim que sua voz ecoou, Christian sentiu uma gota de água cair acima de seus olhos e escorrer pela sua face. Olhando para cima, cheio de surpresa, seus olhos contemplavam nuvens brancas imaculadas, que choviam sobre onde estavam, e pareciam ter como objetivo regar a bela planta.

Assim que as gotas de água tocaram sua pele, Christian sentiu-se mais vivo do que nunca, mas ao mesmo tempo em transe, como se seus sentidos se recolhessem.

Quando a chuva caiu sobre a flor, como se gritasse de alegria, a plantinha dançava de felicidade, e pouco a pouco, o botão se abria, revelando uma bela flor, com pétalas douradas e prateadas brilhantes, cercando o seu centro semelhante a uma joia vermelha.

Assim que a flor desabrochou as nuvens lentamente começaram a dissipar-se, cessando então a chuva. Assim que a chuva terminou, Christian, saindo de seu transe, olhou para o céu e notou um detalhe. E murmurou confuso:

-O que...

O espaço que foi aberto por entre a névoa escura já fechava-se novamente. A névoa parecia se esforçar para tomar novamente aquele espaço. E lentamente, começou a impedir os raios solares de passarem, até que fechasse novamente a abertura criada pela coluna de luz.

Assim que a névoa começou a impedir a passagem dos raios do sol como antes, as chamas que envolviam seu coração, agora não mais alimentadas pelos raios do sol, pareciam, pouco a pouco a voltar ao normal, e a terra que brilhava devido aos raios solares já não mais o fazia como antes.

Conforme a intensidade das chamas novamente diminuía, a área do alcance de sua luz e de seu calor recuava, deixando uma grande área circular limpa de qualquer planta silvestre ao redor. Porém, pouco tempo depois, já era possível ver novas ervas daninhas brotando em alguns dos lugares limpos.

Só o que restava agora era a terra ainda mais úmida pela chuva e uma belíssima flor que não cessava seu brilho. Christian, maravilhado com aquela bela flor brilhante, então sussurrou:

-É lindo...

Archus em seu ombro respondeu:

-É mesmo minha criança! O Semeador vos deu uma bela flor para plantar.

Christian sorriu para Archus e com um sussurro disse:

-Deu sim, obrigado...

E como se respondesse ao seu agradecimento, a própria flor, por um momento intensificou seu brilho, cintilando e logo, voltando ao normal.