Franciscus então falou:
-Tudo bem garoto, vamos lá! Nós iremos treinar sua defesa. Como já vos disse, este garotão aqui vos ajudará.
Christian acenou com a cabeça e pôs seus olhos no tigre que novamente recebia as carícias de Franciscus. Então, Archus que estava em seu ombro levantou voo e se colocou sobre o galho de uma árvore que estava próxima dali, para observá-los. Logo, Franciscus voltando os seus olhos para o tigre, falou:
-Amigão, pegue leve com o garoto. Conforme você ver que a criança se soltou, podeis pouco a pouco aumentar a intensidade de seus golpes.
(Grunhido)
O tigre grunhindo em reconhecimento acenou com a cabeça. Então Franciscus volta seus olhos para a criança e diz:
-Você está pronto Christian?
Christian, tomado pela ansiedade, acenou ligeiramente a cabeça. O medo ameaçava tomar conta de seus sentidos, mas um leve calor confortável parecia vir do capacete, impedindo que o fizesse. Logo, Franciscus se afastou de ambos, e ficando próximo de Archus falou em voz clara:
-Comecem!
No momento em que sua voz caiu, o tigre em frente a Christian pareceu desaparecer. Sua velocidade era tanta que os olhos de Christian não podiam acompanhar.
-O que...
Christian exclamou. Logo, voltando-se para trás, ali estava o tigre, dirigindo suas garras em alta velocidade para si. Vendo aquilo, Christian instintivamente moveu a espada para colidir com essas garras, que assim que entraram em contato com a lâmina, como se também fossem de aço, ressoavam em um som de choque entre metais, e logo, o impacto entre as garras do tigre e a espada, resultou em Christian sendo arremessado pelo choque. Então Franciscus falou:
-Garoto, primeiro deveis trabalhar sua flexibilidade e tua reação.
Christian caído ao chão, ouvindo as palavras de Franciscus, levantou-se esfregando as costas com dor e falou esbravejando:
-E como espera que eu seja flexível o suficiente e reaja a algo que meus olhos nem ao menos são capazes de acompanhar?
Franciscus rindo falou:
-Criança, lembre-se bem. A melhor reação é não reagir. E a flexibilidade mais adequada é aquela em que não te moves!
Christian ouvindo aquilo, pasmo perguntou:
-O que? Isso não faz o menor sentido...
Porém antes que terminasse de falar, o tigre desapareceu de novo. Vendo aquilo, Christian, em total alerta, focou toda sua atenção no ambiente ao seu redor. Não sabendo de que direção o tigre surgiria, o garoto movia seus olhos para todos os lados mas nada encontrava, porém, não esperava Christian, que o tigre o atacaria pela frente.
Pego de surpresa, novamente, Christian só podia reagir tentando levar sua espada para bloquear as garras do tigre. Então, assim que se chocaram, o mesmo resultado ocorreu, fazendo com que Christian mais uma vez caísse ao chão. Assim que caiu, Christian gritou para Franciscus:
-Franciscus, dissestes que ele não me machucaria!
Franciscus em um tom divertido respondeu:
-O que? Ele está pegando leve, olha para a carinha dele, olha como é fofa!
Christian, voltando-se para o tigre, viu-o lambendo suas patas, dirigindo olhinhos doces e cheios de inocência para ele. Vendo aquilo, um pouco irritado, ele falou:
-Fofo? Ele já me enviou voando, duas vezes!
Franciscus entre risadas respondeu:
-Mas não vejo nenhum machucado em ti, não é?
Archus observando toda aquela cena caiu em risadas e disse:
-Muito bem, permita-me vos explicar. Minha criança, sabeis que na jardinagem, não ligado a fonte, sois limitado, certo?
Christian acenou em concordância e Archus continuou:
-Certo, então saiba minha criança que o mesmo vale para vossa profissão de espadachim. Franciscus já lhes falou que somente o Espírito da espada pode manejar a lâmina perfeitamente. Isso significa, que vós, sem Ele, não a podeis manejar com perfeição, mostrando-lhe claramente que sois limitado também se não estás conectado ao Espírito da espada. Por isso, minha criança, em uma batalha, a melhor reação é não reagir, pois quando reages, o fazes confiando em tua capacidade, e a tua capacidade é limitada. O mesmo vale para vossa flexibilidade, a mais adequada é aquela em que não te moves! Pois se te moves, o fazes por si mesmo, e fazendo-o, estais novamente preso por suas limitações, de vosso corpo inflexível.
Christian então perguntou:
-E o que devo fazer?
Archus prosseguiu:
-Minha criança, imagine que sois como uma cachoeira de cera endurecida. No topo desta cachoeira de cera, há um pavio que se estende por toda a cachoeira. Enquanto o pavio está apagado, a cera está endurecida, e quando assim ela está, vós não podeis fluir e sois inflexíveis. Porém, quando o pavio se acende, o calor das chamas derrete a cera, tornando-a fluida, e fazendo-a movimentar-se de acordo com a Lei e na direção que o vento a soprar. Mas, quando a cera se afasta um pouco do calor das chamas, ela rapidamente esfria e endurece. Moldando-se de acordo com a maneira que o vento a moveu e em conforme com as leis que sobre ela estão. Porém, sabe-se que mais adiante, o calor das chamas alcançará esta cera, que endureceu mais uma vez, pois conforme as chamas consomem o pavio e derretem a cera mais acima, elas se aproximam cada vez mais da base da cachoeira. E este processo se repetirá, até que toda a cera se derreta.
Fazendo uma breve pausa, Archus continuou:
-Agora minha criança, já vos disse da importância de tu confiares nas chamas de vosso coração. No combate, deveis fazer o mesmo. Deves acender as chamas no pavio. Deixando que as chamas determinem quando irás vos mover, e permitindo que o vento vos conduza em como deverás fluir através da Lei, no espaço em que te encontras. Se tentares moverte-te sem confiar nas chamas, irás encontrar rigidez, e se tentares fluir enquanto estais endurecido, se verás incapaz de fazê-lo, e se tentares andar na direção oposta ao vento, tentando caminhar contra a Lei, como alguém que constantemente nada contra a corrente para chegar a lugar nenhum, tu rapidamente irás te fatigar! Entendes, minha criança?
Christian acenou a cabeça em resposta, então Franciscus falou:
-Muito bem garoto, vamos continuar! Deves inicialmente confiar nas chamas, por isso, acenda o pavio Christian, e quanto a você garotão.
Franciscus volta-se para o tigre e com um sorriso divertido continua:
-Continue o bom trabalho!
(Grunhidos)
O tigre acenando a cabeça parecia retornar o sorriso brincalhão, e logo voltou-se para Christian. Vendo que o tigre preparava outra investida, Christian tendo uma ideia, falou rapidamente:
-Espere! Deixa-me preparar-me antes!
O tigre voltando-se para Franciscus recebeu um aceno de aprovação, e o tigre acenando a cabeça, pacientemente esperou. Christian, vendo aquilo, fechou seus olhos, e lentamente focou sua atenção em seu coração, entrando em seu COR.
Parando diante de seu coração em chamas, ainda vestido com o capacete e a espada em mãos, Christian observou uma vez mais a bela flor que brilhava próxima de seu coração. Então, voltando seus olhos para as chamas que queimavam ardentemente, Christian lembrou-se das palavras de Archus. Então, falando para si, perguntou-se:
-Eu sou como uma cachoeira de cera? Eu devo confiar nas chamas e acender o pavio se quiser fluir? Como farei isso?
Então, uma voz familiar soou por seu COR entrando em seu ouvidos:
-Minha criança, os homens podem ser divididos em três partes que se interligam e formam o ser. Estas partes são o espírito, alma e corpo físico...
Ouvindo aqueles sussurros Christian começou a meditar:
-Talvez, neste caso, a cera possa ser meu corpo e alma? Então...
Tendo uma ideia, Christian se aproximou uma vez mais das chamas.
-Eu devo confiar-me às chamas? Elas devem acender o pavio, o meu espírito? .
Com esses pensamentos, Christian respirou fundo, enchendo-se de ar e concentrou-se no sentimento que o capacete lhe trazia em união com o calor das chamas, com intuito de afastar o medo.
Com o coração em paz, logo, Christian, entregando-se às chamas, pousou suas mãos sobre seu coração, sem nenhuma hesitação, e logo, as chamas começaram assim como antes, subir alegremente pelos braços de Christian e a carinhosamente envolver seu corpo, como uma mãe que toma seu filho em seu abraço.
Assim que tocou as chamas e se entregou a elas, Christian sentiu outra vez aquela maravilhosa sensação de conforto, percorrendo seu corpo. Então, em sua mente, novamente a voz distante começou a ecoar, e Christian, ouvindo aquilo, concentrou-se ao máximo para ouvir o que a voz lhe dizia, tentando o seu melhor para desta vez, discernir o que a voz lhe comunicava.
Christian ainda sentia a mesma sensação familiar que a voz lhe trouxe e aquilo mexia com ele, pois seu coração enchia-se de saudade por quem o chamava. Porém, desta vez, antes que pudesse discernir qualquer palavra que a voz dizia, a mesma voz desagradavel da torre ecoou, gritando em seus ouvidos como uma fera selvagem:
-ACEITE-ME, EU POSSO DAR-VOS PODER, VENHA A MIM...
Logo juntando-se a ela, outra voz, semelhante à sua, soou em seus ouvidos, como gritos misturados com rugidos de animais:
-COMIDA... EU QUERO...
(Rugidos)
(Uivos)
-ISSO É BOM... FAÇA...
Logo, os sons, juntando-se em ruídos desagradáveis, mais uma vez atormentavam Christian, que tentava lutar mas se via incapaz de fazê-lo. Não importava o quanto tentasse lutar, os ruidos não paravam de ecoar e a voz gentil que soava ao longe já se tornava difícil de ouvir.
Neste momento, Christian, angustiado, estava prestes a se afastar das chamas, porém, uma voz familiar, vinda de Archus ecoou em seus ouvidos:
-Não se preocupe, minha criança, eu vos ajudarei!
Logo, sentindo o ar fresco soprado em sua face, Christian imediatamente sentiu as mudanças. Como se o vento soprasse para longe as moscas que rodeavam suas orelhas, Christian sentiu que as vozes ecoavam cada vez mais distantes, até que se tornassem ainda mais inaudíveis do que a voz gentil que ecoava ao longe.
Além do mais, o sopro, não só tornou distantes as vozes que o angustiavam, como também pareceu aproximar a voz gentil que lhe trazia paz e conforto. Então, aos seus ouvidos soou com clareza a voz cheia de ternura, e carinho, que fazia seus olhos se umedecerem, e seu coração encher-se de saudades, falando bem baixinho:
-Meu filho... pegue Minhas Mãos.
Ouvindo isto, os olhos de sua alma abriram-se, e ao contrário do que se esperaria, seus olhos não se machucavam com o intenso calor e a radiante luz das chamas que o envolviam.
Olhando com grande interesse ao seu redor, Christian se encontrou cercado por puras chamas, nada mais podia ser visto. As chamas não o queimavam, mas lhe traziam conforto e paz.
Logo, olhando à sua frente, por entre as chamas que o envolviam, Christian pareceu discernir vagamente a forma de duas mãos, então, lembrando-se do pedido que a voz gentil lhe fez, Christian estendeu suas mãos por entre as chamas, aproximando suas mãos das mãos que se estendiam até ele por entre as labaredas abrasadoras.
Quando Christian tocou-as, as Mãos carinhosamente seguraram as suas mãos, e Christian, diante daquelas ações, sentindo-se seguro e confortável, as permitiu fazê-lo. E assim que Christian agarrou-se firmemente às mãos de fogo, a mesma voz, ecoou novamente cheia de amor:
-Abraça-me...
E Christian, ouvindo aquilo, obedecendo à voz que lhe trazia tanta doçura á alma, sem hesitação, dirigiu seu corpo reclinando-se em direção às Chamas, enquanto segurava as Mãos de Fogo com firmeza, mergulhando em seu abraço e entregando sua confiança a elas.
Assim que Christian abraçou as chamas, o Fogo abrasador que o cercava e que envolvia o seu coração se intensificaram, expandindo mais uma vez o alcance do calor e da luz das chamas, dissipando as ervas daninhas, que já haviam tomado conta do espaço limpo antes pelos raios de sol e tornando o solo fértil mais uma vez.
Logo, nos céus, a névoa parecia ter maior dificuldade para impedir a passagem dos raios de sol, e com mais frequência, raios de luz conseguiam penetrar por entre as espessas camadas de névoa negra. Que parecia redobrar os esforços para impedir a passagem da luz.
E por um tempo, assim Christian permaneceu, imerso no sentimento que aquele abraço lhe trazia.