Chegando diante das belas e puras águas cristalinas do rio que atravessava o vale de Franciscus, todos pararam ali. Archus pousando mais uma vez nos ombros de Christian, por alguns segundos, contemplou a água corrente do rio fluindo e batendo suavemente nas rochas, junto aos peixes do rio que nadavam alegremente e sem preocupações. Após um tempo, logo, Archus falou:
-Minha criança entendestes bem que não deves subestimar vossos inimigos, certo?
Christian acenando com a cabeça, olhou rapidamente para o tigre e respondeu:
-Sim, entendi!
-Muito bem. Agora, minha criança, deveis também entender que assim como não deveis subestimar vossos inimigos, também não deveis vos superestimar! Lembra-te do exemplo que vos dei da poça enlameada e do Rio da Vida?
Christian respondeu:
-lembro.
-Pois então, retomarei esta explicação para vos esclarecer disto. O que vos direi agora, já sentistes antes! Lembra-te de quando a coluna de luz abriu uma lacuna na névoa negra que cobre os céus de seu COR?
-lembro-me também.
Christian respondeu e Archus continuou:
-Muito bem criança, então o que achas que aconteceria, se uma poça de água for alimentada por uma forte chuva?
Christian respondeu:
-Ela cresceria em tamanho!
Archus prosseguiu:
-Exatamente criança, e dependendo do volume da chuva, ou do tempo em que a chuva durar, esta pequena poça pode até se tornar um alagamento correto?
-Sim!
Christian respondeu.
-Certo, a questão, minha criança, é que este alagamento, alimentado pela chuva pode crescer em tamanho ao ponto de que se assemelhe a um rio, porém, ele será somente um alagamento e não um rio! E aí está o perigo de se superestimar. Minha criança, se a chuva cair sobre ti, e cresceres em tamanho, ainda deves tomar muito cuidado para não pensares que sois um rio, pois podes ter crescido ao tamanho de um rio, mas és alimentado pela chuva e não por uma fonte, e a chuva, minha criança, é passageira!
Logo, Archus continuou:
-Quando a chuva cessar, não tendo uma fonte para alimentá-lo, o alagamento secará com o tempo, voltando a ser uma poça e podendo depois, tornar-se terra seca. Tu entendes, minha criança? Deveis tomar cuidado ao julgar-se um rio, pois se a chuva resolver prová-lo, e parar de se derramar sobre vós, tu sem uma fonte vos alimentando, secarás, e neste momento, a queda do cavalo será grande. Um rio pode suportar o sol quente pois é alimentado pela fonte, mas se fores um alagamento e ousar enfrentar o sol quente, tu secarás.
Então ele prosseguiu dizendo:
-O rio é estável enquanto conectado a sua fonte, porém o alagamento no qual a água da fonte não brota é instável. Quando a chuva cessa e os ventos param de mover suas águas, o alagamento se torna água parada, que apodrece, tornando-se suja e morta! Criança, sabeis a importância das águas fluírem?
Christian respondeu:
-Não.
Archus prosseguiu:
-Inicialmente, minha criança, o que é mais belo? Uma poça embarrada ou um rio como este que corre e flui?
Christian respondeu:
-Claramente este rio!
Archus continuou:
-E qual a água mais pura? Qual a mais própria para o consumo?
Novamente Christian respondeu:
-A água do rio!
Então Archus perguntou:
-E o que aconteceria novamente com a poça embarrada se alimentada por uma fonte?
-Ela se tornaria um rio!
Archus continuou:
-Exato minha criança, ela se tornaria um rio, assim como este aqui, uma poça enlameada com água suja e parada se tornaria um belo rio. A poça quando ligada a uma fonte, se tornaria pouco a pouco mais pura, mais limpa, pois a fonte iria nutrir a poça, que se tornaria lentamente um rio. A água não mais ficaria parada, não mais ficaria morta, e começaria a correr, começaria a fluir, e com o tempo, no lugar que antes se encontrava água suja, agora se encontraria água limpa. Porém, se a água não flui, se ela permanece parada, nada disso é possível, e a água permaneceria como está, suja.
Com um olhar profundo, Archus continuou:
-As correntes purificam e renovam a água sem cessar, esta é a importância das águas fluírem. Mas novamente, para isso é necessário uma fonte, incessantemente brotando água pura neste rio. Somente se houver uma fonte, é que através das leis, o rio poderá fluir. Entendes, minha criança?
-Entendo.
Christian respondeu. Então Franciscus acrescentou:
-Além disso garoto, saiba que quando fordes beber a água de um rio, quanto mais próximo da fonte buscares beber, mais limpa, e mais pura a água é para o consumo! Isso porque se água limpa e pura brota da fonte, logicamente quanto mais próxima da fonte a água se encontrar, mais pura ela será!
Então Archus continuou:
-Minha criança, hoje recebestes chuva suficiente para muitos momentos te tornar um grande alagamento, e digo-vos estas coisas para que não caias no erro de pensar que sois um rio. Enquanto estavas recebendo a chuva, fizestes coisas que estava além do teu alcance como poça, porém quando a chuva cessar, não podes querer fazer a mesma coisa e ter os mesmos resultados. Não quero que penses que já sois um rio e tentes enfrentar o sol quente ao qual não podeis suportar sem que seques. Ou que como uma poça de água penses que tens o mesmo tamanho de um rio, ou que tentes correr pelas colinas como fazem os rios! Quero que entendas que não vim hoje para tornar-te um rio de repente.
Christian então perguntou:
-Então porque vieste?
Archus responde com ternura:
-Minha criança, antes estavas como em uma sala escura, nela tu não vias nada, e como Franciscus vos disse antes, eu vim para vos trazer a luz. Quando a luz brilha, minha criança, ela dissipa a escuridão e ilumina o ambiente, tornando para vós claros os detalhes da sala que antes não conseguias enxergar. Quando a luz permite que seus olhos vejam, nesta sala que antes nada tu vias, podes ver um chão sujo, poeira sobre os móveis, manchas nas paredes e teto, além de móveis e objetos desorganizados, espalhados por toda a sala.
Logo ele continuou:
-A luz permitiu que tu visses todos os detalhes e imperfeições desta sala. E é para isso que vim criança, para vos dar a luz, e como Franciscus já vos falou, deveis usar a luz que recebestes para seu propósito que é iluminar.
Christian acenou com a cabeça e disse:
-Entendo!
Então Archus prosseguiu:
-Além disso, criança, é necessário que entendas. Assim como já vos disse que as chamas são do tamanho que tu as permite ser, o mesmo vale para a luz. Se a luz que ilumina o ambiente for fraca, pouco destes detalhes poderás ver. Quanto mais fraca a luz, mais baixa a visibilidade por mais que com a presença da luz sempre haverá visibilidade. Mas, se a luz for fraca, talvez poderás conseguir ver os detalhes mais grosseiros, como os grandes móveis desorganizados, talvez algumas manchas muito evidentes, ou sujeiras muito aparentes.
Então, fazendo uma bre pausa, ele continuou dizendo:
-Porém, só conseguirás ver perfeitamente cada detalhe desta sala, se deixardes que a luz ilumine o ambiente em sua intensidade perfeita. No final, o quanto verás desta sala, dependerá do quanto tu permites que a luz vos deixe ver. Por isso, criança, não quero que penses que já sois um rio, pois o que fiz não foi tornar-te um rio, mas foi vos dar a luz para que tu percebesse a poça que havias te tornado, e vos dar a direção que deveis seguir para tornar-te um rio. Agora que sabeis que tens coisas a organizar e a limpar, tens algo com que trabalhar para que voltes mais uma vez a unir-se à fonte. Lembra-te, a Luz não repousa nas trevas, a Pureza não repousa na sujeira, e a Ordem não repousa na desordem. Somente com a Luz, a Pureza e a Ordem te tornarás um verdadeiro rio.
Então, Christian perguntou:
-E como eu as consigo?
Archus respondeu:
-Minha criança, quando deixares a Luz brilhar na sala, terás luz, quando limpar a sujeira da sala, terás pureza, e quando arrumar a bagunça, terás ordem. Tu entendes?
-Entendo...
Vendo que Christian acenava com a cabeça em resposta, Archus então, com o que parecia um sorriso continuou:
-Muito bem, minha criança, nosso tempo acaba aqui!