Assim que Franciscus o permitiu se soltar um pouco mais, o tigre imediatamente preparou-se para mais uma investida, e Christian, vendo aquilo, cessou seus pensamentos e mais uma vez focou sua atenção naquela sensação de fluidez, enquanto a labareda de fogo em sua cabeça parecia se intensificar levemente.
Sentindo novamente aquele estranho estado de fluidez, Christian focou seus olhos no tigre, e sem que nenhum vulto pudesse ser captado por seus olhos, o tigre desapareceu de sua vista, ainda mais rápido do que antes.
Neste momento Christian permaneceu parado, com os olhos fechados, concentrando-se em permitir que o vento o direcionasse e a lei o conduzisse no momento em que as chamas o fizessem fluir. Logo, às suas costas, o tigre mais uma vez atacou, saltando em direção a Christian que estava exposto, e dirigindo as garras de uma de suas patas para ele.
Porém, neste momento, sem que se virasse, Christian moveu sua espada para as suas costas, fazendo com que a lâmina entrasse em contato com as garras do tigre, abaixando seu corpo para que passasse por baixo do tigre que estava no ar, desviando as garras do tigre que deslizavam pela lâmina em sua mão direita. Enquanto ainda embaixo da criatura, Christian, puxou a espada e rapidamente a esfaqueou em direção ao tigre.
Vendo que o garoto havia conseguido contra atacar, um brilho apareceu no fundo dos olhos do tigre, que usando a pata que estava livre, desviou a lâmina que se dirigia para a região do seu coração, batendo em sua lateral.
(sons de metal se chocando)
Quando o tigre bateu na lateral da lâmina, o choque foi muito grande, fazendo com que a espada escapasse de sua mão, e voasse alguns metros fincando-se no solo. Vendo aquilo, Christian recuou rapidamente e o tigre outra vez derrapou por alguns metros até que parasse seu ímpeto. Assim que parou, o tigre olhou para Christian, um pouco surpreso, mas também com o que parecia um sorriso divertido. Franciscus, vendo aquela situação, então falou:
-Muito bem garoto! Pegue novamente sua espada!
Christian ainda recordava de tudo que havia acontecido. Era como se pudesse recordar de cada detalhe. Acenando com a cabeça para as palavras de Franciscus, logo o garoto se dirigiu para onde a espada havia caído. Como se caísse sobre a manteiga, toda a lâmina da espada estava inserida no solo. Puxando-a e retirando-a dali, se dirigiu mais uma vez ao seu lugar, concentrando-se no tigre a sua frente. Então a voz de Franciscus ecoou:
-Muito bem, garoto, quero que aprendas a não subestimar vossos inimigos, muitos podem usar uma aparência frágil, mas são como lobos em pele de cordeiro. Faz parte da estratégia do inimigo para fazê-lo baixar a guarda. Agora, vou permitir que o garotão aqui use toda a sua velocidade. Quero que entendas, que há muitas forças mais poderosas que imaginas por aí, por isso, deveis sempre ser prudente! Certo?
-Certo!
Christian respondeu seriamente e então mais uma vez entregou-se aos sentimentos de fluidez. Logo, o tigre novamente se preparou para atacá-lo.
Vendo que o tigre preparava a investida, Christian sentiu que o vento parecia querer o direcionar para o lado, as Lei parecia querer conduzi-lo a abaixar-se com leveza, e as chamas o queriam fazer fluir nesses movimentos, mas Christian, com os olhos abertos via claramente que o tigre ainda não havia se movido ainda, e por isso, por um breve momento, hesitou em se mover.
Então, no tempo mais rápido que um piscar de olhos, Christian sentiu uma rajada de vento em frente ao seu rosto. A rajada de vento era tão forte que Christian teve que colocar grande esforço para não ser levado pelo forte vento, que arrastava tudo em seu caminho e levantava poeira por todo o ambiente. E se o capacete não o protegesse firmemente dos ventos turbulentos, somente a força de impacto do vento poderia ter sido o suficiente para nocauteá-lo.
E mesmo que no capacete houvesse uma abertura horizontal para os olhos, o vento parecia ser impedido por algo de passar pela fenda.
Fechando seus olhos pelo susto que aquilo lhe causou, Christian saiu daquele estado de fluidez que estava, e devido a desordem em seu coração, as labaredas em sua cabeça se apagaram. Fazendo-o perder aquele sentimento que tinha de fluidez, e sentindo agora com um pouco mais de clareza a rigidez de seu corpo, como um peixe que saía da água.
As chamas de seu coração, que queimavam em grande intensidade, como antes, começaram a voltar ao normal, e o alcance das chamas e da luz começaram a encolher novamente, permitindo que as ervas daninhas começassem a tomar o espaço limpo pelas chamas mais uma vez. O alcance delas recuou até que permanecesse um pouco maior do que antes.
Além disso a névoa negra, parecendo encontrar uma brecha, pareceu ganhar mais força, e novamente voltou a bloquear a luz do sol, impedindo seus raios de chegar até o solo com mais eficiência. Assim que o vento turbulento cessou, Christian abriu os olhos, e diante de seu rosto viu ali imóvel as garras do tigre, que estendia a pata em direção a sua face.
Ele estava parado em posição de ataque e é como se tivesse cessado seu ataque antes que atingisse Christian.
Atrás do tigre o solo parecia ter se aberto, o tigre parecia ter usado o solo para diminuir sua velocidade tremenda antes que o atingisse. Então, saindo de seu estupor, Christian respirou fundo e sentou-se no chão, e no momento em que tirou sua atenção das Palavras agora enraizadas em seu coração, o capacete e a espada transformaram-se em partículas de luz, e a flor que brilhava intensamente em seu coração, cessou seu brilho intenso, e voltou a irradiar levemente sua luz.
O tigre, saindo de sua posição, se dirigiu até Christian, lambendo sua face agora à mostra, decoberta pelo capacete, e Christian, vendo aquilo riu e falou:
-O que foi isso garotão?
(Grunhidos)
Então, Franciscus falou:
-Garoto, espero que tenhas entendido, há forças muito mais poderosas por aí do que imaginas, por isso, nunca as subestime! Além do mais, percebestes não foi? Se tu tivesses confiado nas chamas, terias escapado do ataque. Mas por um momento, tentastes te mover contra a lei, ir na direção oposta ao vento e não vos permitiu deixar-se fluir pelas chamas. E já vos disse que em uma batalha, um momento de hesitação pode ser o suficiente para que vosso inimigo encontre uma brecha em suas defesas. E creio que esteja claro o resultado desta hesitação se tivésseis batalhando de verdade.
Christian seriamente acenou a cabeça respondendo:
-Sim, eu entendo!
Archus então, levantou voo gentilmente, e se dirigiu para a região do solo bagunçada pelo tigre, soprando e fazendo com que o solo se restaurasse ao seu estado original. Então, virando-se para Christian, o belo beija-flor falou:
-Minha criança, temos muito mais a vos ensinar, mas não é o momento agora! Além disso, nosso tempo de instrução está chegando ao fim!
Christian entristeceu-se ouvindo aquilo, e perguntou:
-Vocês vão embora?
Franciscus respondeu:
-Ouça garoto. Deves continuar a caminhar! Viemos a ti para vos instruir, mas de que serve a instrução se não a usares? Não se dá lamparina a alguém para deixá-la apagada ou escondida. Se vos deram a luz, deveis usá-la para seu propósito que é iluminar. Mas se andas somente em lugares que a luz já brilha fortemente, já não se tornaria inútil a luz que recebestes?
Christian, ouvindo aquilo, tristemente respondeu:
-Entendo.
Archus então, com uma voz terna falou:
-Não te sintas triste, minha criança. Nos veremos mais vezes, além disso, não se esqueça que uma leoa só deixa seus filhotes enfrentarem algumas situações para que cresçam e se fortaleçam, mas se ela os vê em perigo, ela não tardará em vir até eles para protegê-los! A leoa está sempre vigiando seus filhotes.
Franciscus então falou:
-Muito bem garoto, nosso treinamento de combate termina aqui. Espero que tenhas entendido a essência da verdadeira esgrima. O verdadeiro espadachim não corta a vida, ele corta a morte. Ele não mata, ele salva. O verdadeiro espadachim, unido ao Espírito que também é Luz, não anda nas trevas, e por isso ele corta as trevas, e quando as corta ele não fere a vida, ele cura da morte.
Christian ficou um pouco confuso ouvindo aquilo mas então Franciscus continuou:
-Sei que parece difícil de entender garoto, mas no tempo certo entenderás, saiba que a Luz é restauradora. Sabes o que é a escuridão, garoto?
Christian não sabia responder.
-A escuridão, é vazio! O vazio é uma ausência, e a escuridão sendo um vazio é uma ausência de luz. A luz não luta contra as trevas, ela brilha, e preenche o vazio, dissipando as trevas. A luz restaura aquilo que não está, para o que era para estar. Pois quando a luz brilha em um ambiente, ela preenche o vazio que chamamos de trevas e preenchendo o que falta, a luz torna o ambiente mais uma vez completo.
Franciscus continuou dizendo:
-Como uma laranja que perdeu a sua metade, quando a luz desce sobre ela, preenchendo essa falta, ela restaura a laranja para seu estado mais completo. Se sois como a laranja, a luz é o suco, aquilo que dá o sabor ao fruto. Por isso, a luz não destrói o que era, porém dissipam o que não é, corrupção do era para ser. Eis porque, unido a luz, tu não matas a vida que era, mas matas a morte que não era pra ser. Por isso, sua lâmina não mais fere, ela cura.
Logo ele prosseguiu:
-Tu, unido à espada e empunhado pela Luz, és direcionado pela Luz, no caminho da Luz, e por isso ages de acordo com a Luz. E sendo a Luz a Vida, a Vida não tira a vida, lembra-te da história que vos contei? A Vida venceu a morte, e é exatamente isso que ela faz.
Christian ainda parecia confuso e perguntou:
-Se o verdadeiro espadachim é incapaz de ferir, como ele pode vencer um combate?
Franciscus respondeu:
-Garoto, já te esquecestes do que vos falei sobre ferox? Este é exatamente o tipo de pensamento que leva os homens a andar neste caminho. Todos aqueles que usarem de ferox, por ferox morrerão! Podes até ferir teu inimigo, mas também feres tua alma. Ferox mata o inimigo mas mata também a vós! Saiba que o melhor resultado para um combate, é que ambos saiam com vida. O caminho da morte é trilhado pelas trevas! Já não vos disse que a Luz é Vida? O caminho da vida é o caminho da Luz! Entendes?
Então ele prosseguiu dizendo:
-Se pertenceis à Vida pertenceis à Luz, e se pertenceis à Luz, não pertenceis à escuridão, e se não pertenceis à escuridão, não deveis andar no caminho da morte!
-Mas não dissestes que eu deveria andar onde a luz não brilha? Porque se eu levasse a luz para onde a luz já brilha fortemente, a luz que carrego se tornaria inútil?
Christian perguntou, e Franciscus respondeu:
-Disse-vos garoto, que uses a luz que vos foi dada para o seu propósito que é iluminar. Porém, alguém que carrega a luz e está com a Luz, é incapaz de andar na escuridão, sabes por quê?
Christian respondeu:
-Não.
Então Franciscus continuou:
-Isso porque a Luz que estará com ela e dissipará a escuridão pelo caminho em que ela passar. Já vos disse, a luz preenche o vazio, e o vazio que são as trevas dissipam-se diante da Luz que brilha, eis porque se andas com a Luz, tu torna-se incapaz de andar nas trevas, pois a Luz dissipa as trevas iluminando teu caminho! E se estás com a Luz, não andas no caminho da morte, pois o caminho da morte é o caminho das trevas, e as trevas fogem da Luz. Tu entendes garoto?
-Acho que sim...
Christian respondeu fracamente. Archus então falou:
-Minha criança, tu entenderás um dia. Por agora sigam-me, ainda tenho algo a vos dizer!
Logo, concordando com Archus, Christian, Franciscus e o tigre o seguiram em direção ao rio que atravessava o vale.