Chapter 23 - Capítulo 23

Letícia observava Aleph disfarçadamente, um novo brilho em seus olhos. Disfarçava seus olhares, receosa de que ele percebesse sua mudança de comportamento. Queria entender mais sobre ele, mas não queria que ele percebesse sua curiosidade. 

 

Durante uma pausa para descanso, Letícia sentou-se para ler, enquanto Aleph preparava uma pequena fogueira. O ambiente estava calmo, e Aleph considerou que aquele poderia ser o momento ideal para finalmente revelar sua verdadeira identidade. Mas as palavras pareciam presas em sua garganta. O medo da reação de Letícia o impedia de falar. 

 

Letícia, sentindo o olhar de Aleph sobre si, ergueu os olhos do livro. Algo parecia inquietá-lo. Ele parecia querer dizer algo. Intrigada, Letícia se levantou e sentou-se ao seu lado. 

— Aleph, há algo que gostaria de me dizer? — perguntou, encarando-o com seus olhos azuis cristalinos. 

Eles estavam próximos, seus olhares se cruzando por um instante silencioso. 

— Princesa Letícia, na verdade… 

 

Antes que Aleph pudesse continuar, foi interrompido pela chegada repentina de um jovem que se sentou ao lado de Letícia. Com um gesto despreocupado, pegou o livro que ela havia deixado de lado e começou a folheá-lo, com curiosidade. 

— Que livro interessante! — exclamou o jovem. — Sobre o que é? 

 

Letícia se assustou com a aparição repentina. 

— Nem percebi você chegando — comentou, surpresa. 

 

— Legal! — exclamou o jovem, com um sorriso radiante. — Consegui ocultar minha presença! 

 

Aleph, no entanto, franziu a testa, incomodado. "Como não percebi a presença dele? Estaria eu tão cansado assim?", pensou, enquanto discretamente pousava a mão no cabo da espada. 

 

O jovem, que parecia ter a mesma idade de Letícia, embora com um ar mais jovial e despreocupado, se apresentou: 

— Me chamo Daniel, do Reino da Primavera! 

 

Antes que Letícia ou Aleph pudessem responder, Daniel, com uma energia contagiante, voltou sua atenção para o livro. Folheou-o com tanto interesse que parecia ter esquecido de devolvê-lo. Letícia achou graça na atitude despreocupada de Daniel, mas Aleph permanecia em alerta, desconfiado da aparição repentina do jovem. 

— Aqui no interior, não se encontram livros tão interessantes — comentou Daniel, entusiasmado. — Outro dia consegui um sobre espionagem! Achei fascinante! 

— Já pensou em se mudar para a cidade principal? — sugeriu Letícia. — Lá, as bibliotecas são imensas. Você não se cansaria de ler coisas novas. 

 

Daniel se animou com a ideia e começou a descrever em detalhes o livro que havia lido, demonstrando uma memória impressionante. Letícia ficou impressionada com a habilidade de memorização e articulação de Daniel, e viu nele potencial para aprender ainda mais, se tivesse a chance. 

— Será que posso acompanhá-los? — perguntou Daniel, de repente. — Estou perdido e temo que, se continuar sozinho, acabe me perdendo novamente. 

 

Aleph lançou um olhar a Letícia, desaprovando silenciosamente o pedido. Mas Letícia, movida por sua compaixão, respondeu suavemente: 

 

— Aleph, acredito que todos têm a capacidade de evoluir, desde que tenham a oportunidade para isso. E ele já demonstrou coragem ao pedir ajuda. Além disso, ele possui uma boa aura essencial. 

 

A aura é uma energia sutil que envolve todos os seres, uma manifestação de sua força vital e, em alguns casos, de seu poder mágico. Existem dois tipos de aura: a mágica, que reflete as habilidades e o potencial mágico de um indivíduo, e a essencial, inerente a todos os seres humanos, representando sua essência e seu estado emocional. 

 

Aqueles que possuem grande domínio sobre sua magia podem ocultar sua aura mágica, disfarçando suas habilidades e passando-se por pessoas comuns. Em casos excepcionais, alguns conseguem até mesmo suprimir sua aura essencial, tornando-se praticamente invisíveis aos sentidos. A habilidade de ler e interpretar as auras, por sua vez, é um dom raro, permitindo que alguns percebam a verdadeira natureza dos que os cercam. 

 

Desconfiado das habilidades incomuns de Daniel, Aleph decidiu não usar o portal para encurtar a viagem até a capital do Reino da Primavera. Preferiu observar o jovem de perto, analisando suas intenções. 

 

Durante o trajeto, Daniel rapidamente conquistou a simpatia de Letícia. Com seu jeito extrovertido e a facilidade com que se comunicava, ele se mostrava sempre atento e animado, ouvindo com interesse as histórias e impressões dela sobre os livros que havia lido. Letícia, por sua vez, achava agradável conversar com alguém tão curioso e espontâneo, e a cada passo parecia confiar mais em Daniel, que, com seu jeito natural, ia ganhando espaço em seu círculo de amizade. 

 

Aleph, observando à distância, notava a afinidade crescente entre Letícia e Daniel, mas permanecia alerta. Sabia que as aparências podiam enganar, e seu instinto lhe dizia que era prudente manter-se atento, pois uma presença que ele não conseguira detectar não era algo para ser ignorado. 

 

Eles pararam para almoçar em uma estalagem à beira da estrada. Enquanto esperavam o pedido, Daniel, com a curiosidade de sempre, lançou uma pergunta inesperada: 

— Então... eu estava pensando, vocês são um casal? Estão fugindo de casa? 

 

Letícia quase se engasgou com a comida, surpresa pela pergunta. Aleph respondeu prontamente, com um tom firme: 

— Sou apenas o cavaleiro da senhorita Letícia. 

— Acho que me enganei, então... 

Daniel deu de ombros, com um sorriso malicioso, e murmurou para si mesmo: "Pela maneira como se olham, eu tinha certeza de que eram um casal." 

 

Daniel puxou uma cadeira para perto de Letícia, tomou-lhe a mão com um sorriso radiante e perguntou: 

— Senhorita Letícia, eu também poderia ser seu cavaleiro? 

Letícia, sem saber como reagir àquele gesto repentino e ousado, hesitou por um instante. 

— Bem… — começou recuperando a compostura. — Eu precisaria testar suas habilidades antes. Mas acredito que você tenha potencial. Basta se dedicar aos estudos. 

 

Daniel cerrou o punho, vibrante de alegria. 

 

Após o almoço, enquanto caminhavam pela estrada, Daniel se aproximou de Aleph e sussurrou: 

 — Tem certeza de que não são um casal? 

 

Aleph manteve a expressão impassível. 

 — Por que pergunta? 

— Você gosta dela, não é? — insistiu Daniel, com um sorriso malicioso. — Se estiver tímido, eu posso te dar umas dicas. 

 

Enquanto conversavam, um movimento furtivo entre as árvores chamou a atenção de Aleph. Instintivamente, aproximou-se de Letícia, os sentidos em alerta. O ar ao redor parecia carregar uma tensão invisível. Subitamente, um grupo de mercenários, espadas em punho, emergiram dos arbustos, cercando-os. 

 

Aleph e Letícia desembainharam suas espadas em um movimento sincronizado. Os mercenários avançaram sobre Aleph com clara intenção assassina. Ele, no entanto, manteve-se calmo e calculista, desviando dos golpes com leves movimentos dos pés. Em um piscar de olhos, desarmou vários dos oponentes, lançando-os ao chão. Letícia, por sua vez, enfrentava seus oponentes com a mesma destreza, a espada dançando em suas mãos como uma extensão de seu próprio corpo. A luta era desigual. Os mercenários, embora numerosos, não eram páreo para a habilidade dos dois guerreiros. 

 

Um dos mercenários, vendo-se em desvantagem, correu em direção a Daniel, que observava a luta desarmado e assustado. Agarrando-o pelo pescoço, pressionou uma adaga contra sua garganta e gritou: 

— Larguem suas armas! 

 

Letícia e Aleph, sem hesitar, obedeceram, deixando suas espadas caírem ao chão. Outro mercenário rapidamente recolheu seus pertences. 

— Soltem-no, por favor — solicitou Letícia ao líder dos mercenários, a voz firme apesar da preocupação. 

 — Claro que vamos soltá-lo. 

 

O líder soltou uma risada cínica e fez um sinal para o homem que segurava Daniel. Surpreendentemente, o mercenário liberou o rapaz e lhe entregou a adaga. 

— Agora, faça o que combinamos — ordenou, com um olhar gélido. — Mate-os.