Aleph surgiu através de um portal luminoso na entrada do castelo do Mestre Yoshi, Letícia inconsciente em seus braços. Os funcionários do castelo, pegos de surpresa, mas treinados para qualquer eventualidade, correram em seu auxílio, conduzindo-os rapidamente à enfermaria. O Mestre Yoshi, como se previsse sua chegada, já os aguardava.
Na enfermaria, os assistentes a acomodaram em um leito. O Mestre Yoshi, sem pronunciar uma palavra, iniciou o processo de cura. Suas mãos, iluminadas por uma aura dourada, pairaram sobre Letícia. Um círculo mágico, intricado e brilhante, formou-se entre suas mãos e o corpo da princesa. O gelo que a aprisionava começou a derreter, a cor retornando lentamente à sua pele. Um assistente, atendendo a um gesto sutil do Mestre, apresentou uma caixa de madeira entalhada com o símbolo do Reino do Inverno. De dentro da caixa, o Mestre retirou um colar de prata, adornado com um cristal azul cintilante, e o colocou delicadamente no pescoço de Letícia. Em seguida, traçou outro círculo mágico no ar, desta vez com uma luz prateada, que envolveu a mente da princesa.
— O frio do inverno permanecerá adormecido até o momento oportuno — murmurou o Mestre, sua voz carregada de poder.
Explicou a Aleph que o colar agiria como um amuleto, regulando a magia de Letícia e protegendo-a de seu próprio poder descontrolado. Após certificar-se de que Letícia estava aos cuidados de seus assistentes, o Mestre Yoshi convidou Aleph para seu escritório. Dentro, uma chama ancestral crepitava na lareira, aquecendo um bule de chá. O Mestre serviu a Aleph uma infusão de ervas medicinais. A chama, que ardia incessantemente há mais de seis séculos, conferia ao chá um poder restaurador único, capaz de reequilibrar as energias e a magia interna.
Enquanto saboreava o chá, Aleph sentiu sua energia se renovar e, ansioso, desejou relatar o que havia ocorrido. Precisava confessar ao Mestre sua hesitação em usar seus poderes, sua imprudência em se conter. Embora já soubesse dos eventos através de suas habilidades, o Mestre Yoshi escutou com atenção enquanto Aleph compartilhava sua perspectiva, e então ofereceu uma explicação.
— O poder que Letícia manifestou é uma energia ancestral, capaz de controlar o atributo do inverno — revelou o Mestre. — Acredita-se que existam quatro guardiãs, cada uma com um atributo específico, sendo a origem dos nomes dos reinos baseada nessa antiga lenda. Suspeita-se que essa energia seja capaz de rivalizar com o poder de Risny. Por isso, é provável que Risny já esteja planejando eliminá-la ou capturá-la.
— Isso não pode acontecer! — exclamou Aleph, a preocupação estampada no rosto. A ameaça representada pela Rainha Risny era real, e ele sabia da crueldade da soberana.
Percebendo a angústia de Aleph, o Mestre Yoshi tentou tranquilizá-lo:
— Letícia ficará em segurança no seu reino. Risny não ousaria atacá-lo diretamente. O Reino do Outono um dos reinos mais poderosos, detentor de diversas relíquias mágicas e e é o principal fornecedor de suprimentos para o reino de Risny.
O Mestre Yoshi fez uma pausa, seu olhar fixando-se em Aleph com seriedade.
— Sua imprudência colocou a vida da princesa em risco. Mesmo sob as restrições do treinamento real, ocultar suas habilidades a tal ponto foi negligente.
Aleph silenciou, sem saber o que responder. As regras do treinamento o proibiam de revelar sua verdadeira identidade, mas sua omissão quase custara a vida de Letícia.
— As restrições existem — continuou o Mestre — mas cabe a você interpretá-las e agir da maneira mais adequada a cada situação.
— Mestre, esse conselho também se aplica… ao outro problema também? — perguntou Aleph, referindo-se à sua missão secreta.
— Certamente — respondeu o Mestre, com um sorriso enigmático. — Use as regras a seu favor. As brechas entre elas podem ser exploradas sem que haja consequências futuras a você...
— Me surpreende ouvir isso do senhor!
— Se não quebrares nenhuma regra fundamental, nenhuma punição da minha parte será aplicada.
— Será um desafio, Mestre, mas farei o possível.
— Confio em você. E lembre-se: conte a verdade a Letícia. Cedo ou tarde, ela descobrirá. E convença-a a manter o colar.
— Entendido, Mestre.
Os quatro reinos são aliados e protegidos pelo Mestre Yoshi, que zela pelo cumprimento das regras fundamentais da dimensão. Quebrar essas regras significaria a desonra e a perda do direito de governar, além do apoio dos demais reinos e de todos os acordos estabelecidos. Seria uma traição ao juramento sagrado feito durante a coroação.
...
Após uma noite tranquila no castelo, no mesmo quarto que ocupara durante seu treinamento, Aleph descansava. Ele havia ingressado no treinamento aos dezesseis anos, treinando ao lado do príncipe Laurenn por um ano, período em que solidificaram sua amizade.
Durante o descanso, uma lembrança distante emergiu. Ainda criança, Aleph se viu cercado por chamas ameaçadoras. Uma figura protetora se interpôs entre ele e o fogo. Então, uma chuva repentina começou a extinguir as chamas, enquanto uma barreira de gelo surgia ao redor deles, protegendo-os do calor intenso. A identidade da figura permanecia nebulosa, mas o poder demonstrado por Letícia, despertou uma suspeita em Aleph. Seria ela a pessoa que o salvara das chamas?
Na manhã seguinte, o Mestre Yoshi informou que enviaria um mentor ao Reino do Outono para treinar Letícia. Os rumores sobre seus poderes haviam se espalhado, e um treinamento adequado era essencial. O Mestre pediu a Aleph que mantivesse em segredo a verdadeira natureza de Letícia como Guardiã da Natureza com o atributo do inverno, por enquanto. A revelação, porém, confirmou as suspeitas de Aleph. Letícia era a pessoa que ele procurava, aquela a quem devia uma dívida de gratidão.
Aleph conduziu Letícia, ainda adormecida, através de um portal mágico. Ele os transportou próximo à fronteira do Reino da Primavera. Pois, a viagem direta ao Reino era impossível devido às fortes barreiras mágicas que o protegiam.
Eles estavam próximos a uma floresta densa e misteriosa quando Letícia despertou, sobressaltada. Seus olhos se moveram rapidamente em todas as direções, e uma expressão de confusão e medo atravessou seu rosto. Tudo ao redor parecia tão diferente que ela mal compreendia onde estava, como se tivesse saído de um terrível pesadelo. A sensação de desorientação era tão forte que uma leve dor de cabeça se insinuou.
Percebendo seu desconforto, Aleph se aproximou com cuidado, segurou uma das mãos dela e, com a voz suave e tranquilizadora, perguntou gentilmente:
— Vossa Alteza, você está bem?
Letícia assentiu, notou um colar delicado em seu pescoço. Um cristal azul-claro, montado em uma fina corrente de prata, brilhava sob a luz do sol. Surpresa, ergueu o olhar para Aleph e perguntou:
— O que é isso?
— É um amuleto de proteção, Vossa Alteza. Eu peço que o use a partir de agora
Ela segurou o cristal, admirando sua beleza. A pedra brilhava suavemente, e embora estivesse ainda confusa, sentiu que algo nesse amuleto era reconfortante. Sem questionar mais, aceitou o presente, mas notou que havia algo diferente no comportamento de Aleph, somado àquele despertar inexplicável em um local desconhecido, a intrigava.
Viajaram até um vilarejo próximo, onde descansaram por um dia. Durante um passeio, Letícia se interessou por uma livraria e entrou em busca de distração para a longa jornada que ainda os aguardava. Enquanto Aleph a esperava do lado de fora, Letícia examinava os livros nas estantes, quando um mapa do reino chamou sua atenção.
— "Como eu cheguei tão rápido nesse local?" — pensou, confusa. — "Minha memória anda um pouco confusa."
Consultando o mapa, perguntou ao vendedor sobre as cidades que supostamente haviam percorrido. A resposta confirmou suas suspeitas. Aleph utilizara algum tipo de habilidade especial para transportá-los. Observando os emblemas dos reinos no mapa, Letícia se lembrou do símbolo gravado no presente do príncipe Ryuuji e, de repente, uma ideia lhe ocorreu. O mesmo símbolo estava presente na espada de Aleph.
— "Não é possível!" — pensou, o coração acelerado. — "Ele não seria… o príncipe Ryuuji? Apenas membros da realeza possuem espadas com o emblema real. A espada dela e de Laurenn ostentavam o símbolo do reino do Inverno."
E então, as peças começaram a se encaixar. Laurenn só reconhecera Aleph após sua descrição física, mencionando que haviam treinado juntos. E apenas membros da realeza são treinados pelo Mestre Yoshi. As técnicas de luta de Aleph… tudo apontava para a mesma conclusão. Letícia concluiu que Aleph era o príncipe Ryuuji, disfarçado para cumprir a etapa final de seu treinamento real, assim como Laurenn fizera no Reino da Primavera.
— "Se ele for o príncipe Ryuuji…" — pensou Letícia, um sorriso tímido surgindo em seus lábios. — "Então não há problema em… me apaixonar por ele."
Um rubor tomou conta de sua face enquanto ela olhava disfarçadamente para Aleph, que a aguardava pacientemente do lado de fora. Precisava confirmar suas suspeitas. A caligrafia da carta que acompanhava o presente seria a prova final.
Depois de saírem da livraria, Letícia e Aleph foram até a pousada para recolher seus pertences e seguir viagem. Letícia observou Aleph preenchendo o formulário de registro. Letícia observava à distância, lutando com um misto de ansiedade e expectativa — algo em seu interior desejava desesperadamente que a caligrafia dele fosse a mesma da carta.
Quando seus olhos percorreram as letras na página, seu coração deu um salto: era a mesma caligrafia. O traçado elegante e preciso era inconfundível, e um misto de alívio e espanto tomou conta de Letícia.
Aleph, alheio ao impacto que essa descoberta causava nela, terminou de preencher o formulário. Letícia desviou o olhar, tentando acalmar os pensamentos que agora fervilhavam em sua mente. Por um instante, sentiu-se segura e intrigada ao mesmo tempo, mas não podia revelar o quanto isso significava para ela.