Na manhã seguinte, um estrondo ensurdecedor arrancou Letícia de um sono tranquilo. Assustada, sentou-se na cama, o coração batendo forte no peito. Segundos depois, Aleph irrompeu em seu quarto, o rosto marcado pela urgência.
— Princesa, precisamos sair daqui! — exclamou, a voz tensa.
Confusa e assustada, Letícia reuniu seus pertences às pressas. Ao sair da pousada, deparou-se com uma cena de caos. Aldeões corriam desesperadamente em todas as direções, suas faces contornadas pelo pânico, enquanto as chamas subiam, devorando casas inteiras.
Aleph, que observava o caos ao lado de Letícia, interceptou o rapaz, segurando-o pelo ombro, buscando informações.
— O que está acontecendo? — perguntou, a voz firme apesar da tensão.
O jovem, com a respiração entrecortada e o rosto marcado pelo pânico, balbuciou enquanto levava uma mão à testa, como se tentasse conter a angústia.
— As shineideas… estão atrás de alguém. Se não encontrarem… vão matar a todos — murmurou, antes de se desvencilhar e sair correndo, desaparecendo em meio à multidão.
Aleph virou-se rapidamente para Letícia, segurando sua mão com firmeza.
— Para sua segurança, precisamos sair daqui imediatamente. — insistiu, a preocupação evidente em sua voz.
Ele sentiu a mão dela trêmula entre as suas, mas, ao erguer o olhar, encontrou a expressão determinada de Letícia, os olhos dela brilhando com um misto de compaixão e coragem. Por um momento, ela hesitou; nunca havia enfrentado uma shineidea antes, e o medo palpitava em seu peito. Mas o som dos gritos e o desespero das pessoas ao seu redor a fizeram recuar o passo da fuga, não podia abandonar aqueles aldeões.
— Não posso deixar essas pessoas… não assim — sussurrou, a voz firme e a decisão refletindo em seu rosto.
A preocupação com os aldeões corroía Aleph. Desejava ajudá-los, lutar ao seu lado, mas sua missão era proteger Letícia, e essa era sua prioridade absoluta. Com um aperto firme em sua mão, conduziu-a por um caminho menos exposto, esquivando-se das chamas e dos gritos de terror que ecoavam pela vila. A cada passo, a cada olhar de súplica que cruzava seu caminho, Aleph sentia o peso de sua responsabilidade e o conflito entre seu dever e sua compaixão.
O cenário se tornava cada vez mais sombrio. O fogo consumia as casas rapidamente, suas chamas avivadas pelo vento, engoliam as casas, transformando a paisagem, enquanto as shineideas capturavam e interrogavam todos que surgiam das construções em chamas. Os que não respondiam a tempo… eram sumariamente executados.
Uma família emergiu de uma casa em chamas. A mãe, com uma criança nos braços, foi a primeira a sair. Sem aviso, uma shineidea a atacou, a lâmina atravessando-lhe o peito. A mulher caiu sem vida, a criança rolando para o lado, ilesa. O menino, em prantos, sacudiu o ombro da mãe, chamando-a desesperadamente, mas o silêncio foi a única resposta. O pai, paralisado pelo horror, observava a cena em estado de choque, incapaz de se mover ou sequer reagir.
A shineidea, com um sorriso cruel, ergueu sua katana de lâmina violeta, pronta para silenciar o choro da criança. No último instante, o impacto de uma lâmina interrompeu o ataque. A espada de Aleph interceptou o golpe, desviando a katana com um impacto. Movendo-se com velocidade, Aleph contra-atacou, sua lâmina atravessando o coração da shineidea. A criatura se desfez em pó, abandonando apenas um rastro de cinzas escuras.
O pai da criança, despertando do torpor ao ver a shineidea desaparecer, olhou para Aleph com olhos marejados. No semblante, um misto de dor e alívio tomava forma, uma breve centelha de vingança satisfeita. Ele abraçou o filho com força, como se quisesse protegê-lo do próprio caos ao redor, e, sem dizer nada, fugiu da cena, carregando consigo a dor e a lembrança da mulher que perdera.
Aleph observou a fuga da família, com um nó apertado na garganta e os punhos cerrados. Ao seu redor, o caos ainda reinava, mas, em seu coração, brotava a determinação de pôr um fim a toda aquela destruição.
Ao perceberem a morte de sua companheira, as shineideas que estavam ao redor de Aleph interromperam os interrogatórios, soltando os cidadãos capturados. Uma delas, ainda mantinha um refém, a adaga pressionada contra seu pescoço, ergueu a voz, fitando Aleph com um olhar ameaçador.
— Só iremos parar quando encontrarmos a princesa Letícia! — gritou ela, antes de cortar o pescoço do homem com um movimento frio e calculado.
A vítima caiu sem vida, e a líder das shineideas erguendo sua espada ensanguentada, sinalizando para que as demais recomeçassem o ataque. A vila se tornava um campo de massacre, o som das lâminas e dos gritos ecoando por toda parte.
Letícia, observando o horror que se desenrolava, sentiu uma onda de culpa esmagadora. "Estão matando todas essas pessoas… só para me encontrarem!" A dor daquele pensamento era quase insuportável, e o olhar dela se entristeceu, refletindo o peso de cada vida perdida.
Aleph, por outro lado, sentia-se confuso. Ele ainda não entendia por que as shineideas estavam tão obcecadas por capturar Letícia. Em meio à confusão, um pensamento surgiu, uma hipótese. "Como elas sabiam onde estávamos? Só poderia ser… ele. Mas o que ele ganharia com isso?"
Enquanto os ataques prosseguiam, o sentimento de impotência de Letícia crescia. Cada vez mais vidas eram ceifadas ao seu redor, e ela sabia que era a causa daquela violência. Então, determinada a colocar um fim no massacre, ela subiu em um palco improvisado, atraindo a atenção das shineideas e gritou com toda a força de seus pulmões:
— Sou a pessoa que vocês procuram! — gritou, a voz firme, apesar do medo que a percorria. — Parem com os ataques!
Ao escutarem o grito de Letícia, as shineideas interromperam o ataque aos aldeões e se voltaram para ela, seus olhos brilhando com uma sede de sangue predatória, movendo-se em sua direção com as espadas erguidas.
Letícia, determinada a resistir, desembainhou sua espada e enfrentou os ataques que vieram em uma sequência implacável. Cada golpe que ela desferia parecia passar por elas como se fossem feitas de fumaça, sem causar nenhum dano. Era como lutar contra sombras. Apesar disso, Letícia sentiu um alívio momentâneo ao ver que, ao menos, as shineideas haviam interrompido o massacre dos cidadãos.
Aleph permaneceu ao lado de Letícia, vigilante a cada movimento ao redor, buscando uma rota de escape que não o forçasse a usar uma habilidade que desejava manter em segredo. Com habilidade e precisão, ele desviava dos ataques e contra-atacava com eficácia, suas lâminas acertando as shineideas de forma que impressionava Letícia, pois ela já o vira eliminar uma delas antes. Ainda assim, ela percebeu algo peculiar em sua maneira de lutar: ele parecia estar se contendo, agindo com uma cautela que diferia do vigor que mostrara ao enfrentar Laurenn, como se estivesse escondendo algo. Mas, ela mal tinha tempo para processar esse detalhe enquanto se defendia dos ataques das inimigas.
Aos poucos, um grupo maior de shineideas os cercou, formando uma barreira de lâminas e risadas cruéis. Aleph, com movimentos fluidos e precisos, repelia os ataques, mas a cada golpe defendido, um novo surgia, mais rápido, mais violento. Mas agora as shineideas pareciam se divertir com a situação, como se o cerco fosse apenas uma brincadeira para elas.
Letícia, ofegante e com o coração acelerado, lançou um olhar ansioso para Aleph. "São tantas... Como vamos conseguir enfrentar todas essas shineideas e ainda proteger os habitantes do vilarejo?"
Enquanto trocavam olhares, ambos sabiam que as chances eram escassas. Letícia inspirou fundo, tomando coragem ao perceber que, por mais sombria que fosse a situação, ela não estava sozinha. E isso, talvez, fosse o bastante para manter a esperança viva enquanto enfrentavam o impossível.
Os Cavaleiros Reais chegaram, suas armaduras brilhando sob o sol da manhã. Mas suas espadas, assim como a de Letícia, se mostravam ineficazes contra as shineideas.
A luta se tornou ainda mais desigual, as shineideas intensificaram os ataques, como se desafiadas pela presença da guarda real. Os cavaleiros, divididos entre proteger os aldeões e enfrentar as shineideas, lutavam com bravura, mas muitos sucumbiram à fúria implacável do inimigo. Eles sabiam que suas chances de vitória eram mínimas, mas a determinação em proteger os inocentes superava o medo da morte.
O cenário era devastador. Chamas consumiam as casas, corpos jaziam inertes no chão, soldados feridos lutavam em vão, e o terror se estampava nos rostos dos aldeões que ainda sobreviviam. A cena de horror se gravou na mente de Letícia, causando-lhe uma dor profunda e um sentimento de culpa.
— "Se ao menos eu tivesse a habilidade de derrotá-las... — pensou, desesperada. —"Treinei tanto, mas não atingi essa capacidade. Não vou conseguir proteger essas pessoas."
Aleph percebeu a angústia de Letícia, ciente de que a princesa se culpava por sua impotência diante da destruição. A segurança dela era sua prioridade, uma promessa feita a Laurenn. Ele considerou a possibilidade de recuar, deixar a luta para os Cavaleiros Reais, mas a ideia de abandonar os aldeões o incomodava.
Estava prestes a sugerir quando uma cena horrível o fez hesitar: o chefe do vilarejo foi atingido mortalmente pelas costas, sem chance de defesa. A cena brutal paralisou Letícia, incapaz de desviar os olhos. O homem gentil e acolhedor que os recebera com tanta hospitalidade na noite anterior… havia sido morto.
Distraída pela dor e pelo choque, Letícia não percebeu uma das shineideas que se aproximou furtivamente, preparando um ataque mortal. Letícia detectou o movimento tarde demais para reagir, mas Aleph se interpôs, recebendo o golpe em seu lugar. A lâmina cortou profundamente seu ombro direito, manchando sua roupa com um vermelho vivo.
Guerreiras shineideas montadas em cavalos negros, lançavam tochas ardentes nas construções, garantindo que ninguém pudesse se esconder. Em meio ao tumulto, um jovem correu desesperado pela rua, com as roupas parcialmente queimadas. Seus olhos estavam arregalados de terror.