Em um vilarejo do reino do Inverno, uma pequena vila lutava para sobreviver. Alguns guardas reais, arrogantemente impunham sua autoridade sobre os aldeões famintos, cujas roupas esfarrapadas e corpos emagrecidos testemunhavam sua luta diária contra a fome. Os guardas confiscavam os poucos mantimentos que os aldeões conseguiam produzir, limitando sua subsistência.
— Por favor, não levem tudo! — implorou uma mulher idosa, as mãos trêmulas estendidas em súplica. — Já levaram quase tudo na semana passada! Não temos mais nada!
— Não pensem apenas em vocês! — retrucou um dos guardas, empurrando a mulher com brutalidade. — Os outros cidadãos do reino também precisam se alimentar!
— Estamos trabalhando dia e noite, mas a comida não é suficiente nem para nós! — protestou um jovem aldeão, agarrando-se a um saco de grãos. — Como podemos dividir o que mal temos?
— Acha que deveríamos dividir a pouca comida que há igualmente? — zombou o guarda, com um sorriso cruel. — A comida é para aqueles que são importantes para o reino. Alguns precisam ser sacrificados, e nesse caso, são vocês. Trabalhadores descartáveis como vocês deveriam simplesmente… desaparecer.
Letícia e Aleph passavam pela estrada próxima a um vilarejo quando avistaram a comoção. Observaram a distância, mas ao perceber a injustiça que se desenrolava, Letícia não pôde se conter. Ela se interpôs ao escutar a fala cruel do guarda.
— Retire o que disse! — exclamou Letícia, interpondo-se entre os guardas e os aldeões. — Todos os cidadãos deste reino são importantes!
— E quem é você para se intrometer?! — rosnou o guarda, dando um passo ameaçador em direção a Letícia.
Ele ergueu a mão para golpeá-la, mas Aleph, com um olhar penetrante e um movimento rápido, agarrou com firmeza o punho do guarda. O guarda, paralisado pelo medo que emanava dos olhos cinzentos de Aleph, recuou instintivamente. Levou a mão à espada, prestes a desembainhá-la, mas Aleph se antecipou, mostrando a insígnia real do Reino do Inverno. O guarda, reconhecendo o símbolo de autoridade, mudou instantaneamente de postura, adotando um tom servil e bajulador.
— O que pessoas tão importantes fazem neste humilde vilarejo? — perguntou, com uma falsa subserviência.
Uma senhora idosa, fraca e faminta, aproximou-se de Letícia, lágrimas escorrendo por seu rosto enrugado.
— Por favor, senhorita, nos ajude! — implorou. — Eles estão levando nossa comida! Vamos morrer de fome!
O chefe do vilarejo, exaurido pela luta constante contra a opressão dos guardas, aproximou-se e explicou a situação a Letícia e Aleph. O guarda tentou interrompê-lo, mas Letícia o silenciou com um olhar. Pacientemente, ouviu ambos os lados da história. Em seguida, com autoridade, ordenou aos guardas que se retirassem sem levar os mantimentos e que entregassem uma carta ao rei Hayden. Na carta, Letícia descrevia a situação do vilarejo e sugeria uma alternativa para remediar aquela situação.
Os cidadãos estavam empolgados, pois sentiram como se finalmente algo iria mudar e logo o chefe do vilarejo os questionou.
— Ouvi dizer pelos guardas que o Reino fez um acordo econômico com o Reino do Outono. Isso é verdade?
— É verdade — confirmou Letícia.
— Espero que dê certo — disse o chefe, com um suspiro. — Precisamos desse acordo. A comida que produzimos não é suficiente para alimentar todo o reino.
Os aldeões começaram a comentar entre si, falando que o boato do acordo econômico era real. Para Letícia, a conversa foi um choque de realidade. Ela não tinha ideia da gravidade da situação do reino e pode perceber pelos rostos sofridos dos aldeões que ainda havia esperança em seus olhos, isso a fez perceber que ela não podia ser a causa da discórdia entre os dois reinos, pois a população dependia desse acordo para prosperarem novamente e se alimentarem adequadamente.
Letícia se lembrou das palavras do rei Hayden: se o casamento não se concretizasse, o reino do Outono cortaria o fornecimento de suprimentos e o acordo econômico seria desfeito. A responsabilidade pesou sobre seus ombros.
Apesar da situação em que se encontravam, os aldeões receberam Letícia e Aleph com calorosa hospitalidade. Prepararam um jantar simples, mas farto, assado em uma fogueira crepitante. Alguns jovens dançavam ao som de flautas, seus rostos iluminados pela alegria da celebração. A cena tocou o coração de Letícia. A felicidade daquelas pessoas, unidas pela música e pela dança, deu um novo significado à sua missão.
A esposa do chefe do vilarejo, uma mulher robusta e sorridente, aproximou-se de Letícia.
— Junte-se à dança, senhorita! — convidou, com entusiasmo.
Letícia hesitou por não achar apropriado para a posição que ocupa, mas o convite era irresistível. A mulher, percebendo sua hesitação, cutucou Aleph com o cotovelo, um sorriso travesso em seus lábios.
— O que está esperando, rapaz? Convide a moça para dançar!
Aleph se levantou e, com uma elegante reverência, ofereceu a mão a Letícia. Ela corou levemente, mas aceitou o convite, incentivada pelos sorrisos e aplausos dos aldeões.
O chefe do vilarejo, observando a dança desajeitada, mas encantadora, comentou com a esposa, divertido:
— Parece que nossos convidados não conhecem muito bem os passos da nossa dança.
— Pouco importa — respondeu a esposa, com um sorriso afetuoso. — O importante é que estão se divertindo. E formam um belo casal, não acha?
— Não tão belo quanto nós dois — rebateu o chefe, piscando para a esposa. E, com um gesto galante, estendeu-lhe a mão, convidando-a para dançar.
A dança era uma tradição local, com passos e movimentos que Letícia desconhecia. Aleph também não parecia familiarizado com a coreografia, mas a alegria contagiante da música e a atmosfera festiva os guiavam. Giravam e rodopiavam, as mãos se encontrando brevemente nos movimentos sincronizados, os risos se misturando à melodia das flautas. Naquele momento, rodeada pela simplicidade e pela genuína felicidade dos aldeões.
Letícia sentiu um profundo senso de pertencimento e uma renovada determinação em cumprir seu dever. Seus olhos brilhavam com uma luz interior, irradiando uma alegria contagiante que cativou a todos ao redor. Aleph, enquanto a conduzia na dança, sentiu algo diferente, uma emoção profunda e inexplicável. Era como se Letícia, naquele momento de pura felicidade e entrega, emanasse uma aura luminosa, um brilho mágico que a tornava ainda mais encantadora.
Na manhã seguinte, um estrondo ensurdecedor arrancou Letícia de um sono tranquilo. Assustada, sentou-se na cama, o coração batendo forte no peito. Segundos depois, Aleph irrompeu em seu quarto, o rosto marcado pela urgência.
— Princesa, precisamos sair daqui! — exclamou, a voz tensa.