Augusto acompanhou o homem com os olhos até que sumisse de vista. O coração estava disparado e gotas de suor escorreram pela testa. Acabara de ser ameaçado por um sujeito que sabia muito sobre sua família. Não parava de pensar por que ele, dentre tantos outros pediatras espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Esperou, com uma expectativa nociva, para ter certeza de que o homem não voltaria. Até que fechou a porta e entrou.
Elisa tinha ido ao mercado comprar as coisas para o jantar. Já que só pegaria Rob no colégio em uma hora, aproveitaria o intervalo para conversar com a esposa quando ela chegasse. Pegou um copo de suco e desabou sobre o sofá. Os olhos estagnaram sobre a mesa de centro, como se olhando para o objeto, mas vendo um filme de tudo o que ocorrera até então. Começando pela estranha demissão, depois os e-mails, a conversa com o homem. Por fim, uma pontada lhe atravessou o estômago e o frio do medo percorreu as entranhas.
"E se?"
Talvez não tivesse sido mandado embora por culpa do erro do médico subordinado. Se o estranho conseguira fazer com que não fosse contratado em canto nenhum, era provável que também pudesse ter sido a causa de ter perdido o emprego. Pensou em falar com Sam sobre tudo. Logo desistiu; o amigo não teria como ajudá-lo. Aquelas pessoas estavam acima de muita gente.
Passaram-se vinte minutos até que Elisa chegasse. Abriu um sorriso radiante para o marido. Augusto tentou retribuir, e tudo que conseguiu foi uma careta. Motivo suficiente para que ela largasse as compras ali mesmo.
— Aconteceu alguma coisa? Foram aquelas propostas de novo?
— Acho melhor você se sentar, meu amor.
Ela dividiu o estofado macio com o marido, ajustou uma mecha de cabelo para trás da orelha e se pôs ereta, o pescoço reto e teso, esperando más notícias.
— Sim, tem a ver com aquelas pessoas. Um cara bem estranho veio aqui hoje. Falou que, se eu não aceitar a oferta, não conseguirei mais emprego nenhum. Ele também ameaçou você e Rob.
Augusto não tinha medido a seriedade daquelas palavras até dizê-las em voz alta. O nó apertou na garganta, procurou segurar as lágrimas que se formavam. Não queria deixar Elisa preocupada, mas sentia um aperto no fundo do peito ao imaginar que alguém pudesse fazer mal a um dos dois.
Ela chegou mais perto de Augusto e o abraçou.
— Calma, amor. Vamos achar uma solução.
Augusto contou exatamente como tudo aconteceu e ficou surpreso com a calma que ela procurou manter.
— Parece que não temos escolha, não é? Já tentamos a polícia, e eles não fizeram nada. Se essas pessoas têm mesmo o poder de não deixarem contratar você em nenhum lugar, eles são realmente perigosos. Podemos tentar seguir o plano deles, talvez nos deixem em paz.
No fundo, ela queria mesmo era dizer para fugirem, mas para onde? Partindo do princípio que podiam fazer o que fizeram, onde se esconderiam? A coisa mais sensata, naquele momento, era aceitar a proposta. Pelo menos, ela tentava se convencer disso.
Augusto assentiu e entornou o copo de suco goela abaixo, levantou-se para buscar água, travou no meio do caminho; o celular vibrava no bolso da calça. Por um momento, achou que o piso havia se tornado um grande buraco negro. Apanhou o smartphone como se o mundo estivesse em câmera lenta. Na tela, havia uma notificação de e-mail. O dedo estava quase clicando em excluir, quando se lembrou das palavras do homem. Desabou sobre o sofá, encarando a tela. Os olhos apreensivos de Elisa miravam Augusto.
— O que houve, amor?
Augusto lhe entregou o celular. O e-mail era curto:
"Doutor Vianna, seguem anexadas algumas fotos do local em que vocês morarão. Espero que as imagens ajudem na decisão. Eu me sentiria extremamente tentado caso recebesse uma oferta dessas. Abraços, Ben.
PS: Eu adoro a última foto."
Elisa começou a soltar alguns suspiros ao lado do marido. Augusto movia os olhos do aparelho para a esposa. Em alguns momentos, ele percebeu que ela sorria. E talvez ele próprio tivesse sorrido algumas vezes também. O lugar era espetacular, rodeado de verde de árvores e arbustos. A casa ficava numa colina, era de madeira, estilo rústico, e, pelas fotos, parecia não haver outras por perto. O resto das residências ficava lá embaixo, no centro da cidade. E tinha uma árvore grande na frente, provendo sombra para a maior parte do terreno.
Elisa olhou para o marido com olhos reluzentes.
— Meu Deus, meu amor, esse lugar é incrível!
Augusto sorriu. O casal continuou a olhar as fotos, e, quando chegaram a uma panorâmica que mostrava a vista do telhado da casa para o horizonte, sentiram que foram vencidos pela proposta.
— É possível que só estejamos sendo paranoicos, não? — disse Elisa.
Augusto se empertigou no sofá, o estofado rangeu suave. Ele virou a cabeça de um lado para o outro, meneou a cabeça de forma positiva.
— Bom, pode ser. Mas por que o homem seria tão... sei lá, ameaçador?
— Ah, vai ver, é só um cara sem instrução, Augusto. Talvez só não saiba lidar com pessoas, ou estejam desesperados por um bom médico. E isso você é! — Ela deu um soquinho no braço do marido.
Augusto se rendeu aos sorrisos e beijinhos que a mulher lhe dava no rosto. Abraçou-a, e a deitou no sofá. Com tanta atribulação, o casal vinha esquecendo as necessidades conjugais. O clima esquentou ali na sala... e eles ainda tinham mais de meia-hora antes de buscar o filhão.
***
Augusto não estava mais desempregado. Respondeu ao e-mail dizendo que aceitava a oferta. Colocaram a casa em São Paulo à venda e agendaram a data da mudança. Faltava dois dias para começarem vida nova em Rio Denso.
Contaram a novidade ao filho, e, como toda criança, Rob não gostou da ideia de se mudar. Deixaria todos os amigos ali. Mas quando o pai mostrou as fotos da nova casa, o garoto amoleceu. Caramba! Tinha muito espaço para brincar! Ele e Bóris fariam a festa.
Rob e Bóris eram muito ligados um ao outro. Desde que Rob chegara à família, ainda bebê, resolveram adotar o cachorro também. Os dois cresceriam juntos e seriam grandes amigos. Acertaram em cheio. Um garoto, agora com oito anos, e um São Bernardo, amigos inseparáveis. No fim, a mudança, que parecia tão difícil, acabou sendo bem aceita, e, melhor, todos estavam contentes. Até Bóris parecia feliz com a notícia.
Augusto sentiria falta de Sam, mas quando um ou o outro tirasse férias, poderiam combinar de se ver para tomar uma cerveja e contar as novidades. Dali para frente, era vida nova, emprego novo, cidade e casa nova.
Parecia tudo mágico e gostoso, exceto pelo fato de que, lá no fundo, bem na raiz de Augusto, alguma coisa ainda o tirasse da curva, uma espécie de alerta, um aviso.
Mas as malas estavam prontas. Era hora de ir.