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Chapter 5 - Capítulo IV - O Santuário

Ao sair do portal, os amigos se viram próximos de um penhasco que dava uma visão panorâmica de tirar o fôlego.

Era como se estivessem numa colossal caverna arredondada com vários quilômetros de diâmetro,que era iluminada por cristais em seu topo como se fossem vários sóis.

Quatro biomas dividiam a caverna em quatro regiões a partir do centro. Um deserto com gêiseres, um lago parcialmente congelado em sua extremidade próxima às paredes rochosas, uma grande floresta tropical semelhante a selva amazônica, e um emaranhado de colinas e elevações cobertas de nuvens.

Bem onde estes quatro ambientes se encontravam, estava uma grande pirâmide. Uma espécie de templo maia gigante, que marcava o centro da caverna.

Tudo lá transbordava vida. Grandes revoadas de pássaros voavam em suas formações entre as nuvens, e o canto dos animais presentes na mata era como uma sinfonia da natureza. Merlin se colocou diante do quarteto para os apresentar a este novo mundo.

— Este é o local mais sagrado da Terra. O Santuário. Uma caverna dentro cordilheira dos Andes. Por isso que as paredes tem a quilômetros de altura. — Os adolescentes imaginaram que seria um lugar muito diferente daquilo. Jamais passou por suas cabeças que eles treinariam em local especial tão longe da civilização.

Todos estavam hipnotizados com a beleza da paisagem. Um forte sentimento de conexão com o local não os deixava tirar os olhos da vista em sua frente. O professor já estava descendo a trilha ao lado do penhasco, indo em direção a floresta, porém seus alunos ainda estavam distraídos.

— Ei, acordem. Se vocês ficarem panguando aí vou deixar os tigres gigantes comerem vocês. — A frase que ele disse não soou como uma piada. A reação do grupo foi de encará-lo por alguns instantes, como se esperassem que ele desse algum sinal de que estava brincando.

— Quê?! — Todos eles disseram unissonamente, ao ver que suas expectativas não foram atendidas. O que Merlin havia dito seria reforçado depois, após a trupe chegar no início da floresta. Assim que terminaram de descer o penhasco, eles notaram na presença do que parecia ser uma espécie de jaguar gigante. O felino era pelo menos duas vezes maior que um tigre siberiano adulto.

Os quatro jovens se sentiram terrivelmente intimidados, mas a fera se mostrou apática em relação aos humanos que haviam acabado de chegar ao local. Tudo que ele fez foi beber a água da nascente de rio ao lado do paredão da caverna e caminhou de volta para floresta pacificamente.

— P-p-professor... esse lugar não é meio perigoso demais? — Vivian perguntou, enquanto se escondia atrás do alto homem, que não parecia nem um pouco incomodado com a situação.

— Só me acompanhem. Se ficarem perto de mim, nada de ruim vai acontecer. As criaturas aqui não tem pessoas no cardápio. — Por mais que fosse verdade, as palavras do educador não foram o bastante para acalmar ninguém. Ele voltou a guiar o grupo pela área verde, que por mais assustadora que fosse, tinha belíssimas criaturas que existiam somente ali. Horas de caminhada depois, os aventureiros chegaram até a pirâmide.

Exaustos, os estudantes se sentaram no primeiro degrau das escadas. Já era início da tarde, e ninguém havia almoçado ainda.

— Deus do céu. Eu achei que iria morrer. Andamos horas e mais horas... — Gabrielle comentou, e em seguida tomou um gole de sua garrafa de água.

— Não foi nada mal. Fizemos uma trilha de 20 quilômetros em 6 horas e vocês não pediram tanto para descansar. Vou preparar o almoço para vocês. — O professor disse, ao mesmo tempo subia a escadaria. Mais tarde, com os alunos reunidos no topo da construção, houve uma refeição ao ar livre.

— Que delícia! Isso é peixe mesmo!? — Ana exclamou enquanto devorava vários espetinhos de carne e frutas locais. Os outros três também estavam indo ao ataque, comendo alegremente seus pratos.

Ao acabar de saciar sua fome, Vivian saiu do meio de seu grupo e foi até onde seu tutor estava para questioná-lo. Ela não era o tipo de pessoa que aguentava segurar para si mesma algo que a incomodava. Se alguma coisa do tipo estava acontecendo, ela se expressava de alguma forma ou outra.

— Merlin, por que você levou a gente pra cá? Não era mais fácil termos ido para um lugar mais normal? E eu também não entendo por que você não nos teleportou direto para o templo. Ter que caminhar daquele jeito pareceu desnecessário. — O mestre terminou de comer seu oitavo peixe antes de respondê-la. Ele tinha o apetite de leão, o que era necessário para sustentar seu enorme porte físico.

— Estava testando a resistência e adaptabilidade de vocês. O primeiro caso é por que vocês precisam de um físico minimamente preparado para lidar com o dia a dia de um mago caso vocês queiram voltar para suas famílias. Pode ser que aconteçam situações que vocês não serão capazes de usar magia também, e então será necessário usar seus corpos. Isso é algo que vou explicar na primeira aula sobre magia, que será hoje. — Ele disse, e logo em seguida limpou seu rosto com um pano.

— Então irei guardar minhas perguntas até lá. — Merlin concordou com a resposta. Por mais que a garota tivesse saído da conversa insatisfeita com as respostas, ela percebeu que durante a aula seria o melhor horário para questioná-lo.

O professor havia se preparado previamente para recebê-los no templo, organizando quartos e estocando alimentos, ferramentas e todo equipamento necessário para sobreviver e treinar naquele lugar. Era um local relativamente espaçoso e bem conservado, mas com algumas formigas e aranhas pequenas.

Os alunos passaram o resto da tarde se organizando em seus respectivos quartos e conversando, enquanto aguardavam pelo início da aula, marcada para ás 17:00. Alguns minutos antes do horário marcado, o grupo fez outra refeição e então se deslocou para o topo da pirâmide, onde Merlin estava acabando de montar um quadro branco na parede. Terminada a instalação, ele deu início as primeiras lições de sobre magia.

Magia é uma energia extrafísica que não segue as leis normais da natureza, por ser originária de um plano sobrenatural. A utilidade dela está no fato de que ela pode ser convertida em matéria ou energia física.

Algumas criaturas podem nascer com esta energia, como um pequeno número de humanos e os demônios. Todos os seres que usam magia devem ser seres dotados de alguma forma de mente capaz de formular pensamentos e se adaptar à interação com estes poderes, fisicamente e psicologicamente.

Da mesma forma que criaturas que usam magia desenvolvem sentidos para detectá-la em si mesmos e nos outros, eles também desenvolvem sentidos de acordo com a afinidade de sua magia com determinadas energias físicas.

Por exemplo: um mago cuja primeira magia que despertou é magia de fogo, irá desenvolver também a capacidade enxergar a temperatura de objetos e outros vários sentidos que aprimoram sua compreensão sobre seu fogo e sua magia.

— Isso quer dizer que nós precisamos aprender a comandar a magia da mesma forma como comandamos nosso corpo, mas conscientemente? Não precisamos de palavras mágicas nem algo do tipo? — Ismael perguntou, interessado na mecânica de seus poderes.

— Exatamente. Palavras mágicas são um hábito que vocês podem ou não usar. É mais um modismo do que algo eficiente, embora alguns digam que isso pode melhorar a imagem mental para usar magia. — O professor respondeu.

— O motivo pelo qual disse que os poderes que você despertou pela primeira vez muito provavelmente não eram magia, foi por que você relatou ter ficado inconsciente enquanto os usou. Magia requer um esforço consciente e uma imagem mental estável. Quando sua consciência é abalada ou completamente perdida, sua magia se torna inutilizável. — O garoto assentiu, demonstrando ter entendido a explicação adicional.

— E o que isso tem a ver com a caminhada e tudo que fizemos mais cedo? — Vivian fez a pergunta novamente. O tom ligeiramente mais sério que de costume soou um pouco estranho para os outros colegas de turma, mas o educador já imaginava que ela faria este questionamento.

— Vocês podem sentir a conexão forte que os quatro biomas daqui tem com suas magias. A própria natureza deste lugar deseja ensinar os magos escolhidos que pisam nessas terras a usar seus poderes. Por conta deste "miasma natural", vocês vão crescer ainda mais rápido aqui do que na Academia. — A resposta foi direcionada não somente para a garota, mas para todos aqueles adolescentes que o escutaram.

— Não vamos fazer trilhas só para aprimorar o aspecto físico de vocês. Por mais que seja importante treinar seus corpos não serem completamente indefesos caso fiquem sem magia, criar laços com este lugar irá tornar vocês muito mais poderosos ao longo do tempo. — James completou sua fala sobre a importância do lugar.

O Santuário era um local sagrado que nem mesmo a Academia conhecia. Era um segredo que que Merlin guardou por muito tempo, por desconfiar da intenção dos líderes da instituição. Além disso, por ser uma terra santa, ela própria não aceita qualquer presença, a não ser por alguns escolhidos que possuem dons especiais.

A explicação deixou os alunos surpresos e empolgados, especialmente pelo detalhe sobre o quão restrito era o acesso àquela caverna. Eles não esperavam que o professor dissesse que eles eram especiais mesmo dentre os magos.

Depois de terminar de ensinar outros tópicos da disciplina de Magia, Merlin colocou sua mão no quadro branco e criou um novo selo mágico. Desta vez, era um selo menor que os de teletransporte, com dois círculos concêntricos em volta de um espaço vazio no meio e com diversos símbolos entre o círculo maior e o menor, dispostos simetricamente.

Aquele era um selo usado para fazer o Teste de Aptidão Mágica. Era utilizado para mensurar o potencial mágico, cor de aura e elemento básico de maior afinidade de um mago. A primeira voluntária a aparecer para fazer o teste foi Ana, que era de longe a mais empolgada com o que estava acontecendo.

— Tudo bem! Só tenho que colocar minha mão nesse círculo do meio? - O educador assentiu. Ansiosa, Ana caminhou até o quadro, onde colocou sua mão. No instante em que ela a posicionou corretamente, um clarão verde emanado pelo selo mágico a fez saltar para trás. O brilho enfraqueceu gradualmente e se espalhou pelos dois círculos e alguns dos símbolos do selo.

— Ah droga! Professor, eu fiz alguma coisa errada!? Professor? — Merlin estava sem reação. Seus olhos bem abertos demonstravam seu espanto com o que havia acabado de acontecer.

— Não. Não foi nada de errado. Só parece que você tem tanto potencial como uma maga que que o selo se transformou num farol de energia por uns instantes. E isso é uma coisa que eu nunca vi na minha vida. Quero testar com os outros três também. — Assim eles fizeram. Os resultados foram semelhantes.

Ana, Gabrielle, Ismael e Vivian possuíam,respectivamente, auras de cor verde, azul, violeta e vermelho. Suas afinidades de magia básica eram, na mesma ordem, Terra, Água, Ar e Fogo. Todos os quatro tinham poderes muito acima da média e altamente especializados, praticamente podendo utilizar somente o tipo de magia que tinham afinidade.

Pouco tempo depois, a primeira aula de magia dos jovens acabou,deixando-os bastante satisfeitos com o interessante conteúdo. Nos horários seguintes, Merlin lecionou disciplinas comuns, como Português e Matemática, até dispensar os discípulos às oito e meia da noite.

Ainda mais tarde, já às dez da noite, Ismael estava acordado, refletindo sobre as novas informações que havia obtido, e no impacto destas em sua vida. Ele sentou em sua cama depois de meia hora sem conseguir pegar no sono. Limpou seu rosto e em seguida conferiu suas pílulas de antidepressivos.

Por fim, ele decidiu sair de sua cama e ir para o lado de fora do templo para respirar um pouco do ar fresco. Ao terminar de subir as escadas, ele notou na presença do professor, que estava sentado ao lado de um pilar, próximo de uma tocha. Silenciosamente, o garoto se sentou do outro lado da escada, a alguns passos de distância do homem.

— Não consegue dormir? — James perguntou, enquanto continuava a observar a floresta em sua frente. O adolescente suspirou e escorou suas costas no pilar ao seu lado, sem responder diretamente a pergunta.

— Os demônios não são o único perigo, não é? — Ismael perguntou, se lembrando de uma outra ameaça além dos demônios que seu professor ainda não havia comentado muito a respeito.

— Magos fora-da-lei. Alquimistas. Muitos daqueles que possuem poderes mágicos e fogem da jurisdição da academia realizam atividades ilegais, como abusar dos poderes mágicos para obterem vantagens por cima de pessoas comuns. Outros chegam até mesmo ao absurdo de fazer experimentos humanos para organizações que estão interessadas nos poderes que temos. Gente como vocês são alvos perfeitos para eles. Além disto, desde a última metade do século passado, ataques de demônios e atividades destes grupos ilegais aumentaram de maneira que nunca vimos antes. — Merlin disse, com um pouco de pesar em sua voz.

— Vocês nasceram numa era perigosa. Uma era em que chegamos ao ponto de assinar um acordo secreto com a Organização das Nações Unidas para unir forças contra essas duas ameaças. — Os dois escutaram passos vindo de trás. Vivian surgiu das escadas e caminhou até onde seu amigo estava. Ela havia escutado toda a conversa até então, e desejava ouvir mais. Portanto, a garota se sentou no chão, próximo de Ismael.

— Como vocês lidam com tudo isso? — Ele fez a pergunta para seu tutor.

— Esquadrões de Exorcistas. São magos com treinamento a nível militar que fazem operações de eliminação de demônios e alquimistas. Trabalham em conjunto com forças especiais da polícia e do exército de alguns países, que também tentam fazer sua parte para reprimi-los. — O diálogo caiu num estranho silêncio naquele momento, que durou quase um minuto inteiro.

— Desde que matei aqueles caras, nunca consegui tirar isso da minha cabeça. Eu tirei a vida de pessoas, e a vida é algo de valor imensurável para nós. Eu não consigo dormir uma única noite sequer sem pensar: "Para onde eu mandei eles?". Não é possível que eu consiga pagar por pecados tão graves como esses. — Ao pronunciar estas palavras, sua amiga cutucou seu ombro, fazendo-o virar seu rosto, trazendo seu campo de visão para um olhar direto em seus olhos.

— Não pense só nas vidas que tirou. Você salvou a gente. Me salvou. E acredite, eu sou muito... muito grata a você por isso. — Vivian não foi a única que esteve ali para dar seu suporte ao menino. Suas outras duas amigas também apareceram enquanto ela ainda falava.

— Eu também tenho que agradecer. Eu sinto muito pelo o que aconteceu. E também gostaria de pedir desculpas por ter ficado com medo de você. — Gabrielle, com a voz levemente trêmula pelo nervosismo e timidez, expôs seus sentimentos. Ana desviou seu olhar para longe, mas não ficou quieta.

— E-eu digo o mesmo que a Gabi. Foi mal. — Ismael respirou fundo e gentilmente sorriu para suas amigas.

— Não precisam se desculpar. Deve ter sido assustador para vocês. Eu que agradeço por não terem me abandonado. — Ele disse, se sentindo aliviado pelo gesto das três.

— Eu não quero que o que aconteceu comigo aconteça com ninguém. E se eu realmente tenho este potencial que você disse mais cedo ...eu vou usá-lo para salvar vidas. Eu irei entrar para os Esquadrões de Exorcistas. — Finalmente, o olhar do garoto parecia estar voltando a vida. Seu pronunciamento deixou as garotas boquiabertas. Merlin se levantou de onde estava e caminhou até Ismael, que se levantou para ficar frente a frente com ele.

— Você está realmente disposto a trilhar este caminho? Seu treinamento e suas aulas serão muito mais duros caso realmente queira isso. — James lançou seu aviso.

— Estou. Eu sei que sou fraco, tanto mentalmente quanto fisicamente. Mas se eu nunca fizer nada a respeito disso, nada vai mudar. Por isso eu vou tentar. Não irei me arrepender de não ter tentado dar meu melhor. — Não houve hesitação por parte do adolescente, que estava determinado a se dedicar a esta nova meta. Ele havia dado o primeiro passo para se tornar uma nova pessoa.

— Tudo bem. Então melhor você se preparar.