— Do que você.. está falando? — Disse a terceiranista portuguesa,que se surpreendeu com a chegada de sua companheira de esquadrão. Sua tentativa de fingir que nada havia acontecido não teve bons resultados.
— Eu vi aquilo, Catarina. Elas estavam te ameaçando? — Vivian respondeu de maneira firme, deixando bem claro que sabia que algo estava errado.
— ...Não dedure elas, por favor. Não quero causar problemas para ninguém. — Catarina baixou a cabeça, escondendo-se ao dizer estas palavras.
— Não preciso dedurar ninguém ainda. Elas estavam te xingando? — A interrogadora continuou firme. A garota que estava sendo questionada assentiu e continuou a relatar as circunstâncias que estava passando.
Por conta de seu desempenho ruim no curso, que levou as punições da equipe, as duas outras membras da unidade ficaram ressentidas e começaram a pressioná-la a desistir de ser uma exorcista.
Uma delas se chamava Elena, que tinha o apelido de "ogra" por conta de seu tamanho de um metro e oitenta e três de altura e seu físico forte. Além disso, de longe era possível notar no seu semblante de valentona.
A outra era Vanessa, que era bem menos intimidadora, sendo da mesma altura que Vivian. Ela era o tipo de pessoa que gostava de ficar do lado mais vantajoso por interesse próprio. Era a pessoa com a qual a menina de cabelos anelados tinha mais repulsa.
—... Eu não sei se devo ficar ou sair. Sou um dos raros casos de magia hereditária, e minha família já caçou demônios por gerações. Meus pais desejavam que eu seguisse a tradição, já que eu nunca fui capaz de decidir seguir alguma profissão diferente. Então eu concordei, até por que a remuneração é boa, mas depois de passar no treinamento e entrar para o quartel, eu vi que as coisas não eram como eu imaginava. É tudo tão difícil. — Foi neste momento que Vivian pode entender o que estava acontecendo.
Catarina não queria desapontar seus pais saindo do curso preparatório, porém, as demandas da vida de um exorcista eram grandes demais para ela. Isso havia se somado ao fato de que ela não tinha sido apropriadamente orientada por seus responsáveis para lidar com tais tipos de trabalho.
— Acho que fui mimada demais. Eu não devo servir mesmo para fazer essas coisas. — Ela continuou, soltando uma risada sem graça ao terminar de falar.
— Então como você conseguiu passar nas provas para chegar neste curso pra começar? Você tá enganada. Se você realmente não fosse boa, não teria sequer sido aprovada para o colégio militar. Realmente, você é muito inocente se acha que as coisas vão vir sem esforço. Sem ofensas, mas parece que seus pais foram muito relaxados na hora de te educar a respeito disso. — A princípio, Catarina irritou com a crítica aos seus responsáveis, mas sua expressão se acalmou ao passo em que ela notou a verdade nas palavras de sua colega.
Até aquele momento, ela nunca precisou fazer grandes esforços para conquistar algo. Sua família tinha boas condições, e sempre lhe deu aquilo que desejava. Por conta disso, ela se tornou uma pessoa complacente.
— Vivian, você acredita mesmo que sou capaz de virar uma exorcista? Mesmo desse jeito que eu sou? Será que as outras vão deixar de me importunar se eu fazer as coisas certo daqui para frente? — A garota perguntou, com uma centelha de esperança em sua voz.
— Acredito sim. Você é imatura, mas é habilidosa. Seu potencial é grande. Mas você precisa botar a mão na massa de verdade daqui pra frente. E sobre as meninas, você tem que provar para elas que você é capaz. Isso se você realmente quer seguir essa carreira. A vida que você vai levar daqui em diante é uma escolha sua. — A parceira de esquadrão respondeu, com um olhar sincero que despertou uma nova motivação em Catarina.
— E-eu... pelo menos vou tentar dar meu melhor. — Vivian soltou um grande sorriso ao escutar estas palavras.
— É assim que se fala! - Ela disse, satisfeita com a demonstração de determinação que viu.
Uma semana depois, após o horário das aulas, as três amigas estavam na cantina, aguardando em fila para pegar a refeição do dia. Enquanto esperavam, Ana observava sua colega, que aparentava estar com um rosto bem melhor que alguns dias atrás.
Depois de pegarem seus pratos e voltarem para o canto na qual geralmente ficavam juntas, ela se sentou ao lado de Vivian e Gabrielle para conversar.
— Que cara feliz ein? O que aconteceu? — Ela perguntou, curiosa com a aura animada.
— Ah nada. E só estou contente por uma garota do quartel. — A resposta foi acompanhada de uma risada contente.
Catarina começou a ter resultados melhores logo no primeiro treinamento da semana. Conseguiu fazer os exercícios físicos e cumpria todas as ordens corretamente. Embora ficasse exausta ao final de cada dia, era possível ver algum progresso. Também não ocorreram novos assédios à ela desde então.
�� É mesmo. Hoje já vamos ter o Treino de Tiro. Não imaginei que iríamos usar armas de fogo tão cedo. — Vivian comentou com suas companheiras, após lembrar do evento que aconteceria mais tarde no mesmo dia.
Depois da aula, já no batalhão, todos os exorcistas mirins foram levados para o campo de tiro, já com fuzis em mãos. Após a sargento fornecer as instruções de como manusear as armas, todos tiveram que efetuar cinco disparos contra um alvo à cem metros de distância.
Em geral, todas as notas foram altas, porém, de todos os alunos presentes, Gabrielle, Ismael, Catarina e outros três cursantes foram destacados por terem acertado cada um dos tiros. Concluído este treino, os estudantes foram dispensados e retornaram para seus aposentos. Pouco tempo após limparem os alojamentos, era chegada a hora de ir embora.
— Caramba, até agora não tô acreditando que você acertou todos os tiros na cabeça do alvo. Virou uma sniper agora? — Ismael brincou com sua colega prestigiada, que riu levemente.
— Gente calma, não fiz nada demais. — Gabrielle disse, tentando escapar dos elogios.
— Uai, se você não fez nada imagina eu? — Ana a respondeu, considerando o fato que tinha acertado quatro tiros.
Quando chegaram na estação de monotrilho para irem embora, Vivian reparou que Catarina ainda não havia saído, e temeu que ela pudesse ser atacada novamente. Outra vez, ela ficou para trás e aguardou do outro lado da rua, em alerta para caso algo viesse a acontecer.
Com cinco minutos de espera, ela avistou a membra do seu esquadrão na saída do quartel, junto as com duas outras jovens que andavam importunando-a. Da mesma forma que ocorreu na semana anterior, ela foi encurralada.
Desta vez, Vivian não ficou parada. Imediatamente começou a caminhar com pressa para chegar o mais rápido possível ao local e pegar as duas delinquentes em flagrante. Em poucos segundos, ela estava do lado da rua onde estava a entrada para o estabelecimento militar. Foi então que algo a surpreendeu.
— Eu não vou desistir. Não agora que sei que posso ser boa nessa profissão. — Foi o que Catarina disse, enquanto se erguia diante da situação em que estava. A reação da jovem desconcertou as duas que a cercavam, o que frustrou a tentativa de intimidação de Elena.
— Agora você tá se achando fodona por que sabe dar alguns tiros? — Ela respondeu, elevando seus ombros e se aproximando da menina acuada para causar ainda mais medo.
— Chega! O que vocês estão fazendo!? — A alta voz repreensiva de Vivian alcançou os ouvidos das três que ali estavam, chamando suas atenções. A corajosa adolescente continuou a caminhar até ficar diante das valentonas.
— Tá na hora de acabar com isso. Vocês ficaram doidas? Somos um esquadrão. Um time! Acham que ficar amedrontando uma de nossas colegas por que ela cometeu alguns erros vai resolver alguma coisa? Vocês deviam estar apoiando ela, e não a humilhando! Ainda mais agora que ela se saiu bem em um dos treinos! — Ela não poupou palavras. Sua firmeza silenciou completamente Vanessa, que só pode continuar a escutar o sermão sem reagir.
A ogra respondeu de maneira diferente. Depois do choque inicial, ela andou até a estudante que estava repreendendo-a, e apontou seu dedo contra seu rosto.
— Ah, agora você tá se achando aqui? Isso não te interessa, sua intrometida! Se mete comigo pra ver o que vai acontecer com você. — Sem nem ao menos aguardar que ela terminasse de falar, Vivian adiantou a resposta.
— Acontecer o que? Vai me bater? Xingar? — Elena novamente ficou perplexa com a réplica, e desta vez não conseguiu dar sequência às suas palavras, pois em seguida, Vivian encarou-a olho por olho. Era como se sua visão pudesse alcançar a alma da grandalhona, que agora temia uma menina que era menor que ela.
— Eu sabia. Você é uma valentona até alguém não ficar intimidado pela sua presença. No início, você estava irritada com a Catarina por que ela era o motivo para as punições, ai quando ela começou a se dar bem, você ficou com inveja e sentiu que sua posição estava como a maioral do esquadrão estava afetada. Agora deixa eu te falar; você não é a maioral de porra nenhuma aqui. Ninguém é. — Depois de dizer as duras palavras, ela mudou sua visão para Vanessa.
— E você tá doida pra ter costas quentes com ela, não é? É exatamente o tipo que fica do "lado vencedor. Você não vai a lugar nenhum assim. Não vai sequer chegar ao fim do curso. — Após terminar o sermão, ela direcionou a fala para o resto do grupo.
— Vou ser bem clara aqui, eu sei que trabalho em equipe não é fácil. Só que querendo ou não, vamos ter que cooperar. Podemos não gostar uma das outras, mas temos um objetivo; todas nós queremos ser exorcistas. Então vamos colocar nossas diferenças de lado e ajudar umas às outras. Vou dizer novamente, somos um time. Então ajam como um. Se eu ver isso que aconteceu aqui de novo, eu vou reportar direto para a sargento. — As jovens que antes estavam confiantes em sua força, engoliram seco perante o aviso.
A adolescente que havia acabado de repreender as membras de seu esquadrão, deu as costas a elas e saiu do local, com a garota que havia acabado de ser defendida seguindo-a até a estação de monotrilho mais próxima.
— Vivian, muito obrigada. Você me salvou. — Ela disse, se sentindo em débito com sua nova amiga, que sorriu ao escutar o agradecimento.
— Por nada. Vamos dar nosso melhor, beleza? — Logo que a salvadora replicou, seu transporte chegou, e assim que suas portas se abriram, ela entrou.
— Ela parece uma líder... — Catarina pensou, enquanto o trem fechou suas portas e iniciou a viagem, desaparecendo de seu campo de visão em poucos segundos.