Seis meses se passaram num piscar de olhos. Já havia mais de um ano desde que os quatro adolescentes descobriram seus poderes mágicos. Finalmente, depois de um longo semestre, eles podiam aproveitar suas férias de Agosto, pelo menos parcialmente.
— Isso deu trabalho... — Vivian falou sozinha, depois de terminar de escalar a encosta de um morro íngreme.
O curso preparatório para os futuros exorcistas da Academia estava chegando em sua reta final, e como parte do cronograma do último mês, os coordenadores organizaram uma bateria de testes. Um destes era subir um paredão de quinze metros de uma colina.
A garota de cabelos anelados foi a primeira de seu esquadrão a chegar ao destino. Depois de se libertar da mochila em suas costas, a primeira coisa que fez foi verificar o progresso de suas companheiras de esquadrão. Catarina já estava quase no topo, e seguia em bom ritmo. Vanessa vinha logo atrás e por último estava Elena, que parecia estar com problemas na escalada.
Em pouco tempo, elas terminaram a subida, com exceção da jovem mais alta do grupo. A maioria das outras unidades já tinha terminado, o que fez Vivian ficar ansiosa com a demora.
Sempre que a escaladora desviava seus olhos para o chão seu corpo parava de se mover e sua expressão ficava tensa. O comportamento estranho foi notado pela menina que a observava. Era medo de altura.
— Só mais três metros Elena! — Ela tentou motivar a parceira, que ao escutar a voz chamando-a, começou a subir mais rápido. Até demais.
Em poucos segundos, ela estava a beira do precipício, faltando somente um impulso para que ela completasse a prova, mas na pressa de chegar ao cume, seu pé escorregou numa pedra após uma pisada em falso. Mesmo com a corda de segurança, ela iria perder mais tempo ainda tentando se estabilizar novamente.
Felizmente isso não aconteceu. Neste instante, Catarina surgiu de trás de Vivian, estendendo sua mão para aquela que havia a importunado anteriormente. Elena agarrou a salvadora, e conseguiu terminar seu teste com a ajuda que recebeu.
A ação corajosa foi tão inesperada que a garota que assistiu de perto a cena nem ao menos teve tempo para contribuir. Em sua mente, depois dos eventos que haviam ocorrido no início do ano, a relação das duas deveria ser no mínimo de repúdio, mas não era o caso.
— Você tá bem? — A portuguesa disse, demonstrando seu sincero altruísmo e proatividade para a cansada adolescente diante dela. A grandalhona assentiu, e começou a caminhar até onde Vanessa estava, ainda com a respiração pesada.
— ...Obrigada. — Antes que seguisse seu caminho, ela agradeceu com voz baixa. Ao escutar aquilo Catarina não pode conter um pequeno sorriso em seu rosto.
— Ei, isso foi bom. Não esperava isso de você. — Vivian a parabenizou, enquanto fez um rápido cafuné que bagunçou um pouco os cabelos loiros da colega.
— Não fiz nada demais. Estou feliz por ter sido útil. — Ela respondeu humildemente, ainda sorrindo. Sua personalidade mais leve e determinada floresceu ao longo do tempo após o fim dos assédios pelas outras parceiras de equipe.
Terminada a prova, os alunos puderam descansar por meia hora ao passo que assistiam o sol descendo até o horizonte. Passado este tempo, todos foram convocados para receber novas ordens.
Primeiramente, cada unidade iria descer a colina utilizando rapel pela primeira vez. Em seguida, os esquadrões deveriam armar seus acampamentos para passar a noite no local. Às cinco da manhã do dia seguinte, seria feito um exercício militar prático.
Cada esquadrão era um time diferente. O objetivo deles seria capturar o artefato localizado no meio da área de combate delimitada, e levá-lo até o ponto de partida da equipe. Cada pessoa tinha um colete, luvas e uma arma com projéteis de pressão não-letais. Caso as vestes protetoras fossem atingidas por balas ou tocadas por luvas de hostis, era disparado um alerta sonoro que deveria ser desligado através da chave localizada no ponto de partida, e somente depois disto o participante poderia voltar ao combate.
O uso de magia era irrestrito, mas era necessário cuidado, pois se alguém ferisse outra pessoa de propósito durante o exercício, todo o time seria desclassificado.
— Vivian, seu esquadrão é o Delta. Você foi escolhida como a líder dele. — Outro detalhe importante, era que cada time teria um líder que seria responsável pelas estratégias e ordens em campo. E a menina de cabelos cacheados tinha sido selecionada dentre as quatro de sua unidade pelos superiores.
Ao escutar aquilo, sua reação imediata foi de rapidamente observar as reações de suas parceiras, e nenhuma delas pareceu expressar qualquer protesto, o que a pegou completamente de surpresa. Vendo aquilo, ela retornou sua visão para a comandante e respondeu;
— Sim, senhora!
Nas horas seguintes, ela e seu grupo fizeram a descida de rapel para a floresta abaixo e estabeleceram seu acampamento no local. Já no início da noite, a unidade se reuniu em torno de uma fogueira para fritar marshmallows em espetos.
— Vai ser um saco esse treino amanhã. Os professores vão avaliar tudo que fizermos. — Vanessa comentou, enquanto degustava sua parte das rações.
— Temos que esperar pra ver como vai ser. Eu até estou meio empolgada. Nunca fizemos algo parecido! — Catarina aparentava estar se divertindo com a ideia da inesperada prova.
— Pra vocês, tudo bem eu ser a líder do esquadrão? — Vivian lançou a pergunta, após ter ficado vários minutos em silêncio. Por mais que ninguém tivesse se mostrado contra, ela continuava preocupada com o destaque que recebeu.
As que se sentavam à sua volta trocaram olhares entre si, quase que como não houvessem entendido a razão da questão.
— É claro que não tem nenhum problema. Você é a mais adequada para essa posição. Não tem com que se preocupar. — A pessoa que todos esperavam que fosse manifestar algum descontentamento, deu a resposta contrária às expectativas, e de maneira bastante sincera.
— Você tá se preocupando demais com esses detalhes. E mesmo se não concordassemos com a escolha, quem escolheu foi um oficial de escalão maior. Vamos ocupar nossa mente em como iremos lidar com os outros ao invés disso. — O conselho foi bem recebido pelo grupo. A comandante suspirou e recuperou a compostura.
— Tem razão. Me desculpem. Vamos discutir alguma estratégia então. — Depois da mudança de assunto, a conversa continuou por mais uma hora até que as membras do time voltaram para seus aposentos para dormir.
Às quatro da manhã do dia seguinte, era a hora de acordar. Os esquadrões acordaram e imediatamente levantaram acampamento. Com vinte minutos de caminhada, eles chegaram até o campo de treino prático, onde começaram a se organizar para dar início ao exercício militar.
Cada equipe foi destinada a um ponto de partida diferente, localizado no perímetro da área delimitada para o treino. Durante este deslocamento, ao passo que andavam pela floresta, Vanessa observou atentamente seus adversários, e reparou algo importante.
— Vivian, aquele não é seu amigo? — A fala chamou a atenção da líder, que ao se virar para observar quem era, avistou Ismael e seu time, que estavam indo para o ponto de partida ao lado do de sua própria equipe.
— É ele mesmo, e ele tá bem do nosso lado! Isso vai ser perigoso. Lembra do que eu disse ontem? Ele é tão forte quanto eu, e tem o tipo de magia perfeita para esse tipo de situação. Ele não tem que se preocupar com essa floresta em que estamos, já que ele pode voar. Droga, o que podemos fazer? Eu quero ganhar isso. — Ela disse, procurando por alguma ideia que pudesse ajudá-la a ganhar a disputa.
— Eu posso ajudar. Creio que tenho uma ideia. — Assim que a tropa chegou em sua base, o plano foi repassado para as outras soldadas, que começaram a fazer os preparos finais. Acabado isto, somente restava aguardar a sirene que iria iniciar o treinamento.
Quatro horas e cinquenta e nove minutos. Todos já estavam armados e apostos
— Vocês entenderam seus papéis na estratégia, certo? — Vivian perguntou para o resto do esquadrão.
— Afirmativo. — Todas responderam ao mesmo tempo. Poucos segundos depois, tocou a sirene. A maga de fogo disparou a correr.
— Boa sorte para vocês! Vamo nessa! — Ao dizer isso, sua aura mágica foi liberada, e ela deu um grande salto em direção aos céus. Depois de atingir uma altura segura, seus pés e suas costas liberaram uma poderosa chama como se fosse uma espécie de jato, acelerando-a para frente em alta velocidade.
Durante o vôo, ela pode ver a silhueta do que ela acreditou ser seu amigo indo em alta velocidade em direção ao objetivo. A garota acelerou, tentando não ficar tanto para trás.
— Droga. Não vai adiantar. Vou descer para a floresta! — Vivian falou, percebendo que não conseguiria alcançá-lo. Para conservar suas energias, ela aterrissou na copa das árvores e seguiu saltando de galho em galho o mais rápido possível, até que as plantas altas ficaram mais esparsas.
Ela havia chegado ao gramado onde estava o artefato, uma maleta em cima de uma mesa bem no centro da mata. A menina percebeu outras presenças de magia poderosas, o que a fez parar a corrida e escalar até o topo de uma alta árvore ao lado da planície para confirmar suas suspeitas de quem poderia ser.
— Imaginei. As outras duas chegaram junto com a gente. — A comandante pensou, ao ver a confirmação de sua hipótese. Uma plataforma móvel feita de rochas abriu caminho através da floresta em alta velocidade, indo em direção ao artefato. Em cima dela, estavam Gabrielle e Ana. O quarteto de prodígios tinha sido o primeiro a chegar no centro do campo de treinamento, e o resto dos outros times estava se aproximando rapidamente.
— Agora a coisa vai ficar tensa.