— Oh, Scheiße! — O alemão natural de Klaus escapou de seus lábios ao ver o perigo em sua frente. A maga criminosa estava carregando a estátua com suas energias, e ele sabia muito bem o que isso significava.
— Invocação! Atirem! — Ele deu a ordem as suas subordinadas, que dispararam seus fuzis junto com ele. Cada uma das balas acertou seu alvo, mas não houve um único sinal de dano por parte da sinistra mulher, a não ser por alguns pequenos sangramentos. Era Magia de Reforço Físico, o bastante somente para evitar danos fatais por armas de fogo.
Logo que os cartuchos ficaram vazios, todos que estavam no lugar puderam sentir uma gigantesca massa de energia demoníaca surgindo da imagem de pedra que começava a mudar sua cor de branco para marrom, enquanto era coberta por uma aura mágica púrpura.
— Meninas, para trás!! — Sem nem ao menos terminar a frase, o subtenente soltou seu rifle e estendeu seus braços. Sua aura emergiu violentamente de seu corpo e se condensou nas palmas de suas mãos, onde estava se formando um selo de magia.
Seguindo a instrução, duas soldadas se afastaram. Logo que deram o primeiro passo para trás, elas viram seu comandante lançar o que pareceu um torpedo de energia mágica contra a inimiga, antes de cobrirem seus olhos para se proteger de um clarão cegante. Uma fortíssima explosão chacoalhou o subsolo, fazendo várias das estalactites caírem por toda caverna. A nuvem de poeira resultante encobriu a visão dos exorcistas.
— Que merda foi essa!? — Ana perguntou, chocada com o ataque que havia acabado de presenciar.
— Manipulação de Temperatura. Magia de Nível 1. Calor o suficiente para ionizar gás atmosférico e causar uma explosão térmica. — Uma das formas de classificar o nível de dificuldade das magias era a divisão dos vários tipos mágicos em três níveis. O Nível 3 era o mais básico, com as magias elementais de Fogo, Água, Terra e Ar. O Nível 2 vinha logo em depois, composto de aplicações mais complexas como Eletricidade, Selos de Magia e Gelo. O Nível 1 era reservado aos magos mais dedicados e habilidosos, que são capazes de alterar as próprias leis da natureza com a magia.
E a jovem estava ciente do que aquilo significava. Era o testamento do verdadeiro poder de Klaus Schneider, que chegou a um nível de habilidade com magia que normalmente levaria décadas de aprendizado e treinamento com somente vinte e quatro anos de idade.
— Você só pode tá de brincadeira… — O subtenente disse, e num instante toda a admiração que as membras de seu esquadrão sentiram por ele sumiram de uma só vez. Mesmo com todo aquele poder de fogo, a magia demoníaca não havia diminuído nem um pouco.
Foi então que a névoa de detritos foi achatada por um rugido ensurdecedor. Com as vistas desimpedidas, era possível observar a aberração recém-despertada arrancando suas peludas pernas do chão. Toda a superfície do ser estava viva. Sua pele marrom, pelo e chifres negros eram o sinal que a invocação havia sido completa. E o pior de tudo, era a insana quantidade de magia que possuía, o suficiente para dar calafrios nos exorcistas novatos.
— Espera!! Eu te revivi!! Lorde Bohamor, Eu te revivi!! — A alquimista que havia invocado a criatura infernal gritava em desespero. Ela havia sido agarrada pela mão de seu lorde, que não demonstrava ter muita consideração pela vida da "serva". Na verdade, para ele, a pequena humana era só mais um prato de comida a ser devorada por sua boca, que começava a se abrir e mostrar fileiras de enormes dentes.
— Não… não!! Socorro!! — Tudo que ela pode fazer foi gritar o mais alto que pode antes da mandíbula do monstro se fechar como uma guilhotina, esmagando seu crânio. E ele triturou o resto do corpo entre seus dentes de maneira brutal. Era pior que uma fera selvagem.
— Saiam daqui agora!! — Klaus gritou para as duas garotas, aterrorizadas atrás dele. A infortuna morte que haviam acabado de testemunhar lhes causou um efeito psicológico terrível, ao ponto que suas pernas estavam travadas.
— Andem logo!! — A segunda tentativa de dar a ordem funcionou, e elas finalmente foram capazes de sair do transe, mas não antes do demônio de seis metros de altura notar na presença dos magos. Assim que engoliu sua refeição, ele arrancou em direção aos seus caçadores.
Sua enorme velocidade surpreendeu os três, e antes que pudessem reagir, eles já estavam no alcance de seus braços desproporcionalmente grandes. O monstro tentou um golpe, balançando de forma desengonçada o membro esquerdo.
Os exorcistas foram capazes de pular no último instante para desviar. Ana e Klaus pegaram impulso nas paredes da caverna para mudar a direção do salto, mas Gabrielle saltou na direção errada, o que a fez ficar tempo demais no ar. Era uma abertura que o demônio não deixou passar.
Novamente demonstrando muita agilidade, o infernal balançou seu braço livre contra a garota, que foi atingida em cheio por quase uma tonelada de músculos se movendo a centenas de quilômetros por hora.
— Gabrielle!! — Ana esbravejou ao ver o corpo da amiga ser atirado contra o teto da caverna, atravessando várias das estalactites restantes até cair próximo do lugar onde a estátua estava anteriormente.
— Desgraçado!! — A menina estava prestes a deixar sua raiva tomar o controle, mas seu superior a segurou pelo braço e a puxou para o túnel que os levava para superfície.
— Vamos sair daqui agora! Ela tá viva ainda, você vaza daqui e eu distraio esse demônio! É uma ordem! — O subtenente bradou. A maga de terra pensou em protestar, mas viu que seria em vão. Por sorte, seus sentimentos não subiram a sua cabeça.
— Sim senhor! — Ana disse, e então correu para a saída, deixando o homem sozinho com a fera.
— Quem diria que esses pilantras estavam escondendo uma coisa dessas aqui. Um demônio classe S. — O soldado pensou, já dando para seu oponente a terceira classificação mais alta de periculosidade dos seres infernais. Sua magia se concentrou em seus pés, formando dois jatos de fogo que o fez decolar.
O monstro estava procurando pela pessoa que havia acabado de derrubar, mais um prato no cardápio. Ao invés disso, ele recebeu uma bola de fogo explosiva bem na nuca. O impacto o fez cambalear, até que ele se recompôs e virou-se para quem o havia atingido.
— Ei, asqueroso! Venha aqui!! — A abriu sua enorme boca, soltando mais um rugido antes de ceder à provocação. O demônio deu um enorme salto, em direção ao mago voador, que desviou com facilidade da investida. O pulo foi alto o bastante para que o monstro atingisse em cheio o teto da caverna, ficando presa no buraco que abriu com sua cabeça.
Era a oportunidade de ouro. Klaus concentrou seus poderes no punho direito, tomou distância, e acelerou contra o inimigo, quebrando a barreira do som quase que instantaneamente. Seu grito de fúria precedeu o impacto de seu soco contra a criatura. A explosão causada pelo calor e pela força do golpe foi ainda mais forte que a do ataque anterior, o bastante para arrebentar um buraco gigante para a superfície, por onde a besta voou pelos ares.
Os escombros do que havia sobrado do lugar caíam ao redor do corpo da exorcista fora de combate. Sangue escorria de sua testa e se espalhava pelo chão. Várias de suas costelas estavam rachadas ou quebradas, além de uma fratura exposta no braço, sinal da tentativa desesperada de bloquear a investida recebida. Mas nada disso estava sendo processado por seu cérebro desligado.
— Essa escuridão… isso é… morte? — A consciência de Gabrielle pairava no meio do nada. Pelo menos a princípio. Depois que sua mente começou a se estabilizar, ela pode sentir seu corpo tomando forma, assim como o ambiente ao seu redor.
Num piscar de olhos, tudo mudou. Agora era como se ela estivesse de volta em seus piores pesadelos. O céu estava preenchido com uma tonalidade única de escarlate, e o chão era um oceano de infinitos corpos cobertos de sangue. Vários destes não se assemelhavam com o de humanos. Eram de seres desconhecidos. Mas havia algo em comum entre eles. Era como se suas cabeças estivessem todas viradas para Gabrielle, e eles lentamente se moviam em sua direção, ao passo de uma lesma.
Por algum motivo, a garota não sentiu medo. Somente um estranho peso em seu coração. Um remorso misterioso.
— Morte… ? — Ela repetiu a palavra que apareceu de novo em sua mente, sem saber o por que. Os cadáveres começaram a agarrar seus pés, e ela começou a afundar no mar de corpos putrefatos. A jovem não resistiu. Era como se houvesse algo a arrastando para baixo. Antes que afogasse completamente, ela lançou um último olhar para o céu, enquanto o buraco por onde ela havia passado se fechava.
— Tem que ser… agora? — Ela disse, quando se passou em um de seus pensamentos desconexos que talvez aquilo fosse ela própria se aproximando da morte. Foi então que no fundo de sua consciência, ela encontrou a vontade de resistir. Mas era somente o bastante para que ela estendesse seu braço para cima antes de tudo se tornar escuridão.
Por alguns instantes, ela resignou.
Até que algo segurou sua mão. De repente, algo estava a puxando do fundo do poço. Uma luz surgiu acima de sua cabeça, e se tornava cada vez mais forte à medida que subia. Finalmente ela emergiu das sombras, sendo lançada no ar, rodopiando até cair de pé em um chão sólido. Sua consciência e sua mente estavam de volta ao normal.
— O que!? O que aconteceu!? — A primeira vista, aquele terrível e sanguinário ambiente no qual ela estava antes havia desaparecido. Tudo havia se tornado um espaço em branco. Mas não estava vazio.
Gabrielle podia sentir uma presença em suas costas. Ela se virou, e observou uma silhueta humana coberta de luz. A adolescente pode percebeu vários sentimentos a inundando. Principalmente nostalgia.
Ela caminhou em direção a claridade, até que pode ver alguns detalhes na pessoa. Era sem dúvidas uma mulher. Tinha longos cabelos e era alta. Nunca havia visto tal pessoa, mas ainda sim, era alguém familiar. As sensações se tornaram mais fortes, ao ponto que lágrimas começaram a rolar por seu rosto. A vontade de ver a face da mulher em sua frente era irresistível.
Quando Gabrielle chegou a um passo de distância, a moça tocou o ombro dela com sua mão luminescente. A garota nunca se sentiu tão confortada, mas ainda não estava satisfeita. Queria ver aquele rosto, saber quem exatamente era a pessoa. Tudo que ela pode descobrir, era o sorriso dela, que muito se assemelhava ao seu. Os lábios da misteriosa adulta se moveram, e pronunciaram algo numa linguagem estranha, com a voz baixa, quase inaudível.
A luz ficou mais forte. Antes que a menina pudesse falar algo, toda sua visão foi ocupada por um véu branco.
Seus olhos se abriram novamente, de volta no mundo real, no meio de entulhos e rochas quebradas. Um crânio humano estava perante seus olhos, bem ao seu lado, e foi a primeira coisa com a qual deparou depois de recobrar a consciência.
Era um dos poucos restos mortais que havia sobrado de uma criança,impiedosamente sacrificada para reviver um monstro. Ao pensar na mulher que apareceu no seu sonho, Gabrielle se lembrou da promessa que havia feito ao irmão da menina que deveria resgatar na missão que estava fazendo.
Com certeza, ela não estava mais neste mundo. Tudo o que havia restado eram seus ossos. Como ela iria explicar aquilo para sua família?
— Seus malditos…como ousam…? — Ela disse em voz baixa, cheia de ira. Sua magia medicinal c começava a agir, parando sangramentos e curando feridas numa velocidade que nunca havia conseguido antes. Seus poderes estavam aumentando rápido, ultrapassando os seus limites normais e atingindo um novo patamar.
— Eu vou destruir vocês!