O exercício militar dos futuros exorcistas estava ocorrendo a todo vapor. Era a oportunidade de ouro para que cada aluno demonstrasse suas verdadeiras habilidades e chamasse a atenção de seus educadores. Porém, estes não eram os únicos que os observavam atentamente.
A dois quilômetros de distância do centro de treinamento prático, estavam dois indivíduos no topo de um platô. Jovens que pareciam ter por volta de vinte anos de idade, uma mulher e um homem, com uniformes negros. Não eram vestimentas de soldados comuns.
— Essa geração vai ser daquelas. O que você acha, Klaus? Pode sentir os estudantes do seu mestre? — Ela perguntou ao seu colega que estava sentado na beira do penhasco, ao passo que ajeitava a franja de seus longos cabelos ruivos que tampava sua visão.
— Dá sim, Janne. É como o Merlin disse. Mas vamos ver se eles são bons o bastante para o trampo. — Ele respondeu, enquanto observava atentamente o local do conflito. Mesmo daquela distância, ele podia sentir a intensidade da disputa somente de olhar para o campo de batalha.
Nele, os quatro prodígios digladiavam ferozmente por uma maleta que estava nas mãos de Ismael, o qual tentava voar de volta para o ponto de partida de sua equipe, mas foi inesperadamente parado por Vivian, que conseguiu agarrá-lo pelas botas ao mesmo tempo em que ela própria voava em alta velocidade.
— Não vai fugir!! — Poderosas chamas saíram dos pés da garota como um motor a jato, empurrando-os em direção ao chão, onde espreitavam Gabrielle e Ana, que já faziam mira com suas armas, prontas para atirar no momento oportuno.
O garoto tentou reagir, usando sua própria magia de ar para se impulsionar para cima, mas a força com a qual estava sendo puxado era grande demais. Vendo isto, ele rapidamente pegou seu fuzil e disparou em modo automático contra Vivian a queima roupa.
Foi um esforço inútil, pois sua aura ardente queimava quaisquer projéteis que tentavam a acertar. Caso tentasse se aproximar da maga de fogo, ele iria se expor ao perigo de ter seu colete pego pelas luvas de Vivian, tirando-o de combate, mas se deixasse que fosse levado até o chão, suas outras duas rivais iriam tornar sua situação ainda mais difícil. Foi então que ele tomou a drástica decisão de atirar a maleta que guardava o artefato em direção a floresta.
As garotas imediatamente mudaram seu foco para o objeto que estava no ar. A competidora que estava segurando seu pé o soltou e arrancou até a maleta, aliviando-o da pressão.
— Ana, me joga!! — Gabrielle deu o comando a companheira, que usou sua magia para levantar a terra que estava nos seus pés de sua parceira como um poderoso pistão, atirando a maga até os céus em altíssima velocidade, o suficiente para ultrapassar Vivian em questão de segundos.
Ainda em voo, ela condensou a umidade do ar ao redor de seu braço, cobrindo-o completamente com água antes de o estender em direção a maleta, projetando um longo chicote líquido que a agarrou pela alça como se fosse um membro gigante.
Antes que ela pudesse sequer puxá-la, uma enorme lâmina de fogo se chocou contra o braço de água, o evaporando quase instantaneamente e criando uma pequena cortina de vapor que obstruiu a visão de ambas as garotas. Poucos segundos depois, a fumaça dispersou, permitindo-as que vissem seu objetivo caindo entre as árvores.
Gabrielle começou a perder altitude, até que caiu na copa de uma das altas plantas. Vivian tomou distância e voou para outro local para permanecer segura. Logo que pode aterrissar em um tronco, ela observou seus arredores, focando seus sentidos mágicos.
— Que tanto de gente! Os outros times estão por todo lado! — Ela pensou ao perceber as várias presenças que estavam por toda área. A jovem se escondeu na folhagem da árvore em que estava, e assim que o fez, ela pode escutar vários sons de batalha vindos de onde a mala havia caído. A luta havia começado.
Sua respiração pesada, suor e o cansaço do combate inicial ficaram mais evidentes à medida que sua adrenalina diminuiu. Por isso, ela decidiu suprimir sua aura para reduzir sua presença, e começou a saltar de galho em galho para se aproximar do objetivo, ao mesmo tempo em que ela poderia recuperar o fôlego.
Enquanto ainda se deslocava, uma salva de tiros vindos do chão a pegou de surpresa. Graças a sua agilidade, Vivian foi capaz de mudar de direção rapidamente e se esconder por trás de um tronco.
— Merda! Passou perto. Resolveram aparecer justo quando minha aura estava suprimida e inativei minhas defesas. — A menina de cabelos anelados pensou, após empunhar seu fuzil, que até então estava nas suas costas. Se aproveitando da escuridão, ela ativou sua visão de calor e tentou espiar pelo canto da árvore onde estava.
Dois inimigos foram avistados, e eram exatamente os que haviam tentado alvejá-la. Por mais que houvessem perdido-a de vista, sabiam a direção na qual ela estava. A maga de fogo não podia simplesmente dar as caras e se expor ao fogo inimigo. Para distrair os oponentes, ela lançou uma bola de fogo no ar como distração no mesmo instante que surgiu do outro lado do tronco, disparando contra eles.
O plano funcionou bem, com um deles sendo abatido quase imediatamente enquanto o outro foi forçado a buscar cobertura por trás de uma grande pedra. Depois do breve tiroteio, Vivian continuou seu caminho sem ser atacada novamente.
Após pouco mais de um minuto se deslocando, ela chegou até o local onde os combates aconteciam com intensidade. Pelo menos cinco equipes estavam trocando tiros umas com as outras de diversas posições diferentes entre o campo aberto e a floresta. Ana estava entre um destes grupos, e seu time estava com a maleta. Foi necessário que ela erguesse um muro a partir do solo com sua magia de terra para que sua unidade não fosse aniquilada pelos hostis que a cercaram.
Vendo que estava segura, Vivian tentou entrar em contato com Elena via rádio para saber a situação do resto de suas colegas.
— Delta 0-2, na escuta? — Depois de alguns segundos de espera, veio a resposta.
— Na escuta. Que que pega? — A resposta calma aliviou a comandante, que temia que seu esquadrão tivesse tido alguma baixa.
— Me dá o relatório de situação. — Ela solicitou da subordinada.
— Estamos bem. Tivemos contato com alguns inimigos mas nada que não demos conta. O plano até agora segue normal. — Era o que a menina precisava ouvir. Justo na hora em que esta mensagem chegou aos seus ouvidos, o time de Ana conseguiu furar o bloqueio e começou a correr pela floresta, contornando a relvado, enquanto seus adversários a perseguiam.
— Beleza. Vou ter que sair. Boa sorte! — A maga de fogo encerrou as comunicações e começou a correr pelo gramado, tomando vantagem do fato que seus rivais estavam focados em perseguir outro grupo de sua concorrente. Quando achou a posição ideal para aguardar a passagem de sua amiga que estava carregando o artefato, ela se deitou abaixo da grama e esperou, com seus poderes suprimidos ao máximo.
A maga da terra mal sabia o que lhe aguardava, estando completamente focada em escapar do local e fugir para seu ponto de partida. Ela mal percebeu que estava na mira de sua colega, que a espreitava.
No instante que a janela da oportunidade se abriu, Vivian liberou grande parte de sua magia. A energia foi imediatamente sentida por todos nas redondezas, que se viraram em direção a origem dela. A garota de cabelos anelados concentrou todo poder em seu reforço físico e arrancou a toda velocidade em direção a Ana.
— É agora ou nunca! — Ela pensou, enquanto o mundo ao seu redor ficava cada vez mais lento. Sua mente acelerou para acompanhar a velocidade de sua corrida, que era o bastante para fazer um carro de corrida comer poeira.
Logo que ela atingiu a marca dos cinquenta metros de distância do objetivo, a menina pulou, se projetando quase que como uma bala em direção ao alvo. Sua amiga não pode reagir a tempo. Em um instante, Vivian estava diante dela. Depois disto, ela desapareceu de seu campo de visão, e tudo que ela pode sentir foi a pressão da palma de sua mão em seu corpo.O sinal sonoro foi emitido da vestimenta protetora.
Graças a seus sentidos acelerados, a corredora foi capaz de tocar no colete sem estapear a competidora para longe. Foi um sucesso completo.
Ao escutar o som, Ana soltou a maleta. Antes que ela pudesse sequer tocar o chão, Vivian girou seu corpo ainda no ar para amortecer o impacto contra uma árvore que estava em seu caminho com suas pernas, e usou o impulso restante para saltar novamente em direção ao artefato, pegando-o em queda livre. O impulso final a jogou de volta para o gramado, e assim que ela aterrissou, continuou a correr.
— Caraca... caraca, eu consegui! Peguei a Ana! — Ela disse, enquanto deixava os esquadrões que a perseguiram para trás. A medida que conseguia se afastar, ela reduziu a intensidade de sua aura para preservar suas energias.
— Merda. Acho que metade da minha reserva de energia mágica já se foi. Isso tá sendo bem trabalhoso. — Ela comentou para si mesma, notando o cansaço cada vez mais intenso. Infelizmente ela não teria tempo para descansar, pois seus pés de repente afundaram em um lamaçal oculto no mato, impedindo-a de continuar a correr.
Não existia tal tipo de terreno antes no local, o que deixou a garota atolada confusa. Não demorou muito para que ela percebesse que havia caído numa armadilha.
— Gabi!! — Ao escutar o nome que foi dito, a maga de fogo sentiu o perigo. Seus pés lançaram uma torrente de chamas, solidificando a lama com o calor. Em seguida, tentou pular para escapar, porém uma torrente de água surgiu do pântano recém formado, envolvendo Vivian como se fosse uma corda, fazendo-a cair no chão.
A amiga de cabelos castanhos da maga, apareceu de seu esconderijo na grama alta, com seus braços envoltos pelo líquido que estava manipulando. A jovem que estava presa, sentiu seus movimentos cada vez mais apertados, até que ela simplesmente não conseguia mais se mover.
— Droga... ela decidiu usar isso justo agora! — Ela pensou, ao ver as cordas de água em volta de seu corpo enrijecer e esbranquiçar.
A maga de água havia se transformado em uma maga de gelo.