Uma multidão de adolescentes estava fazendo fila ao lado do portão de uma escola, aguardando ansiosamente por sua abertura. Às oito da manhã,o som do movimento de metal quebrou o silêncio do ambiente, chamando a atenção dos que ali estavam.
— Bom dia a todos. Sejam bem-vindos. Vamos iniciar agora as Provas Físicas e Provas Mágicas de admissão para o 4° Colégio Militar da Academia Celestial dos Magos. — Uma mulher de estatura mediana vestida com um uniforme de soldado, saiu de dentro do estabelecimento junto com vários assistentes, que passaram suas instruções para os concorrentes enfileirados antes que estes entrassem.
— Até agora tudo bem. Acho que vai ser um ano como os outros. — Leonor Marques , umas funcionárias da do setor administrativo escola, comentou para si mesma enquanto melancolicamente vasculhava uma pilha de documentos em sua mesa.
— Hmm, está entediada? — A voz assustou a gestora, que ao virar o rosto deu de cara com sua companheira de trabalho, uma alta mulher de pele escura. Leonor soltou um suspiro com a atitude da colega, que adorava pregar peças e fazer brincadeiras, o que contrastava com sua a própria personalidade séria e profissional.
— O que foi Luena? Veio só me dar um susto? — Ela respondeu, com um tom levemente irritado. A trabalhadora bem humorada riu, e deu uma volta em sua mesa.
— Também. Mas o motivo principal para eu ter vindo aqui era para perguntar se você não viu algo diferente do comum neste processo seletivo. Nada até agora? — Leonor balançou a cabeça, sinalizando um não.
— Hmm, entendo. Você não tá sabendo ainda. Isso vai ser divertido. — A fala de Luena imediatamente despertou grande curiosidade na mulher que até aquele momento estava aborrecida com suas tarefas rotineiras..
— O que quer dizer com isso? — Ela perguntou para a amiga, que já estava se retirando do lugar, carregando alguns documentos que precisava para fazer sua parte do trabalho.
— Ah, nada. Você vai descobrir. — Luena continuou a fazer mistério, o que fez a administradora ficar mais atenta pelo resto de seu expediente. Como sabia que sua companheira não iria ceder o segredo tão facilmente, ela decidiu entrar no jogo e observar atentamente qualquer coisa que fosse fora do comum, porém não viu nada assim, pelo menos durante as provas físicas.
Depois do intervalo após a primeira etapa, começaram os testes de magia. Leonor decidiu assistir a prova de magia de fogo. O primeiro exercício era aquecer uma haste metálica até pelo menos quinhentos graus celsius, e o segundo era um tiro ao alvo à vinte metros com bolas de fogo, com o máximo de três tentativas.
— Por mais que a Luena diga, não me parece que tem algo fora do normal acontecendo. — A funcionária pensou, enquanto estava se sentando numa mesa abaixo de uma tenda, assistindo à distância o evento.
Por um instante, ela chegou a ficar sonolenta com o tédio, e inclinou sua cabeça para baixo, tentando continuar a leitura dos documentos, até que um alto som a fez quase saltar da cadeira. Leonor procurou pela origem do barulho, e reparou em uma garota de cabelos castanhos ondulados que fazia o teste de fogo.
Suas chamas eram incrivelmente poderosas, ao ponto de que a haste de tungstênio ficou branca com a temperatura em pouquíssimos segundos.
— Chega, já tá bom! Chegou a quase 3000 graus, você passou. Agora vamos para o próximo teste — Ao escutar este número, a mulher ficou boquiaberta. Era um novo recorde. A garota também destruiu o teste seguinte, acertando o alvo em cheio com uma bola de fogo assim que recebeu o sinal do instrutor.
Pasma com o que havia visto, Leonor saiu de seu assento e foi até onde ocorreria a terceira e mais importante etapa da prova de magia. Era a hora da corrida de obstáculos naturais, de longe, a etapa mais antecipada e difícil de todo processo seletivo do colégio.
O trajeto passava por terrenos inclinados, uma floresta e um pântano, e para tornar ainda mais difícil, alguns professores ficavam escondidos para pegar os alunos e os atrapalhar. Além disso, era um percurso de dois quilômetros e o tempo para completá-lo era de no máximo meia hora.
Depois que todos os que haviam passado na etapa anterior completaram suas provas, era chegada a hora da largada. Neste momento, Leonor encontrou sua amiga, que estava no prédio ao lado vendo tudo que acontecia.
— Eu vi que parece que tem uma concurseira que parece ser muito boa. Era essa a surpresa que você queria me mostrar? — Luana riu e apoiou seus braços na sacada.
— Bem, era isso sim. Só que ela não é a única. Ela é parte de um grupo de quatro alunos que chegaram recentemente na Academia. — Até esta fala, ela não sabia ao certo o que de especial havia nos novatos.
— E? Isso quer dizer alguma coisa? — Leonor questionou.
— Você vai ver. — Depois dessas palavras, somente restava aguardar. Os participantes da corrida alinharam-se em suas marcas. A tensão dos oitenta alunos que estavam lado a lado era elevadíssima. Muitos se alongavam e tentavam se preparar mentalmente para o que viria.
Um dos instrutores caminhou até o lado da linha demarcada, com uma pistola de partida em sua mão. Após passar as instruções finais, era a hora.
— Atenção ao som do disparo! Em suas marcas! Preparar...! — O tiro foi dado. A correria começou de uma só vez, e logo que deram seus primeiros passos para frente, os estudantes usaram diversos tipos de magia para acelerar. Usaram o ar e o fogo como propulsão, a água das plantas e do solo para deslizar pelo chão, plataformas feitas do solo abaixo movidas pela magia de terra.
Entretanto, nem todos os alunos fizeram aquilo. Quatro dos competidores permaneceram parados em suas posições de largada nos momentos iniciais da corrida. Leonor pode reconhecer a garota que havia lhe chamado a atenção anteriormente, e notou também em outros três participantes que estavam parados, um jovem e outras duas meninas.
Eram Ana, Gabrielle, Ismael e Vivian.
— São eles! — Ao mesmo tempo pensou aquilo, a maga de fogo recém-chegada bradou:
— Vamo nessa!! — A arrancada inicial do grupo foi algo que Leonor e Luana nunca haviam visto. Suas auras de magia se tornaram visíveis, e no instante seguinte, eles já estavam correndo como se fossem carros em alta velocidade.
A distância entre eles e os outros estudantes sumiu num piscar de olhos, e em poucos segundos eles já estavam passando entre a maioria deles sem nenhum problema. Logo, o gramado do início do percurso deu lugar a uma colina.
Ao contrário de alguns concorrentes que encontraram problemas para subir o morro a pé,os quatro contornaram o obstáculo saltando incrivelmente alto. Quando começaram a perder altitude, Ismael controlou o ar ao seu redor, se jogando em direção às árvores, Vivian fez um jato flamejante em suas costas na mesma direção. Gabrielle condensou o vapor de água no ar, criando um verdadeiro tobogã aéreo que guiou seu caminhou até a floresta e Ana se atirou para os céus junto com uma plataforma feita de um rochedo, que ela usou para se impulsionar de volta para terra firme.
A corrida continuou entre as árvores, com o grupo de amigos disputando um contra o outro enquanto saltavam de galho em galho, tronco em tronco. Foi então que notaram que algumas árvores vários metros a frente estavam se movendo e tomando o formato de um paredão. A presença deles tinha sido percebida por um dos professores que tinha o dever de pará-los, e ele estava desesperadamente tentando fabricar alguma barreira.
Ele não foi rápido o bastante. Quando imaginou que iria terminar de criar o muro de madeira a tempo, os quatro passaram através de buracos na estrutura que ainda estavam sendo fechados, e prosseguiram a toda velocidade, deixando o professor, que assistiu toda a cena do chão, comendo poeira. Sua reação foi de tentar persegui-los, mas ele não pode ganhar velocidade suficiente para encurtar a distância. Eventualmente, o educador desistiu e retornou para seu posto.
Algum tempo depois, a trupe chegou nos pântanos. Evitando ao máximo perder a velocidade, eles tentaram saltar por cima do solo mais difícil, com cada um usando sua magia de maneira criativa quando necessário.
Na reta final, Ana e Gabrielle saíram na frente, com Ismael e Vivian logo atrás.Os que estavam atrasados fizeram um esforço a mais para tentar alcançar as duas em sua frente. Poucos momentos depois que a linha de chegada se tornou visível, todos afundaram seus pés no chão para frear, levantando uma nuvem de poeira no fim do percurso.
Depois que a cortina de fumaça assentou, os adolescentes notaram nos traços que haviam deixado no chão, que mais pareciam como se uma espécie de máquina agrícola houvesse revirado o solo. Eles haviam cruzado a linha ao mesmo tempo.
Mesmo cansados e ofegantes, os amigos não puderam conter a alegria de terem feito aquilo.
— É isso aí!! — O grito foi seguido de um "toca aqui" entre os membros do grupo.
Já de tarde, os quatro saíram do colégio, confiantes que seriam admitidos como novos estudantes do segundo ano do ensino médio. Após entrarem na estação de monotrilho, eles começaram a recapitular os acontecimentos dos últimos tempos.
— Caramba, e de pensar que ficamos seis meses treinando no Santuário. Foi um verdadeiro inferno, mas conseguimos sobreviver. Eu mal podia imaginar que chegaríamos tão longe. — Ismael comentou, ao passo em que entrava no trem que havia acabado de chegar junto com suas amigas.
— Eu penso o mesmo. Estou começando a sentir que de talvez passar por aquele aperto valeu a pena. Eu não estou acreditando ainda que fizemos aquele percurso em cinco minutos e quebramos todos os recordes da Prova de Habilidade Mágica. — Gabrielle disse, enquanto olhava uma cicatriz na sua mão esquerda, que ganhou depois de ter cortado sua mão durante seu treinamento.
— Já sei, vamos comemorar! Por que não vamos para o mirante nos muros da Academia? Ouvi falar que lá tem uma vista incrível. — A sugestão de Vivian foi aceita pelos demais.
O trem urbano partiu, e com alguns minutos de breve viagem, eles desembarcaram numa parada no extremo sul da Academia. A primeira vista que tiveram ao sair dela foi de vários condomínios com residências de alta tecnologia. As ruas eram quase sempre estreitas, e as calçadas eram mais largas. Menos pessoas usavam carro por conta da qualidade do sistema de transporte público, mas em contrapartida, mais delas ficavam nas ruas.
A maioria das construções eram feitas com uma espécie de concreto branco, e os estabelecimentos eram bem projetados. O padrão de vida do lugar era incrível, ainda mais para alunos vindos de classes menos abastadas de um país em desenvolvimento. Mais impressionante ainda, era a colossal muralha com mais de cento e vinte metros de altura por trás dos edifícios, que separava a Academia do mundo de fora.
Depois de algum tempo de caminhada e de uma viagem de elevador, os jovens viram a luz do sol iluminando o final do corredor, onde estava o mirante. A princípio, eles se dirigiram até a beirada externa para ver o que estava além dos domínios da Academia. Tudo que podiam enxergar eram infindáveis nuvens que iam até o horizonte e além.
Então deram meia volta, e foram até a beirada interna, desta vez para ver sua nova casa.
— Nossa... — Foi o que Vivian pode dizer perante o panorama, que era de uma beleza inigualável. Onde quer que olhassem, podiam ver a muralha indo para além do campo de visão, envolvendo um mar de construções,de casas comuns até arranha céus com os mais diversos tipos de arquitetura, do clássico até o futurista. Era como se fosse uma cidade cosmopolita sem fim.
— Não sei dizer o que é mais bonito, a vista dos penhascos do Santuário ou aqui. — Ismael fez seu comentário, ainda apreciando a visão em sua frente. Após um momento de silêncio, Vivian disse:
— Também não sei dizer. O que eu posso falar é que daqui pra frente, as coisas vão ficar interessantes.