Arwen atravessou os corredores do Conselho com passos firmes, mas controlados. A tensão no ar era quase palpável, um peso invisível que parecia sufocar até mesmo a luz das lamparinas encantadas. A mensagem dos metamorfos tinha sido recebida por todos, desenhando sinais incandescentes no céu antes de desaparecer como fumaça ao vento. Os feiticeiros pararam para observar, alguns fascinados, outros alarmados. O corvo negro que cruzou os ares e pousou silenciosamente no pátio do Conselho selou a urgência do momento. Agora, a reação do Conselho era crucial.
Quando entrou na sala principal, o burburinho cessou por um breve instante, antes de explodir em novas discussões acaloradas. Os membros do Conselho estavam divididos. Alguns, alarmados, viam aquilo como um desafio aberto; outros, mais calculistas, ponderavam as possibilidades por trás da comunicação inesperada.
— Isto é uma afronta! — bradou Anzareth, um dos anciãos mais velhos, batendo a mão sobre a mesa. — Os metamorfos ousam marcar os nossos céus e enviar um corvo para dentro da nossa cidade! Isto é um aviso de guerra!
— Ou um convite. — rebateu Arwen, cruzando os braços. Os olhares viraram-se para ela, alguns cautelosos, outros abertamente hostis.
— Explica-te. — exigiu Edrian, um conselheiro de túnica azul escura, os olhos semicerrados em suspeita.
— Se quisessem apenas provocar-nos, teriam atacado. Mas escolheram comunicar. E fizeram-no de uma forma que todos os feiticeiros pudessem ver. Não é um movimento de guerra, é um gesto de intenção. — Arwen manteve a voz controlada, apesar de sentir a pressão do momento.
— E que intenção seria essa? Pedirem-nos para nos ajoelharmos? — ironizou Vareth, um feiticeiro de cabelos grisalhos, de braços cruzados.
— Talvez queiramos ouvir antes de decidir. — interveio Selian, um membro mais jovem, olhando ao redor. — Sabemos que há forças dentro deste Conselho que preferem que a guerra nunca termine. Não podemos ignorar isso.
Arwen não precisou olhar para saber que algumas figuras na sala se enrijeceram com aquelas palavras. Havia interesses poderosos envolvidos na manutenção do conflito. E essa era uma batalha que ela teria de travar com cuidado.
Antes que alguém pudesse responder, as portas da sala abriram-se com um ruído pesado, como se o próprio ar carregasse a gravidade do momento. A madeira antiga rangeu sob a força do movimento, e uma corrente de energia arcana varreu o ambiente por um breve instante, silenciando todas as vozes. Os olhares voltaram-se imediatamente para a entrada, onde uma figura imponente surgiu, trazendo consigo uma presença que não podia ser ignorada. O silêncio instalou-se quando uma figura imponente entrou: o Grão-Feiticeiro Alderius, vestindo uma túnica ricamente bordada com símbolos arcanos. Em suas mãos, segurava um pergaminho lacrado com o selo dos metamorfos.
— Chegou uma resposta. — anunciou, erguendo o pergaminho para que todos vissem. — Talvez, antes de debatermos suposições, devamos ler o que eles têm a dizer.
Malrik, o líder do Conselho, inclinou-se para a frente, os olhos afiados como lâminas. — Então, que seja lida diante de todos. Vamos descobrir se essa mensagem nos traz diplomacia ou um prenúncio de destruição.
O peso do momento pairava sobre a sala, enquanto Alderius rompia o lacre do pergaminho. O som do selo quebrando soou como um eco na sala, causando uma quietude ainda mais profunda. Ele desenrolou o pergaminho com cuidado, e todos os olhos se fixaram nele, como se a simples leitura das palavras pudesse determinar o rumo da guerra que se avizinhava.
A primeira frase caiu no ar como um peso, reverberando em cada coração presente.
— "A Deusa escolheu os noivos, e o destino voltou a ser selado."
O som daquelas palavras fez os conselheiros se entreolharem, muitos sem saber o que significavam. A atmosfera ficou ainda mais carregada.
— "Ignorar o que foi marcado nas estrelas não mudará o curso dos acontecimentos."
Alguns feitiçeiros tentaram disfarçar, mas a inquietação era clara nos rostos deles. Aquela frase parecia afirmar que o destino estava além da capacidade do Conselho de controlar.
— "O vosso controle sobre os destinos mortais é uma ilusão diante da força que agora desperta."
A última frase causou um calafrio coletivo. Vários feiticeiros se entreolharam com expressão de preocupação crescente. Sabiam que os metamorfos não eram apenas uma ameaça física. Havia algo mais profundo e enigmático em suas palavras.
— "A guerra que travam é pequena perante o que se aproxima. Continuarão a ignorar o que é inevitável?"
O silêncio foi absoluto. Ninguém ousava mover-se ou falar, como se a própria sala estivesse aguardando uma reação. A mensagem dos metamorfos, simples mas carregada de significado, parecia ter mudado o curso de tudo o que o Conselho acreditava ter sob controle. O desafio era claro, e as ameaças subjacentes a cada palavra eram impossíveis de ignorar.
Malrik foi o primeiro a quebrar o silêncio, sua voz grave cortando o ar.
— O que significam isso? — perguntou, olhando diretamente para Arwen, como se esperasse que ela tivesse uma resposta. — Uma ameaça?!
Arwen olhou para o pergaminho por um momento, antes de levantar a cabeça com um olhar firme.
— Os metamorfos sabem algo que nós não sabemos. E eles não estão nos desafiando. Eles estão nos alertando. Afinal só nós que perdemos o conhecimento de ler o Livro do Destino e seria muita presunção não achar que o Livro deles não tenha voltado a escrever.
A sala permaneceu em silêncio enquanto todos refletiam sobre as palavras de Arwen. Havia uma sensação de que algo muito maior do que a guerra entre feiticeiros e metamorfos estava prestes a ocorrer.
— Preparem-se, — Arwen concluiu, sua voz agora mais forte, mais assertiva. — O que se aproxima não podemos prever, mas devemos estar prontos.
E assim, o Conselho ficou em silêncio, com os olhos voltados para o futuro, sabendo que o destino não estava mais nas suas mãos. O silêncio era cortante. A mensagem dos metamorfos ainda pairava no ar como uma ameaça invisível.
Malrik levantou-se, a expressão fechada.
— Precisamos agir. Não podemos ignorar isto.
— Agir como? — rosnou Anzareth. — Quer que preparemos as defesas ou que aguardemos o ataque?
— Nem um, nem outro. — Malrik cruzou os braços. — Vamos chamá-los para conversar.
O choque foi imediato. Murmúrios e protestos ecoaram pela sala.
— Queres trazer Kaen para dentro das nossas muralhas? O lobo assassino? — Vareth arregalou os olhos.
— Quero que ele e a sua corte venham sob nossos termos. — Malrik respondeu friamente. — Se rejeitarem, saberemos que não há espaço para diálogo. Se aceitarem, teremos vantagem.
— E se for uma armadilha? — Edrian perguntou, a voz tensa.
— Se for, estaremos preparados. Mas se há algo maior do que esta guerra, séculos sem tentativa de contacto, prefiro saber agora do que quando for tarde demais.
O Conselho trocou olhares. O medo era evidente. Kaen era visto como um monstro, uma fera sem controle. Mas ninguém ousava desafiar Malrik naquele momento.
Alderius foi o primeiro a assentir. — Então que a mensagem seja enviada. Saberemos logo se Kaen é realmente apenas um sanguinário… ou algo mais.
A decisão estava tomada. O destino avançava sem piedade.