A cozinha estava envolta em um ambiente tranquilo, com o cheiro das ervas frescas e dos legumes sendo preparados por Renier. O som suave das lâmpadas de óleo e o crepitar de uma pequena lareira criavam uma atmosfera acolhedora.
Ele cortava os vegetais com destreza, enquanto Anastasia ele a auxiliava em algumas partes, esticando-se para alcançar os ingredientes que estavam fora de seu alcance. A conversa que fluía entre eles era descontraída, com Anastasia, apesar de sua condição, fazendo perguntas curiosas sobre Renier e seus mistérios.
— Eu nunca conheci um jovem como você, Renier — Anastasia disse, seus dedos tocando suavemente a lâmina da faca que ele usava para picar os legumes com prática mesmo com sua deficiência. — Você parece ter tanto a oferecer… mais do que qualquer um poderia ver à primeira vista. Tem algo mais escondido debaixo dessa aparência?
Renier sorriu, divertido com a percepção de Anastasia. — Ah, é sempre bom manter um pouco de mistério, não acha? Faz parte do meu charme — respondeu ele, brincando com as palavras enquanto continuava seu trabalho na cozinha.
Anastasia riu levemente, o rubor nas bochechas evidenciando a admiração que começava a sentir por ele. — Você tem esse dom, realmente consegue conquistar todos à sua volta sem nem tentar. — Ela soltou uma pequena risada, e Renier, com seus Olhos das Revelações, percebeu com clareza que ela estava se apegando a ele de forma rápida, provavelmente por causa da dor recente da perda de seu marido.
Mas enquanto ele continuava a cortar os legumes, algo na sala chamou sua atenção. A conversa entre Anny, Aura e Malo havia se intensificado. Renier não pôde evitar ouvir as palavras de Anny, uma menininha com olhos cheios de sonhos. Ela estava sentada no chão, falando com um brilho no olhar.
— Eu quero ser como a antiga Rainha de Aurélia —, Anny disse, com um desejo evidente em sua voz. — Alguém como ela, uma heroína como a Guardiã Negra que ela foi…
Aura sorriu com respeito. — Sim, a Rainha Makoto era uma inspiração para todos. Uma verdadeira líder.
Renier quase deixou o facão escorregar de sua mão quando ouviu o nome da antiga Rainha de Aurélia ser mencionado. Algo sobre aquela frase ressoou dentro dele, e sua mente começou a correr.
— A antiga Guardiã Negra… Makoto? — Renier murmurou para si mesmo, a surpresa invadindo seus olhos. Ele estava nesse mundo… em um mundo que ainda estava envolto em mistérios que ele mesmo não compreendia totalmente, e agora sabendo que outro Guardião, outro membro de sua família esteve aqui!
Ele então não se conteve e soltou a surpresa em sua voz evidente. — Outra Guardiã? Você está dizendo que houve outro membro do Clã Kanemoto esteve nesse mundo antes de mim?
Aura, percebendo o impacto da revelação, deu de ombros. — Ops… Ah, sim... Trezentos anos atrás, Makoto Kanemoto foi quem selou Alaster na Floresta Perdida. A antiga Guardiã Negra e a antiga Rainha do Reino Aurélia. Agora você entende por que o título tem tanto peso, não é?
Renier ficou paralisado, os olhos arregalados de surpresa. — Makoto Kanemoto… Ela era minha avó, a antiga Guardiã Negra… — Ele falou quase como um sussurro, absorvendo o peso das palavras.
A sala ficou em silêncio por um momento. Anastasia, Anny, Aura e até mesmo Malo olhavam para ele, como se estivessem diante de uma lenda viva. Eles estavam diante do neto da Guardiã Negra que sacrificou sua vida para selar o demônio Alaster. A revelação foi como uma bomba, mas Renier, com uma respiração pesada, tentou se recompor.
Renier sentia um turbilhão de emoções ao ouvir as palavras de Aura. A revelação de que havia outro Guardião Negro antes dele, uma figura tão forte, tão conectada à lenda do sacrifício heroico, era algo que ele não esperava. As implicações de tudo isso começavam a se espalhar pela sua mente, mas ele não queria mostrar sua confusão para os outros.
A surpresa era palpável na sala. Anastasia, Anny, e até mesmo Malo, que antes estava mais focada nas suas próprias questões, estavam agora absorvendo o peso da revelação. Anny, com seus olhos azuis, não conseguiu esconder a curiosidade e a admiração.
— Você… você é o neto dela? — Anny perguntou com um brilho nos olhos. — A Guardiã Negra, Makoto Kanemoto… isso é incrível! Sempre ouvi histórias sobre ela, como a mulher que sacrificou tudo para salvar todos de Alaster… e agora você está aqui?
Renier sentiu um pequeno nó na garganta ao pensar em sua avó. A antiga Guardiã Negra. Ela se sacrificou para garantir que o demônio não escapasse da Floresta Perdida, mas ele, Renier, estava agora aqui, com a missão de terminar o que ela começara. Ele não sabia o que isso significava para ele ainda, mas sentia que a conexão com aquele legado precisava ser levada a sério.
— Sim, — Renier disse finalmente, controlando sua voz com um sorriso suave no rosto. — Eu sou Renier Kanemoto, o novo Guardião Negro. E minha missão é garantir que Alaster nunca mais seja uma ameaça para este mundo. Eu sou o último que ainda pode cumprir esse destino.
Anastasia, que estava ouvindo a conversa em silêncio, colocou uma mão no ombro de Renier. Ela não podia vê-lo, mas sentia a intensidade em sua presença. — Eu… não sabia que você carregava um peso tão grande — ela disse suavemente. — Mas, pela maneira como você cuida das pessoas ao seu redor, sei que você tem a força necessária para terminar o que ela começou. E, por mais que seja difícil, você não está sozinho. Tem aqueles que vão te apoiar.
Renier respirou fundo, tentando acalmar sua mente. Ele não estava acostumado a ser o centro das atenções de uma maneira tão intensa. Mas ele sentia que não podia mais esconder o que ele era, nem de si mesmo. Ele era o Guardião Negro, sim, mas isso não era só uma missão solitária. Ele tinha aliados agora, como Anastasia, Aura, Malo e até Anny, que estavam com ele de alguma forma.
— Obrigado — Renier murmurou, mas logo mudou o tom, para tentar aliviar o clima. — Agora, vamos terminar o jantar. Não quero perder a chance de ver a comida de uma boa forma antes de enfrentar o que está por vir.
Aura soltou uma risada leve. — Isso aí, Renier. Nada como uma boa refeição para dar forças ao Guardião Negro.
Anny, ainda com um olhar curioso, voltou-se para Malo. — Então, você era um monstro? Como é ser… bem, um Wendigo?
Malo sorriu gentilmente, mas com um toque de nostalgia que nao estava disposta a reviver. — Era uma época difícil para mim sentir uma fome insaciável, mas tudo mudou graças a Renier. Ele me mostrou e mudou minha maneira de viver sem ser consumida pela minha própria natureza.
Renier observou a cena com um leve sorriso. Ele sempre soube que sua jornada não seria fácil, mas ver como ele afetava os outros ao seu redor de maneiras tão profundas ainda o surpreendia.
Enquanto o aroma do jantar começava a encher a casa simples e aconchegante, Renier sentiu que o peso da noite já estava caindo sobre ele. A missão estava clara agora, mas ele não podia esquecer que, por mais que fosse o Guardião Negro, ele também tinha aliados. E isso, de alguma forma, tornava tudo um pouco mais suportável.
Continua…