O primeiro raio de luz da manhã penetrou pela janela, iluminando suavemente o quarto. Renier acordou com uma sensação estranha. Em vez de estar em seu próprio espaço, estava deitado sob os cobertores de uma cama de casal. Mas o que realmente o surpreendeu foi o fato de que Anastasia estava ali, deitada ao seu lado, pacificamente adormecida. Seus longos cabelos loiros estavam espalhados pela cama, criando um contraste perfeito com a suavidade das cobertas.
O sol já estava alto, e a luz clara da manhã fazia com que os contornos de seu rosto, normalmente ocultos pela venda, fossem agora visíveis. Renier não pôde deixar de admirar a beleza serena de Anastasia, mesmo sabendo que a situação entre eles era mais do que simples companhia.
Mas havia algo mais. A sensação de que ambos estavam deitados na mesma cama, juntos, revelava que algo mais íntimo havia acontecido. O que ele sentia no toque de sua pele e as lembranças que voltavam à sua mente o deixavam constrangido, mas não arrependido. Pelo contrário, uma parte dele estava quase em paz com o que acontecera.
Renier, ainda com os olhos meio turvos de sono, puxou suavemente a bochecha de Anastasia. — Anastasia… — murmurou, sua voz baixa e suave, tentando despertá-la sem pressa.
Ela se mexeu lentamente, soltando um suspiro preguiçoso, e, quando abriu os olhos, parecia como se estivesse querendo continuar naquele abraço de sono. — Só mais um pouco… — disse com a voz sonolenta.
Mas algo logo a despertou por completo. Ela sentou-se na cama abruptamente, seus olhos brilhando com uma luz que Renier ainda não tinha visto. O olhar dela parecia radiante. Os olhos dourados que antes estavam escondidos pela venda estavam agora completamente visíveis, e Renier pôde ver neles uma pureza e uma intensidade que o deixaram sem palavras.
Anastasia olhou ao redor, sua expressão se transformando em algo próximo à admiração. — Eu... eu consigo ver… — ela sussurrou, maravilhada com o mundo à sua volta. A luz do sol que entrava pela janela refletia em seu olhar, como se ela estivesse vendo o mundo pela primeira vez.
O coração de Renier bateu mais rápido. Ele sabia o que havia acontecido, mas preferiu não dizer nada. Ele tinha feito aquilo, de forma silenciosa, com sua habilidade de cura. Durante a noite, entre os momentos mais íntimos que compartilharam, Renier usou seus poderes para restaurar a visão de Anastasia. Mas ele decidiu deixar isso nas mãos dela, permitindo que ela chegasse às suas próprias conclusões.
— Então… — Renier perguntou, com um sorriso suave, fingindo surpresa. — Você consegue ver tudo com clareza?
Anastasia, com um brilho infantil nos olhos, olhou para ele, ainda com lágrimas em seus olhos dourados. — Sim... sim, eu posso ver! Eu... não sei o que aconteceu, mas talvez tenha sido a sua presença, Renier. Talvez tenha sido você, o Guardião Negro, que fez isso.
Renier soltou uma risada suave, tocando pela sinceridade em sua voz, mas logo se aproximou dela. Ele a beijou, de forma suave, com carinho. Anastasia o recebeu com uma intensidade que refletia toda a gratidão e emoção que ela sentia.
O beijo durou apenas um breve momento, mas parecia eterno, como se o mundo inteiro tivesse parado para que aqueles dois pudessem compartilhar aquela conexão única. Quando se separaram, Renier olhou para ela com um sorriso gentil.
— Não foi apenas o Guardião Negro que fez isso, Anastasia, — ele disse, a voz baixinha e sincera. — Foi você também. Só... você.
Ela o observou com um olhar cheio de afeto, sentindo, pela primeira vez, a verdadeira liberdade de enxergar o mundo de uma forma que nunca imaginou ser possível. Ela sabia, agora, que nada disso aconteceria sem ele, e por isso, seu coração estava imensamente grato.
✦—✵☽✧☾✵—✦
O sol já havia se levantado completamente quando o café da manhã foi servido. A mesa estava bem arrumada, com pratos simples e fartos, e uma atmosfera de aconchego preenchia o ambiente. Renier estava sentado calmamente, observando Anastasia e Anny conversarem com alegria. O brilho nos olhos de Anastasia era claro, agora que ela finalmente podia ver o mundo ao seu redor com clareza. A alegria era contagiante, e mesmo ele, normalmente tão sério e introspectivo, não pôde deixar de sorrir de leve ao ver o vínculo delas se fortalecer.
Aura, sentado à mesa, acompanhava a cena com um sorriso travesso. Malo estava ao seu lado, em silêncio, como sempre, mas a presença dela sempre parecia adicionar uma camada de profundidade ao ambiente. Eles respeitaram o momento, permitindo que Anastasia e Anny se entregassem a essa pequena, mas significativa, emoção familiar.
Renier, no entanto, não perdeu tempo com a nostalgia. Assim que tomou um gole de seu café, ele direcionou o olhar para as duas, sua mente voltando aos seus objetivos.
— Então, sobre os próximos passos dentro da Cidade Fronteira… — começou, claramente direcionado a Aura e Malo. — Alguma sugestão?
Aura, com aquele olhar provocativo que Renier já estava começando a conhecer bem, sorriu. — Ah, você já deu seu primeiro passo, não é mesmo, Renier? E foi... bem alto, por sinal. Bem em cima da Anastasia, — ela disse com um tom brincalhão, a implicância nas palavras deixando a conversa um pouco mais leve.
Renier, tomando mais um gole do seu café, levantou uma sobrancelha. — Foi alto até demais… — respondeu, sentindo-se um pouco desconfortável com a direção da conversa.
Malo, sem perder o ritmo, olhou para Renier e comentou em tom sério. — Anny dormiu profundamente, então não ouviu nada, mas... talvez da próxima vez, Renier, seja melhor ser um pouco mais discreto. — A risada que seguiu de Aura apenas reforçou a leveza do momento, mas Renier não pôde deixar de ficar um pouco corado, a situação ficando mais constrangedora do que ele imaginava.
Aura logo voltou ao assunto com mais foco. — Em toda Cidade humana, há uma Guilda de Exploradores. Aqui na Cidade Fronteira não é diferente. Talvez seja uma boa ideia reunir mais informações sobre esse tal 'Dia do Demônio'...
Renier se endireitou na cadeira, o interesse de imediato tomando conta. — Eu ouvi as histórias contadas pela Anny e pela Anastasia, mas... Alaster, esse demônio colossal, pisou na antiga capital... Como algo tão grande pode ficar selado por três séculos e ninguém vê nada disso?
Malo, que parecia mais tranquila em seu canto, foi quem respondeu. — Eu sou de dentro da Floresta Perdida, como Wendigo. Mesmo naquela época, nunca vi nada como um castelo ou um selo. Não faço ideia de onde procurar, mas algo me diz que isso está além da compreensão normal.
Renier tomou mais um gole de café e pensou por um momento. — Então... nossa melhor opção é ir à Guilda de Exploradores, coletar informações, descobrir a localização desse selo e tentar evitar que algo como o que aconteceu séculos atrás se repita. Quanto antes, melhor.
Aura o olhou com um sorriso orgulhoso, satisfeita com a resposta firme de Renier. — Agora sim, Renier... Agora sim você está parecendo um guerreiro. Um verdadeiro Guardião Negro.
Nesse momento, Anastasia entrou na cozinha, ouvindo parte da conversa. Ela parecia pensativa, como se algo estivesse rondando sua mente. — Mas... por que não usa o seu título, Renier? Como Guardião Negro, você poderia ter privilégios, certo? Todos conhecem a lenda da antiga Guardiã e da Rainha que ela foi. Não deveria ser mais fácil conseguir informações assim?
As palavras de Anastasia ficaram no ar, e Renier, surpreso com a observação, ficou em silêncio por um momento. Ele pensou sobre o que ela havia dito. De fato, se sua verdadeira identidade fosse conhecida publicamente, talvez a confiança das pessoas fosse mais fácil de conquistar. Como Guardião Negro, ele teria acesso a mais informações, poderia ser reconhecido pela cidade e, talvez, até por aqueles que temiam a lenda.
Continua…