Capítulo 4 vida e morte
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Cupim acorda abruptamente em uma jangada, o manguezal ao redor está imerso em uma escuridão densa. O som da água é abafado, e o cheiro de lama e vegetação é forte. Ele vê um velho à sua frente, com um chapéu largo e a camisa toda suja de barro.
"Acordou, meu jovem?" A voz do velho é grave e rasgada pelo cansaço.
"Eu estou morto?" Cupim mal consegue entender a situação. Seus olhos ainda estão embaçados pela confusão.
"Onde eu estou?" Sua voz trêmula denota o medo crescente.
O velho olha profundamente nos olhos de Cupim, como se o estivesse sondando. Ele respira fundo, antes de soltar um suspiro aliviado.
"Por sorte, você não morreu." Ele responde, sua expressão permanece séria. "Chegamos."
Os dois descem para uma aldeia isolada, com casas de madeira em palafitas, suspensas sobre a água escura. O lugar parece abandonado, com um silêncio inquietante que só é quebrado pelo som dos passos. O velho, com um olhar firme, fala:
"Aqui estamos."
"Que lugar é esse, senhor?" Cupim pergunta, sua mente ainda em turbilhão, tentando compreender onde se encontra.
"Aqui é onde você vai aprender a sobreviver. Vai ser difícil, muito difícil." O velho responde, sua voz carregada de um tom de aviso.
Nesse instante, uma figura estranha se aproxima. Ele é imponente, com um chapéu que cobre parcialmente seu rosto e uma lança nas mãos. Sua pele escura é marcada pela vida dura, e ele olha para Cupim com um interesse desconcertante.
"E esse garoto, Chico?" A figura fala com voz baixa e grave. "Ele é um dos nossos? Tão jovem e já viu a morte de várias formas. Os Papangus o seguiram... Sabemos o que isso significa, não sabemos?"
Ele observa Cupim, como se estivesse avaliando sua resistência, sua essência. O velho, sem pressa, tira uma garrafa de cachaça e começa a beber lentamente.
"Ainda não." O velho diz, com um tom que não admite discussão.
Cupim, inquieto, não consegue mais conter sua urgência.
"Eu preciso ir para casa agora. Você pode me levar lá?" Sua voz é quase suplicante.
O velho o encara com um olhar sombrio, suas palavras carregadas de uma verdade assustadora.
"Ainda não, minha criança. Aqueles monstros lá fora vão te matar antes que possamos ajudá-lo."
Ele dá uma pausa e, com o olhar fixo em Cupim, fala mais baixinho, quase como um sussurro, mas cada palavra é como um golpe na mente do garoto:
"Você precisa entender que existem pessoas muito poderosas lá fora. Elas querem destruir tudo o que temos. A nossa vida, o cheiro da lama, as histórias da nossa gente. Elas querem apagar tudo. E eu sei, você e sua família vieram de aqui... Eu sinto o cheiro do seu sangue."
O velho encara Cupim com um olhar profundo e penetrante.
"Você vai ficar aqui o quanto eu precisar, mas agora, entenda o que está em jogo. Tudo o que você conhece, tudo o que você amou, está em risco de ser destruído. O nosso mundo... está se despedaçando, e você está pronto para isso?"
Cupim, paralisado pela gravidade da situação, sussurra, quase sem acreditar:
"Eu... estou vivendo alguma loucura aqui?"
O silêncio toma conta do ambiente, e o velho, com um olhar quase enigmático, responde:
"A loucura, meu filho, é o menor dos seus problemas."
Joaquim entra na casa de Maria e encontra Hermanito sentado, com o semblante fechado. Ele olha para os dois, ainda tentando entender o que está acontecendo.
"Preciso de explicação. Como tudo isso aconteceu com a gente? Éramos pessoas normais... e agora estamos envolvidos nesse monte de mistérios?" Joaquim pergunta, claramente angustiado.
Maria, que até então estava em silêncio, respira fundo antes de começar a falar, com um olhar distante.
"Joaquim, lembra da caverna que passamos há alguns meses? Quando fomos ao encontro de forças que não compreendíamos totalmente? Acho que, mais cedo ou mais tarde, isso nos alcançaria. Nosso mundo, e tudo que vivemos, está envolto em algo muito maior."
Hermanito se aproxima, tocando a mesa com as mãos, como se buscando força para continuar. Ele olha para Maria, que confirma com um leve aceno de cabeça.
"Aqui, em Mauricéia, foi onde aconteceram muitas revoluções e revoltas frustradas. Fomos afastados de tudo... com o risco de sermos destruídos. E, honestamente, ainda não sabemos quem ou o que está nos perseguindo."
Joaquim, ainda confuso, interrompe.
"Quem? De quem você está falando?"
Maria o encara com uma seriedade imensa.
"Eles... Esses 'eles'. Não sabemos exatamente quem são, mas há algo muito estranho acontecendo. Eu encontrei uns textos, anos atrás, na casa de Hermanito, que falam sobre isso. Textos antigos, que meu pai escreveu antes de tentar matar a minha mãe."
Joaquim arregala os olhos.
"Textos? O que estava escrito neles?"
"Ele escrevia compulsivamente, Joaquim. Não saia do quarto, só ficava sentado na calçada, como se eu nem existisse para ele. Ele tinha pesadelos todas as noites e acordava gritando. Dizia que 'eles' iriam matar todos nós." Maria fala, com uma tristeza visível. "Um dia, meu pai se encontrou com um homem de branco, com uma bolsa de penas. Esse homem disse que ele precisava parar, que os outros não estavam gostando da atitude dele. Depois disso, meu pai tentou se enforcar, mas minha mãe chegou a tempo e o salvou. Eu só queria que ele voltasse a ser quem era..."
Hermanito interrompe, com a voz grave e cheia de pesar.
"Depois da morte dele, Maria começou a ler o que não foi queimado. E esses textos falavam de um grupo de pessoas muito poderosas, com a intenção de destruir tudo. Inicialmente, ela não acreditava no sobrenatural, mas depois passou a sentir coisas estranhas e a ver o que não deveria."
Joaquim está inquieto. Maria respira profundamente, continuando.
"Mauricéia é uma espécie de fábrica de convocados. São pessoas com poder, com potencial para revoluções. E são as únicas que podem enfrentar esse grupo. Eles estão em todos os lugares, observando, tentando encontrar esses convocados."
"E alguns desses convocados têm um protetor..." Hermanito adiciona.
Joaquim, surpreso, pergunta.
"Protetor?"
"Sim," responde Maria, com um olhar sombrio. "São seres ou até animais que têm a alma de alguém que protege o convocado. O protetor de Dandara era Pingo, e nós não havíamos percebido."
"E também achamos que você, Maria e eu, somos convocados." Hermanito diz, com firmeza. "Mas cada convocado precisa de um critério para que seu protetor se revele."
Maria balança a cabeça, como se tentando afastar o peso das palavras.
"Que viagem, né?" Ela diz, tentando aliviar um pouco a tensão.
Hermanito olha para Joaquim com seriedade, seu olhar carregado de urgência.
"Joaquim, o 'Rei das Cinzas' é o único nome que temos por enquanto, e ele está vindo."
Joaquim engole em seco.
"Ele está vindo para pegar todos nós." Hermanito acrescenta.
Maria e Joaquim se entreolham, sabendo que o que se aproxima é inevitável.
"Somos todos convocados, Joaquim," diz Hermanito. "E precisamos de nossos guias para despertar. Não sei se o seu guia é amigo ou inimigo, mas uma coisa é certa: você está envolvido nisso. O 'Rei das Cinzas' já está matando e você esteve lá. Salvou aquela garota. Você sabe, não sabe?"
Maria olha para Joaquim e diz, com um tom sério: "Precisamos voltar ao lago, talvez lá encontremos respostas." Hermanito, preocupado, vira-se para Joaquim e pergunta: "Quem é o seu guia?"
Joaquim sorri levemente, um sorriso tenso, e responde: "Eu não tenho guia. Tudo que sei estou aprendendo agora com vocês." De repente, uma mulher vestida de vermelho aparece do nada na sala de Hermanito. Ela sorri, observando o grupo, e pergunta: "Então, Joaquim, você pode confiar neles?" Hermanito a encara, surpreso, e pergunta: "Como assim, você apareceu do nada? Quem é você?"
A mulher sorri enigmaticamente e responde: "Me chamo Katirina. E quero que vocês quatro me sigam."
"Quatro?" Hermanito pergunta, desconfiado. Joaquim, então, se inquieta: "Cadê o Cupim?"
Hermanito responde, sério: "Desde que ele matou aquele louco, não é mais o mesmo. A polícia apreendeu a arma na casa do pai dele. Estão investigando. Faz três dias que os pais dele o procuram, mas ele desapareceu. Saiu para o mangue e ninguém sabe onde ele está."
Katirina olha para Joaquim, preocupada e nervosa, e diz: "Não há mais o que fazer por ele. Joaquim, ele já foi captado."
"Captado?" Joaquim pergunta, surpreso.
Maria, com um sorriso sombrio, completa: "Ele foi... marcado."
Katirina olha para Maria com um sorriso curioso, quase intrigado, e diz: "Você, garota, sabe mais do que parece, não acha? Você me intriga."
Maria a encara, séria, e pergunta: "A serviço de quem você está?"
Katirina dá uma risada baixa e responde: "Só precisam saber que estou aqui para ajudar vocês. Mas eu não confio no seu guia, jovem. Ela é traiçoeira."
Maria sorri desafiadora e responde: "Não ligo para o que minha guia pensa de mim."
E então, Maria pergunta: "E o seu guia, quem é?"
Katirina sorri enigmaticamente e diz: "Tem coisas que você não precisa saber agora. Mas há algo que preciso que vocês façam. Vocês precisam ir até a vila chamada Cavalo Marinho, na parte sul de Mauricéia. Subindo por uma estrada de barro."
Hermanito, ainda tentando entender, pergunta: "E o que você quer que a gente faça lá?"
Katirina acende um cigarro e responde, com um olhar sério: "Lá, vocês encontrarão um objeto. Esse objeto vai ajudar a esconder vocês do Rei das Cinzas. A energia entre vocês fica intensa, e isso torna mais fácil para ele localizá-los. Foi assim que eu cheguei até aqui tão rápido. Vocês precisam ir agora."
Joaquim olha para Maria, seu olhar firme, e pergunta: "Vamos?"
Hermanito, começando a se preparar, diz: "Preciso preparar uma bolsa com água e comida."
Maria, com um tom preocupado, responde: "A cidade está sem energia depois da chuva de ontem à noite. Nesse horário, vamos passar a noite andando na mata?"
Katirina, com uma expressão severa, responde: "Se não forem agora, todos vocês vão morrer."