Cap 9 A batalha do canavial parte 1
O sol nasceu sobre a vila, e Joaquim foi acordado por Hermanito.
— Acorda, cara.
Joaquim se levantou ainda atordoado e olhou pela janela. A cena era completamente diferente da noite anterior. A vila estava pacata, com pessoas saindo de suas casas e andando tranquilamente, como se nada tivesse acontecido.
Eles trocaram de roupa, descartando as peças sujas, e saíram à procura do corpo de Katirina.
— Onde será que está? — Joaquim murmurou, olhando para Maria, que retribuiu o olhar.
— O que aconteceu aqui ontem? — ela sussurrou, apreensiva.
— Eu não sei... Só sei que minha mãe deve estar preocupada — respondeu Maria. — Mas, depois que ela arranjou um namorado, ela parou de pegar tanto no meu pé.
Joaquim desviou o olhar, pensativo.
— Meu irmão é quase a mesma coisa... Agora ele tem os amigos dele, e desde que minha mãe passou a deixá-lo mais tempo na casa da minha avó, a gente mal se vê.
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Longe dali, Dandara emergia de um poço de lama, arfando como se tivesse acabado de escapar de um afogamento. Seu corpo estava completamente coberto pela lama densa.
— Que merda é essa...?
Uma voz respondeu:
— A lama precisa penetrar em sua pele. As raízes já estão dentro de você.
Dandara saiu do poço e começou a se limpar com a ajuda da garota de branco.
— E você? Como veio parar nessa desgraça de lugar?
A jovem suspirou, com um olhar distante.
— Fui jogada no lixo quando era criança. Me encontraram e me levaram para o orfanato de Mauricéia. Anos depois, me casei, tive um filho... e fui morta pelo meu marido. Fui jogada num lago e sugada para dentro da caverna como parte do meu carma. A velha me acolheu.
Dandara franziu a testa.
— E seu filho?
A garota apertou os lábios.
— Foi morto também. Meu ex-marido escapou ileso. Então, decidi ficar aqui. Isso sempre esteve no meu sangue. Os Convocados não morrem com facilidade. Por isso sobrevivi.
Ela fez uma pausa e sorriu de leve.
— No orfanato, eu sentia o gosto dos sons, ouvia vozes à distância, enxergava cores nas músicas... Sabe, Dandara, eu amo tocar rabeca.
— Oxe, e por que eu deveria me importar?
— Porque, apesar de tudo, o mais importante na vida são os momentos. Eu daria tudo para ter fugido com meu filho. E vejo você como uma filha... mesmo depois de apenas três meses juntas.
Dandara desviou o olhar.
— Eu só estou aqui porque não tenho para onde ir. Mas ainda quero fugir.
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Mais tarde, as duas caminharam até um círculo de grama no meio do canavial.
— Esse é meu lugar favorito — disse a garota de branco. — Quero que você relaxe.
Dandara se sentou e fechou os olhos, enquanto a outra tocava uma melodia triste e melancólica em sua rabeca.
— Precisamos de você, Dandara — disse ela. — Você é uma peça-chave para acabar com o sofrimento de todos.
Dandara abriu os olhos e a encarou.
— Você busca vingança pelo que aconteceu com você, não é?
A jovem hesitou.
— Não só isso. Quero acabar com tudo.
Dandara ficou em silêncio, incomodada com a resposta. Mas, antes que pudesse reagir, um barulho interrompeu seus pensamentos.
Explosões ecoaram, e o canavial foi destruído por algo que avançava em sua direção. Um homem de aparência grotesca surgiu entre as plantas. Seu rosto era o de um palhaço macabro.
A garota de branco o reconheceu e sorriu, sarcástica:
— Matheu... Cadê a putinha da tua mulher?
Ele soltou uma risada baixa.
— Katirina está ocupada. E eu vim aqui para matar você.
— E eu suponho que você quer levar a garota também.
— Olha só quem fala de regras — Matheu zombou. — Não me venha com balela. Sei que vocês não levam isso a sério. Você tem duas Convocadas ativas.
Dandara arregalou os olhos.
— Maria?!
Matheu sorriu ao ouvir o nome.
Dandara cuspiu no chão.
— E se eu não quiser ir?
— Nada justifica sua permanência aqui. Mas, se prefere resistir...
O corpo de Matheu começou a se modificar. Seus braços se esticaram, transformando-se em grandes madeiras, com garras afiadas.
A garota de branco avançou contra ele, desferindo um chute tão forte que o arremessou contra os canaviais. Matheu gritou, perplexo:
— Como?! Onde está seu corpo verdadeiro? Como consegue me atacar assim?
Ele se recompôs rapidamente e acertou um soco em Dandara, que caiu cuspindo sangue.
— Não queria usar a força, mas talvez seja necessário...
Dandara se levantou e correu pelo canavial, tentando escapar. Matheu a perseguiu. Ela atravessou as folhas cortantes até alcançar uma estrada deserta, olhando para os lados em busca de ajuda. Sem alternativas, correu de volta para o canavial.
Matheu a alcançou e a derrubou com um chute brutal. Dandara gritou de dor ao bater contra o solo seco.
De repente,
A mulher de branco a passista descalça, de pés sujos e pernas fortes, correu até Matheu e o atingiu com um golpe feroz, jogando-o para trás.
— Ah, então você veio também, Passista...
Matheu agarrou-a pelo cabelo e a lançou longe.
Dandara tentou se levantar, mas seus ferimentos a impediam. O sol e o calor do canavial tornavam tudo ainda mais insuportável.
— Merda... — ela cuspiu sangue.
Matheu se aproximou e a chutou nas costelas. Dandara gritou de dor.
A Passista voltou à luta, atingindo Matheu no rosto com um soco violento, empurrando-o para dentro do canavial.
Dandara se levantou, cambaleando. Ela ergueu as mãos.
A Passista a observou com atenção.
— Isso é inato a você, Dandara.
Dandara fechou os olhos, concentrando-se. Então, as canas começaram a se mover como lanças e avançaram contra Matheu, perfurando seu corpo repetidamente.
Ele gritou em agonia enquanto era perfurado, e penetrando pelas canais em alta velocidade