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Chapter 7 - capítulo 7 O Deus sumido

tiro do bacamarte rompeu a barreira.

Num piscar de olhos, os três foram lançados para longe, reaparecendo no meio de uma floresta densa e escura, muito distante de onde queriam chegar.

Joaquim se levantou com dificuldade, analisando o lugar ao redor.

— Como foi que saímos de pessoas normais para isso? — murmurou, olhando para as próprias mãos sujas de sangue. — Somos bichos agora... violentos.

Maria, ainda ofegante, o encarou.

— Joaquim, estamos feridos... Por favor, precisamos nos cuidar primeiro. Nem sabemos onde estamos. Olha o estado do Hermanito.

Joaquim desviou o olhar para Hermanito, que gemia no chão, pressionando o ombro ferido.

Suspirando, Joaquim pegou sua faca.

— Vamos acampar aqui por enquanto. Vou tentar construir um abrigo com algumas madeiras e folhas.

Ele se virou para Maria.

— Você tenta acender uma fogueira. Precisamos tratar nossas feridas. Tenho álcool na bolsa... uma garrafa de cachaça.

A noite caiu enquanto eles se tratavam.

Sentados ao redor da fogueira, observavam as chamas dançando no escuro.

— O protetor não foi morto... — murmurou Hermanito, entre gemidos de dor.

Maria colocou a mão na testa dele.

— Você está com febre.

— Essa sua arma mágica foi a única coisa que nos permitiu fugir — continuou Hermanito, a voz fraca. — Mas o protetor ainda está vivo... e pode nos encontrar. A sorte é que talvez estejamos no limite da vila.

De repente, Joaquim arregalou os olhos e sussurrou:

— Apaguem o fogo. Agora.

Maria sentiu um calafrio percorrer sua espinha.

— O quê?

— Se cubram com as folhas — ordenou Joaquim, a voz tensa.

Eles se esconderam rapidamente entre a vegetação.

Foi então que os viram.

Na escuridão da mata, dezenas de figuras nuas e cobertas de cinzas caminhavam como uma manada. Seus olhos ardiam como brasas vivas, iluminando a noite com um brilho infernal.

O líder do grupo parou, farejando o ar.

— Eu perdi o rastro deles... — disse com uma voz rouca. — Nós quase os pegamos. O transporte deu errado.

Mais sombras surgiram entre as árvores. Os três mal conseguiam distinguir suas formas, apenas os olhos incandescentes que pareciam flutuar no breu.

Os seres continuaram andando, desaparecendo na floresta.

O silêncio voltou, denso como a própria noite.

Hermanito engoliu seco.

— Eles são servos do Rei das Cinzas.

Ele olhou para os amigos, o olhar sombrio.

— Precisamos chegar naquela cidade ao amanhecer... Encontrar o corpo daquela mulher logo. Bem que ela avisou... Nós três juntos somos uma fonte de atração.

Maria começou a tremer.

Seu peito subia e descia de maneira descontrolada.

— Eu não... eu não consigo... — murmurou, os olhos marejados.

De repente, caiu de joelhos e abraçou Joaquim com força.

Hermanito se arrastou até uma árvore, apoiando-se nela, exausto.

Maria chorava, a respiração entrecortada.

— Eu tô com medo... muito medo...

Ela soluçou.

— Até ontem, éramos só crianças... Jogávamos bola num campo de barro... E agora somos isso. Eu não aguento tanta responsabilidade. Tenho medo... Medo que minha mãe morra, Joaquim.

Joaquim ficou em silêncio.

— Já perdemos Dandara — disse, por fim.

Maria congelou.

Se afastou dele, os olhos brilhando com algo que Joaquim não entendeu de imediato.

Ciúmes?

Joaquim franziu a testa, confuso.

Maria olhou para baixo.

— Tenho medo de morrer... De Mauricéia desaparecer. Dos nossos amigos... De tudo acabar.

Ela fungou.

— Eu não quero isso.

Joaquim a puxou para perto e a abraçou.

— Vamos fazer de tudo para evitar isso.

Ele apertou os braços ao redor dela.

— Esse fardo nos foi dado... Foi herdado. Mas não estamos sozinhos.

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Dandara acordou com um sobressalto.

Seu corpo estava encharcado de suor.

Sentou-se na cama, ofegante.

— Mãe... — sussurrou.

As palavras saíram fracas.

— Eu queria te ver...

Ela fechou os olhos, tentando conter as lágrimas.

— Nem conheci meu irmão recém-nascido...

Um vento frio soprou pela janela.

Dandara levantou a cabeça.

E então, viu.

Do lado de fora da cabana, sob a luz pálida da lua, estavam duas figuras.

Um homem vestido de branco.

E a velha senhora.

Dandara se aproximou da janela, o coração disparado.

A velha, de cachimbo aceso nos lábios, encarava o homem de branco.

— Então... O que você quer aqui?

O homem sorriu de canto.

— Eu sei que você está com a garota aí.

A velha soltou uma baforada lenta de fumaça.

— Estou treinando ela... Assim como você treinou seu menino.

O homem de branco riu baixinho.

— Deixe de ser idiota, Flores. Você se ilude achando que aquele homem ainda vai voltar para você.

Os olhos da velha brilharam.

O homem continuou:

— Ele não é mais quem foi um dia. Está sob influência de toda a desesperança e maldade que representa. A única coisa que deseja é acabar com você.

O silêncio pesou entre eles.

O homem se abaixou e pegou uma rosa murcha do chão.

— Essa floresta já foi sua vida, Flores.

Ele girou a flor entre os dedos.

— Mas agora ela está morrendo. Assim como você.

Os olhos da velha faiscaram.

Ela apertou os punhos.

— Madrugada, meu velho amigo...

Ela deu um longo trago no cachimbo e soltou a fumaça lentamente.

— Hoje, eu entendo que posso reverter esse processo.

Ela sorriu de canto.

— Ele vai voltar para mim.

Madrugada estreitou os olhos.

— E para isso... você precisa de Dandara.

Flores deu um passo à frente.

— Preciso que ela me ajude.

O silêncio se prolongou.

Até que um galo gritou na distância.

O som ecoou pela noite.

— Isso é contra as regras! — exclamou o galo.

A velha virou-se para ele, os olhos cansados, mas determinados.

— Todos do Grande Conselho de Dionísio estão mortos — disse, tragando o cachimbo. — Só sobramos nós... os Protetores originais.

Ela soltou a fumaça.

— Não existem mais regras.

Madrugada apertou a rosa seca entre os dedos, esmagando-a.

— Então é isso?

— Eu acredito que tudo pode voltar a ser como antes — disse Flores. — O próprio Baco está sumido.

Madrugada cerrou os dentes.

— Preciso que me entregue a garota.

Os olhos de Madrugada brilharam de ódio.

A velha sorriu.

— Seu tempo aqui se esgotou, animal.

Madrugada desviou o olhar e viu algo.

Pingo estava preso em raízes, se debatendo.

Antes que as raízes o alcançassem também, ele o puxou para si.

E desapareceu na escuridão.